MEMÓRIA
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INÍCIO
Acadêmico: Academia
Todo histórico aqui publicado da APL esta calcado na publicação "ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS 70 ANOS".

A maior desvantagem para quem se dispuser a escrever a história da Academia Paulista de Letras consiste na penúria de documentos fidedignos para a reconstituição do seu passado. Da festa inaugural, na noite de 27 de novembro de 1909, possuímos um excelente documentário — a peça mais bem elaborada de todo o arquivo da Academia — da autoria do ideador do Silogeu, o Dr. Joaquim José de Carvalho, médico e escritor de sólida formação humanística, aqui domiciliado desde o começo do século. Cedo se convenceu o Dr. J. J. de Carvalho da necessidade de criar-se em São Paulo uma sociedade nos moldes das academias de ciências e de letras, para congregar os intelectuais do nosso meio e estimulá-los no prosseguimento das atividades a que se dedicavam, isoladamente considerados.

Polemista experimentado noutros centros de cultura do País — como Rio de Janeiro e Curitiba — bateu-se o Dr. J. J. de Carvalho sem desfalecimento na defesa de suas ideias, antes e depois de criada a Academia dos seus sonhos, contra a incompreensão do meio, visceralmente infenso a tais inovações. Com relação a esses interessantíssimos debates, a que oportunamente voltaremos, pisamos em terreno firme. Mas, a partir desse ponto, digamos, da inauguração da Academia, ressente-se a pesquisa por falta de material idôneo, tais e tantas são as lacunas causadas pelo tempo e o descaso dos contemporâneos, com a perda de livros de atas e a inexistência de depoimentos pessoais — cartas ou memórias, escritos vários e de ocasião que, de algum modo, satisfizessem os justos reclamos da nossa curiosidade.

Por falta de sede própria — e com isto tocamos no ponto álgico da questão, princípio e causa da perda daqueles documentos — deixaram de formar os acadêmicos, aos poucos, o arquivo da instituição nascente, em que fossem depositadas as provas de suas atividades nesses primeiros anos: atas, ofícios, convites, correspondência passiva e ativa, recortes de jornal; tudo isso agravado pela inexistência de uma Revista ou simples Boletim da nova sociedade, e a dificuldade aludida, de não se reunirem os acadêmicos com a frequência desejada.

Com o correr do tempo e a renovação paulatina do quadro social, cada vez mais se esfumava na retentiva dos sobreviventes da primitiva sociedade a imagem daquela inauguração, a todas as luzes, memorável. Daí, surgirem tantas informações contraditórias, até mesmo nos escritos de data mais recente, sempre que se ocupam seus autores com a história da Academia. Não se trata apenas de contradição de datas, senão mesmo confusão dos fatos, como, por exemplo, atribuírem à Academia de 1909 ocorrências de outra instituição literária do mesmo nome, de existência precária, e também idealizada pelo Dr. J. J. de Carvalho dois anos antes, mas que morreu ao nascedouro. Sem a distinção dessas duas entidades e o restabelecimento da verdade dos fatos, não nos será possível avançar muitos passos no terreno escorregadio das origens. As discussões pelos jornais da época, tão do gosto dos escritores daqui e do Rio no começo do século, que bem refletem a hostilidade do meio à ideia da criação de uma sociedade literária naqueles moldes, constituem a tônica das duas fundações, de fins idênticos mas perfeitamente diferençadas no que diz respeito aos seus membros componentes. É o que, antes de mais nada, importa esclarecer.

Quanto ao nascimento da segunda Academia, ou seja, a de 1909, estamos bem documentados. Além do livro acima mencionado, da solenidade inaugural, conserva-se na biblioteca da Academia um álbum com recortes de jornais da época, organizado por Basílio de Magalhães e, ao parecer, completo. Esses debates se prolongaram por mais de dois anos, constando o último recorte de comentários ao festival da posse de Vicente de Carvalho, exatamente na noite de 27 de novembro de 1911, data do segundo aniversário da inauguração da Academia.

