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DISCURSO DE POSSE (18.10.1990)
Acadêmico: José Benedicto Silveira Peixoto
"Procurei bem cumprir o dispositivo regimental desta Augusta Academia e dizer, nas minhas apoucadas palavras, dos meus eminentíssimos antecessores, na Cadeira que aqui vou ocupar."

Senhor Presidente
Senhores Acadêmicos
Minhas Senhoras
Meus Senhores

Permitam-me diga logo muito obrigado - e faça-o à moda do jornalista que sou, com um MUITO OBRIGADO em "caixa alta", todas as letras em maiúscula, bem de todo o coração.
Que, primeiro, eu o faça ao Pai - sim, ao Pai do Céu, como dizia a minha Mãe, ao ensinar-me as primeiras orações - por mais esta graça, que é a de ver-me, hoje aqui, nestas altezas.
Excelentíssimo Senhor Presidente Acadêmico Professor Doutor Péricles Eugênio da Silva Ramos e Eminentíssimos Senhores Acadêmicos, que houveram por bem honrar-me sobremaneira, trazendo-me para seu convívio;
Excelentíssimo Senhor Desembargador Onei Rafael Pinheiro Oricchio, Digníssimo Corregedor Geral da Justiça de São Paulo, aqui também representando o Senhor Desembargador Professor Doutor Aniceto Alliende, Digníssirno Presidente do Judiciário Paulista;
Minhas Senhoras que, com seus encantos, põem ainda mais encanto nos encantos desta festa;
Meus Senhores que, com suas presenças, sobremodo prestigiam esta solenidade;
Meus queridos Israel Dias Novaes, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Lycurgo de Castro Santos Filho, Pedrinho e Lúcia Ferraz do Amaral, Paulo Bornfim, Geraldo Pinto Rodrigues, Miguel Reale, Alfredo Buzaid, Mário Donato, Marcos Rey, Francisco Marins, António D'Elia, Erwin Theodor Rosenthal, Mário Graciotti, Padre Hélio Abranches Viotti, José Geraldo Nogueira Moutinho, Hernâni Donato, Antônio Soares Amora, Duílio Crispim Farina, Rubens Teixeira Scavone, Odilon Nogueira de Matos, Odilon da Costa Manso, José Frederico Marques, Cyro Pimentel, João de Scantimburgo, Carlos Alberto Nunes, Edmundo Vasconcelos, José Tavares de Miranda, Raul de Andrada e Silva, Afrânio Zuccolotto - que muito me estimularam e ajudaram a ingressar nesta Casa, principalmente Israel, Péricles, Lycurgo, Pedrinho e Lúcia, Paulo, Geraldo, os dois Mários, Honório, Hernâni;
Minha muito prezada Acadêmica Doutora Lygia Fagundes Telles, aqui brilhante representante da Mulher Paulista;
Meus amigos Carlos Henrique de Carvalho e Coronel Doutor Paulo de Andrade Corrêa, bem dizendo acadêmicos honorários, ambos tendo aqui feito muito pela minha eleição;
Meu muito prezado Amigo, Amigo dos que mais prezo, Desembargador Professor Doutor Washington de Barros Monteiro, Mestre insigne de todos os que vivemos para o Direito;
Meu Ministro Gualter Godinho, Paulista admirável que foi grande Presidente do Egrégio Superior Tribunal Militar, O único Paulista que até hoje exerceu essa Alta Presidência;
Meu caríssimo Professor Doutor José Cretella Jr., um dos grandes das Arcadas de São Francisco, também dos maiores tratadistas do Direito, mais sua esposa, colaboradora, inspiradora, Doutora Agnes Cretella;
Senhora Jenny Sanches Aguiar e Senhorita Ana Carolina Beneti, representando meu caríssimo Sidnei Agostinho Beneti, um dos preclaros Juízes do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal, companheiro desde os tempos em que lecionávamos na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo;
