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9/8/2017
"O PAÍS PRECISA DE UM CHOQUE DE EQUILÍBRIO"
Acadêmico: José Pastore
Confira entrevista do acadêmico José Pastore à Revista CNT Transporte Atual.

Entre quem entrar, a situação econômica do país não mudará da noite para o dia. A necessidade de austeridade será a mesma”. Esse é o alerta do sociólogo e professor da USP (Universidade de São Paulo) José Pastore ao avaliar possíveis mudanças no cenário político. Em entrevista à CNT Transporte Atual, ele adverte que, a despeito da crise política crônica por que passa o país, as reformas são imperativas à retomada do desenvolvimento econômico e requisito fundamental para o crescimento futuro. “Chegamos a um nível de tensão social extremo. Na mesma hora em que as incertezas no campo político exigem cautela e tolerância estas são essenciais para sairmos da crise”, diz. Ele pontua que a sociedade deve cobrar não apenas uma saída po lítica para o atual momento, mas também cobrar do Legislativo a votação das reformas estruturantes de que o Brasil necessita.
Especialista nas áreas de relações do trabalho, emprego, recursos humanos e desenvolvimento institucional e autor de mais de 35 livros sobre o tema, Pastore salienta que a Reforma Trabalhista aprovada pela Câmara dos Deputados (e, agora, em tramitação no Senado) é inteligente por abrir espaço para empregados e empregadores negociarem diferentemente do que diz a lei, sem revogá-la. Segundo o professor, foram definidos 15 direitos que podem ser negociados coletivamente e o acertado prevalecerá. “Mas é um convite voluntário. Se empregados e empregadores não quiserem negociar, eles continuarão com as proteções da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
“Com menos conflitos e mais empregos, surgirá um ambiente de negócios mais favorável para as empresas e para os empregados”
“Pela via da negociação, todas as peculiaridades são acertadas. Isso é melhor para os empregados e para os empregadores. É o jogo do ganha-ganha”
“Aos poucos, os empresários perderão o atual medo de empregar e começarão a gerar novos postos de trabalho”
Na conversa, Pastore registrou que o sistema brasileiro de relações do trabalho é do tipo estatutário e ultrapassado, no qual as regras são praticamente todas fixadas por lei. O professor comenta que, nas sociedades modernas, predomina o sistema negocial, em que são garantidos apenas os direitos básicos e as partes fixam as demais proteções por meio de negociações coletivas e individuais. “Esse sistema é superior para economias heterogêneas e diversificadas, pois é impossível fixar na legislação todos os detalhes de proteção que se aplicam às diversas situações do mercado de trabalho”.
O professor atribui à desinformação a resistência que as reformas propostas pelo governo vêm enfrentando por parte de alguns setores da sociedade. Ele considera ainda que haverá substancial redução no Custo Brasil com a aprovação desses projetos. Na sua concepção, aos poucos, os empresários perderão o atual medo de empregar e começarão a gerar novos postos de trabalho. “Com menos conflitos e mais empregos, surgirá um ambiente de negócios mais favorável para as empresas e para os empregados. Isso ajudará a atrair investimentos embora não seja o único fator.” José Pastore é doutor honoris causa em ciência e PhD em sociologia pela Universidade de Wisconsin, dos Estados Unidos. Atualmente, é consultor em relações do trabalho e recursos humanos, e articulista do jornal O Estado de S. Paulo.
Como o senhor avalia a atual conjuntura sociopolítica brasileira?
Respondo estas perguntas um dia após o grave incidente de Brasília quando se incendiaram ministérios e outras repartições públicas. A situação é preocupante. Chegamos a um nível de tensão social extremo. Na mesma hora em que as incertezas no campo político exigem cautela e tolerância, estas são essenciais para sairmos da crise. Há perspectiva de futuro?
Claro que sim. O Brasil é um país privilegiado, especialmente pelo seu povo, que não tem preguiça para trabalhar. Não há solução sem trabalho. E essa resposta estará sempre pronta na população brasileira.
A despeito da crise política, o senhor considera que as votações das reformas estruturantes devem continuar no Parlamento? Há clima para tal mudança?
Vejo muitos parlamentares bastante comprometidos com as reformas. Hoje em dia, há um consenso amplo a respeito da impossibilidade de se sair da crise sem equilibrar as contas públicas o que exige, entre outras, a Reforma da Previdência Social. A própria população está consciente disso apesar da resistência de grupos pontuais que defendem interesses corporativos.
Em uma eventual abreviação do mandato do atual governo, o senhor teme que essas reformas não avancem? Nesse caso, qual seria o melhor cenário?
Entre quem entrar, a situação econômica do país não mudará da noite para o dia. A necessidade de austeridade será a mesma. Por isso, penso que as reformas continuarão a serem vistas como um requisito fundamental para o crescimento futuro. O país precisa passar por um choque de equilíbrio para superar os problemas atuais.
Como avalia o conjunto de reformas proposto pelo governo Temer?