Naquela data, a Academia era mais do que uma abstração, esplêndida realidade, conquanto não possuíssem sede nem arquivo próprios nem Revista, para impor-se no ambiente hostil da acanhada Paulicéia. A ideia inicial do Dr. J. J. de Carvalho se afirmara plenamente vitoriosa. O que se nos afigura inexplicável é ainda haver naquela altura quem se revoltasse contra tão bela demonstração de vida, para vir extravasar o seu inconformismo pelas colunas dos jornais da terra. Mas, com relação à primeira tentativa, a Academia de 1907, ainda está tudo pôr fazer. Não se pode alegar que haja escassez de documentos para esse estudo. Poucos, porém excelentes. Na sua meritíssima atuação como Secretário-Geral, principalmente a partir de 1937, com a criação da Revista, René Thiollier publicou tudo que conseguira reunir no seu nascente arquivo, ou melhor, o que lhe foi possível arrancar dos acadêmicos mais antigos, em matéria de informações ou documentos: cartas, discursos de posse, folhetos de vária natureza, além do relato pessoal dos que tomaram parte saliente naquelas cerimônias, depois de ritualmente empossados em suas poltronas. Seu melhor fornecedor de tais achegas foi Ulisses Paranhos, que sempre acudia ao chamado dos colegas para secretariar as reuniões ocasionais, nos vinte primeiros anos da Academia. Para todos os efeitos, nesse longo período era válida a sua eleição inicial, de Secretário-Geral ou de primeiro Secretário da Academia. Mas todos esses documentos ou contribuições eram publicados sem esclarecimentos por parte do editor, e quase tudo na segunda parte da Revista, com tipo miúdo e duas colunas, secção, em que os leitores raramente se detêm.

Foi só com a recente indexação da Revista que se tornou possível á releitura de tais informações sob perspectiva adequada, o que permitiu a fiel interpretação da causa da morte prematura da primeira Academia. Apesar de contar no seu quadro social com os nomes Consagrados de Vicente de Carvalho e de Francisca Júlia, e de não haver sido combatida a ideia ao nascedouro, dissolveu-se antes mesmo de ser inaugurada, por desavenças surgidas entre os próprios ideadores do projeto. Não durou um ano essa fase de aliciamento e de confabulações. Que digo? Apenas alguns meses.

Temos, assim, bem delineado o caminho para conhecermos a vida da Academia Paulista de Letras, desde a sua pré-história, com o episódio da criação e morte da primeira associação daquele nome a Academia de 1907 à inauguração, em 1909, da instituição que até hoje perdura, e que nesse meio tempo passou por uma longa fase de declínio e morte aparente, para ressurgir com mais viço em 1929, graças à reforma que recebeu o nome dos seus promotores: Amadeu Amaral e Gomes Cardim.

Daí em diante ficou fácil escrever a história do sodalício, se descontarmos os primeiros anos do governo do presidente Alcântara Machado, em que é de lastimar a mesma falta de cuidado com a guarda e preservação de documentos oficiais, decorrência inevitável do mal crônico da instituição desde os primórdios, por falta de acomodações para o funcionamento regular da secretaria.

Dos papéis da Academia recolhidos ao arquivo particular de Artur Mota, secretário-geral desde a reforma de 29 até a sua morte, só se salvou um livro de atas, do curto período da reforma e dos dois primeiros anos do mandato do presidente Alcântara Machado, doado recentemente ao presidente Oliveira Ribeiro Neto (1965-1970) pelo Dr. Gastão Mota, filho do falecido acadêmico.

Como esse livro precioso serviu para a lavratura de atas de 28 sessões consecutivas — sendo a última datada de 23 de setembro de 1931 — a primeira hipótese para explicar a não existência de outros livros em continuação, é de que se extraviassem com os demais papéis do antigo Secretário, dispersados após a morte do seu organizador. Mas, tirante as atas das sessões dos primeiros anos lavradas nesse livro, foi só a partir de 1938 que René Thiollier determinou a lavratura regular de atas em livros próprios. Nesse longo intervalo as atas eram datilografadas em folhas soltas; perderam-se quase todas. Apenas doze desses documentos foram reunidos posteriormente em livro (de agosto de 1936 a abril de 1937) que chegou até nós e a que se refere René Thiollier na sobrecapa do seu primeiro livro de atas, em uma nota que importa transcrever na íntegra :

"Entrando a Academia Paulista de Letras numa nova fase da sua existência, em vista de reforma dos seus Estatutos, aprovada em sessão solene, realizada na residência do Sr. Alcântara Machado no dia 30 de junho do corrente ano, resolveu a sua Diretoria iniciar o presente livro de atas, constante de 200 folhas, todas elas rubricadas pelo seu Secretário-Geral. A Diretoria declara que as atas anteriores ao presente livro foram datilografadas em folhas soltas, encontrando-se hoje encadernadas em volume, e que não lhe chegaram às mãos os livros de atas firmadas pelas Diretorias passadas. São Paulo, 2 de fevereiro de 1938 — René Thiollier Secretário-Geral."

Vemos, assim, que, ao longo do governo de Alcântara Machado a Academia passou por unia fase de delíquio, e que os acadêmicos lhe deram uma sacudidela para reanimar-lhe os brios. "Sessão solene" implica confabulações prévias, convocação, reforma de Estatutos e tudo o mais que fora lícito deduzir daquelas expressões. Mas, tal agitação é, para nós, como se nunca existisse; perderam-se as provas, no perpassar silencioso dos anos e dos minutos e com a ajuda ponderável da incúria dos homens. Passemos, então, a esmiuçar por ordem o que nos for possível.



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