Meu bom Amigo Doutor Raimundo Pascoal Barbosa, Conselheiro nato da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, modelo de advogado, companheiro daqueles nossos protestos contra a ditadura;
Meus companheiros da MMDC, hoje, como desde 32 e para sempre, nas Trincheiras da Lei, em alerta permanente nas lutas por um Brasil no Estado de Direito, o Brasil engrandecido com que todos sonhamos; em especial, meu Coronel Capelão Monsenhor João Pheeney de Camargo e Silva, presidente da nossa Diretoria Executiva e Coronel Heliodoro Tenório da Rocha Marques, meu presidente no Conselho Supremo e companheiro de cadeia getuliana, condecoração que nem todos têm a honra de possuir e nós as temos várias - ainda nosso esplêndido Coronel Antonio Fernandes;
Meus companheiros do e da Mauá, do Instituto e da nossa escola de Engenharia, de nosso Centro de Pesquisas e de nosso Centro de Cursos Extracurriculares, obra de idealistas em quase trinta anos de lutas e vitórias, em nossos ontens comandados por Álvaro de Souza Lima e Plínio de Queiroz, hoje tendo à frente Victor Carlos Fillinger e Izrael Mordka Rozenberg - aqui presentes meus caros Vice Presidente do Conselho Diretor Engenheiro Armênio Crestana e o Superintendente de Planejamento e Desenvolvimento Professor Adriano Murgel Branco, ainda nossa Assistente Executiva Dona Maria Regina Morais Pinho e o Chefe de Pessoal Gilberto Alves;
Meus companheiros da Academia Paulista de Jornalismo, da tradicional Associação Paulista de Imprensa, API, da nossa Ordem dos Velhos Jornalistas - presentes por Israel Dias Novaes, Paulo Zingg, Rosalvo Florentino de Souza;
Meus companheiros Acadêmicos Roberto Machado Carvalho, Moisés Gicovate e Genésio Pereira Filho, neles aqui presentes nosso tradicional Instituto Histórico e Geográfico e a nossa Academia Cristã de Letras;
Meus companheiros da velha e grande" A Gazeta", que comandava a tarde paulistana, Acadêmicos Hélio Carvalho de Castro e Roberto Martins Fontes Gomes, da nossa Academia Paulista de Jornalismo;
Meu caro Antonio Arnosti, um Grão Senhor em Administração, que, na Superintendência da Imprensa Oficial, de deficitária que era ainda ontem, soube fazê-la hoje largamente superavitária;
Minha mulher, Helena, sempre na abnegação de compreender meus muitos e graves defeitos;
Meus filhos Paulo Alexandre e Doutora Vera Lúcia, que me ajudaram e ajudaram a Helena a fazermos a melhor conta desta vida: 1 + 1 + 1 + 1, sempre igual a 1;
Meu filho Doutor José Mauro, graças a Deus, à sua competência e ao seu trabalho, hoje um vencedor - e que me deu a melhor das noras, linda excelente nora, bem dizendo uma filha, a Professora Renata Pasquale Silveira Peixoto;
Minhas netas Alessandra e Patrícia, bonitas que nem elas mesmas e meu neto André, rapagão, meninão e já um velejador internacional- neto e netas que, no melhor sentido, são meus donos;
Minha querida D. Izabel Miraglia de Aguiar Moreira que, pela sua dedicação a esta Academia, já se fez dona de nossa amizade;
Meu muito prezado Geraldo Dias Moreira, outro grande servidor desta Casa;
- a todas e todos, excelentes Amigos, MUITO E MUITO OBRIGADO.