Minha área de estudo é o campo do trabalho. A Reforma Trabalhista aprovada pela Câmara dos Deputados é inteligente porque abre espaço para empregados e empregadores negociarem diferentemente do que diz a lei, sem revogá-la. Foram definidos 15 direitos que podem ser negociados coletivamente e o acertado prevalecerá. Mas esse é um convite voluntário. Se empregados e empregadores não quiserem negociar, eles continuarão com as proteções da CLT, pois nenhum dos direitos foi revogado. É o que fez a França no ano passado. A jornada semanal de trabalho é de 35 horas, mas, se as partes quiserem trabalhar 40 horas ou 44 horas, basta negociar e acertar o valor da hora extra. Entretanto, se não quiserem negociar, valem as 35 horas da lei atual. O projeto de lei aprovado pela Câmara se espelhou nessa sistem&aacut e;tica. Liberdade com proteção garantida.
Por que há forte resistência das centrais sindicais e da sociedade em relação à Reforma Trabalhista?
A resistência das centrais deve ser explicada pelos dirigentes sindicais laborais. A da sociedade atribuo à prevalência de uma grande desinformação. O jornal Folha de S.Paulo realizou uma pesquisa na qual a maioria dos entrevistados se disse contra a Reforma Trabalhista. Quando se perguntou o porquê, ninguém foi capaz de dizer.
Como o senhor classificaria o sistema de relações do trabalho aqui no Brasil? E qual sistema seria o ideal?
O sistema brasileiro é do tipo estatutário no qual as regras são praticamente todas fixadas por lei. É um sistema bastante antigo, proveniente da década de 1940, quando a única forma de proteção era via intervenção do Estado por meio de leis e da Justiça. Nas sociedades modernas, predomina o sistema negocial, em que a legislação garante apenas os direitos básicos e as partes fixam as demais proteções por meio de negociações coletivas e individuais. Esse sistema é superior para economias heterogêneas e diversificadas, pois é impossível fixar, nas leis, todos os detalhes de proteção que se aplicam às diversas situações do mercado de trabalho. O que serve para os portos não serve para os bancos. O que serve para o tra nsporte não serve para o comércio. E assim por diante. Mas, pela via da negociação, todas as peculiaridades são acertadas. Isso é melhor para os empregados e para os empregadores. É o jogo do ganha-ganha.
A Reforma Trabalhista está, agora, tramitando no Senado, e o projeto de terceirização já foi sancionado pelo presidente Temer. Em quanto tempo o senhor considera que essas medidas surtirão efeitos práticos no mercado? Por quê?
A reforma aprovada pela Câmara dos Deputados é bastante ampla. Vai demorar algum tempo para que a sociedade entenda bem todas as mudanças e as coloque em ação. Mas há efeitos de curto prazo. Penso que o Brasil terá uma redução de 50% das ações individuais que todos os anos entram na Justiça do Trabalho. Isso reduz despesas para as empresas e para o governo. É redução de Custo Brasil ‘na veia’. Penso ainda que, em um ou dois anos, as pessoas conseguirão utilizar as novas formas de contratação propostas pela reforma: teletrabalho, trabalho intermitente, autônomos, terceirização, tempo parcial, etc. Aos poucos, os empresários perderão o atual medo de empregar e começarão a gerar novos postos de trabalho. Com menos conflitos e mais empreg os, surgirá um ambiente de negócios mais favorável para as empresas e para os empregados. Isso ajudará a atrair investimentos, embora não seja o único fator.
O que garante que nenhum direito do trabalhador será revogado?
O artigo 611-A é explícito sobre os direitos negociáveis, sem a revogação do que está na CLT. E o artigo 611-B deixa claro um rol de 30 direitos sacrossantos que não podem ser negociados.
Como ficará a Justiça do Trabalho?
A Justiça do Trabalho passará a analisar os casos mais complexos e, sobretudo, os casos procedentes porque o projeto de lei impõe penalidades e multas para os autores de ações temerárias ou para partes e testemunhas que mentem perante os juízes. Ademais, os juízes analisarão apenas os aspectos jurídicos das disputas, deixando de entrar nos aspectos econômicos. Afinal, eles são treinados para os primeiros, e não para os segundos aspectos.
Como avalia o fim do imposto sindical? Considera que isso pode enfraquecer a estrutura sindical brasileira?
Esse é um dilema. De um lado, é preciso acabar com a indústria de sindicatos que existem apenas para receber o imposto. De outro, há que se considerar que muita gente vai querer viajar de carona, não pagando nada aos sindicatos que realizam negociação e outros serviços para todas as categorias. Essa contradição terá de ser resolvida na prática. O desafio para os sindicatos inertes será enorme. Muitos deles desaparecerão. Outros se fundirão. Alguns procurarão ajuda das entidades superiores (centrais, federações e confederações). No final, deve surgir uma plêiade de sindicatos mais representativos tanto do lado laboral quanto do patronal. Os que conseguirem atrair filiados poderão cobrar a contribuição assistencial ou negocial o que é permitido pela Justiça do Trabalh o. Com isso, poderão recompor suas finanças e fortalecer a prestação de serviços. Será um mundo mais realista para as entidades sindicais. Quem viver verá.

*José Pastore Sociólogo e Professor da USP




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