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CHÃO DE INFÂNCIA E JUVENTUDE. MEMÓRIA FRAGMENTADA.
Acadêmico: Anna Maria Martins
"Aos seis anos de idade a menina entrara no colégio. A faixa rosa, envolvendo seu uniforme, marca o início do primário. Faixas de outras cores sucedem-se em sua passagem pelos cinco anos do ginásio."

O bonde vem de São Vicente. Não tem número. É o especial que transporta as alunas do Colégio Stella Maris. Segue ao longo da orla marítima, vai parando nos pontos habituais da rota cotidiana.

No José Menino, esquina da Rua Cira, a menina, um tanto atrasada, atravessa a avenida. Consegue chegar a tempo de pegar o bonde. Pé no estribo, mais um impulso e já está sentada. Acomoda com cuidado a saia pregueada de fustão branco, estica a faixa colorida que dá voltas no uniforme. Toma fôlego e se envolve na conversa.

À medida em que o bonde vai lotando, o vozerio cresce, o tom já não é o desejado pela soeur que acompanha o percurso desde o início. Et bien, mes enfants, um peu plus bas, s’il vous plait. A paciência de soeur Françoise tem limites.

Gonzaga, Washington Luiz, Conselheiro Nébias, as alunas vão apanhando o bonde, o especial segue e chega ao portão do colégio. Desfazem-se da mala cada uma tem seu cabide numerado no saguão espaçoso vão para a capela. A missa abre o dia das alunas do Stella Maris.

Aos seis anos de idade a menina entrara no colégio. A faixa rosa, envolvendo seu uniforme, marca o início do primário. Faixas de outras cores sucedem-se em sua passagem pelos cinco anos do ginásio.

Amizades, aprendizado, esportes e recreio fazem o cotidiano escolar. O idioma francês já não traz dificuldades. Falado tanto quanto o português, é língua familiar. As matérias curriculares complementam-se com música, religião, boas maneiras. A literatura francesa também é estudada. A jovem ginasiana toma conhecimento dos dramaturgos; Corneille, Racine, Molière entram na sala de aula.

A convivência diária cria amizades que se solidificam. As meninas e Montenegro, as Suplicy, Andrada Coelho, Almeida Prado, Kannebley, e outras, crescem juntas, são preparadas para o mundo além das paredes escolares. Mas fazem suas próprias escolhas, vão abrindo caminhos. E descobrem os flirts, a proximidade dos meninos. Não fazem ideia de como alguns desses jovens se projetariam, seriam orgulho para a cidade. O artista plástico Mário Gruber, os músicos eruditos Almeida Prado e Gilberto Mendes, os governadores Paulo Egydio e Mário Covas o Zuza da nossa infância.

Adolescentes em final de ginásio, os interesses extrapolam o âmbito escolar, vão a clubes, namoram, jogam vôlei na praia. O Clube XV, em seus jantares dançantes, apresenta Pedro Vargas, Adelina Garcia, Elvira Rios. No Grill do Parque Balneário Hotel, Luiz Gonzaga toca e canta o baião. O Tenis Clube traz jogadores famosos para o Campeonato Aberto. No Cinema Cassino abre-se o teto e a noite de verão mostra o céu estrelado.

Nem tudo é descompromisso, ou alegria. Reflexos da Segunda Guerra Mundial chegam ao país, black-out na orla marítima, escassez de gasolina, racionamento de produtos básicos, torpedeamento de navios. Evita-se sair à noite. As big-bands amenizam a reclusão das jovens. Glen Miller, Artie Shaw, Harry James, Genny Goodman repetem-se na vitrola.

Os anos de guerra deixam marcas. Mas a cidade retoma seu ritmo. E as alunas do Stella Maris, saindo do aconchego escolar e do abrigo familiar, partem em busca de seus próprios rumos.

A menina de outrora atravessa distâncias e a mulher reencontra seu chão de infância e juventude. Tantos anos passados, ela volta. No Panteão dos Andradas, participa da Homenagem a José Bonifácio e se emociona. Sente-se privilegiada por ter crescido em Santos e por ser uma Andrada.




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