***
Nos termos de dispositivo regimental desta Casa, deve o novo acadêmico, em seu discurso de recepção, ocupar-se principalmente da obra de seu antecessor. Sublinhe-se o "principalmente", à evidência não excluindo o elogio dos outros antecessores, ainda o do patrono da cadeira que o recipiendário vai ocupar.

***
Deixem-me, então, começar pelo Brigadeiro Machado de Oliveira, dentro em pouco meu patrono. Bem paulistano, José Joaquim Machado de Oliveira nasceu nesta São Paulo naquele 8 de julho de 1790.
Filho do tenente-coronel Francisco José Machado de Vasconcelos e de D. Ana Esméria da Silva, bem jovem assentou praça na Legião dos Voluntários Reais, depois denominada Legião das Tropas Ligeiras da Província de São Paulo.
Logo passou a colecionar postos e honrarias. Serviu na Campanha Cisplatina, participou de vários combates. Exerceu altas funções no Império, entre as quais a de membro do Governo Provisório do Rio Grande do Sul e as de presidente e comandante de armas das Províncias de Sergipe, Pará, Alagoas, Santa Catarina, Espírito Santo.
Desempenhou-se, no Exterior, dos Consulados Gerais do Brasil no Peru e na Bolívia. Militante do Partido Liberal, por duas vezes exerceu mandatos legislativos. Sobremodo incomum é que, em meio a toda essa atividade, ao mesmo tempo em que se desdobrava numa existência intensa, ainda realizava obra científica e literária bastante valiosa - na qual se destaca o "Quadro Histórico da Província de São Paulo". Saliente-se que, ao fim da vida, "a amplidão de seu peito mal chegava para as condecorações que atestavam seu merecimento".
Já aos 77 anos, seu filho Brasílio Machado de Oliveira, estudante de 19 anos, católico fervoroso, achou que era hora de tentar a conversão do pai ateu. Conta Antonio de Alcântara Machado, o bisneto admirável: "A morte andava por ali, a ameaçar a cada instante a conversão. O filho foi falando, falando depressa e contendo as lágrimas, precipitando as palavras embargadas pela emoção - até que o pai cedeu, menos aos apelos do filho, do que à verdade que tornava comovente e irresistível a voz dele".

***
Brasílio Augusto Machado de Oliveira, o Barão Brasílio Machado, foi o fundador desta cadeira nº. 1, dando ao pai as honras de seu patrono.
Nasceu nesta Paulicéia, a 4 de setembro de 1848. Foi, toda vida, católico praticante e, nas palavras de Antonio de Alcântara Machado, verdadeiramente um "operário católico". Defendeu a Igreja, para ela trabalhou com exemplar devotamento. Reconhecida, a Santa Fé conferiu-lhe, pelas mãos de Leão XIII, a medalha "Pro Eclesia et Pontifice" e, com Pio X, o titulo de Barão.
Bacharelou-se pelas legendárias Arcadas do Largo de São Francisco - e doutorou-se em 1875. Foi promotor público em Piracicaba e Casa Branca. Exerceu os cargos de inspetor do Tesouro Provincial e de secretário do Tribunal de Relação. Foi presidente da Província do Paraná. Defendeu tese para catedrático da Faculdade de Direito. Foi o primeiro presidente desta Academia Paulista de Letras.
Foi poeta - e ajuntam que, deixando assinalada sua passagem por Piracicaba, ali ainda hoje se lembram de seus versos: "Sacode os ombros nus, ó Noiva da Colina,/ que a luz da madrugada encheu o largo céu!" Veio dele esse "Noiva da Colina" - contou-me Pedro Ferraz do Amaral. Viu, duma feita, a bruma sobre o salto do rio Piracicaba. Parecia uma grinalda ... E até hoje aí temos o apelido poético.
Deixou vários livros e lembram: "Era alto, magro, pálido, elegante nas maneiras e no trajar. Transfigurava-se quando subia à tribuna. Porque então é que se lhe acendia, bem aceso, no fundo das densas sobrancelhas negras, aquele olhar de magia".
"Iluminava-se. E o auditório entregava-se todo à sedução que irradiava. Na cátedra, a exposição da idéia vinha aos borbotões, fluente e clara. Possuía, no mais alto grau, as virtudes primaciais do professor: clareza e concisão".
Ah, O Professor José de Alcântara Machado de Oliveira! Conheci-o bem, professor nas Arcadas de São Francisco - um de seus notáveis professores.
Nasceu no 19 de outubro de 1875, na velha e tradicional Piracicaba, filho do Barão Brasílio Machado. Contava 15 anos apenas, quando se matriculou em nossa Faculdade de Direito. Pela sua dedicação ao estudo, pela inteligência privilegiada que possuía, granjeou logo a admiração de mestres e condiscípulos. Sim, já soneteava, já escrevia seus artigos para jornais ...
Bem moço, em 1895, foi nomeado lente substituto da velha e sempre nova Academia; pôde altear-se a catedrático e, em pouco mais, foi eleito vice-diretor, para assumir a Diretoria em 1931.
Ao mesmo tempo, fez política. Foi em 1911 eleito vereador à nossa Câmara Municipal. Em 1915, conquistou uma cadeira de deputado estadual. Foi senador estadual - e, em 1933, logo após o nosso 32 de muitas glórias, foi para a Assembléia Nacional Constituinte, como deputado de São Paulo - e ali teve atuação de marcante relevo.
Membro da Academia Paulista de Letras em 1919,foi, em 1931, eleito para a Academia Brasileira de Letras. Com a morte de Amadeu Amaral, sucedeu-o na presidência daquele Sodalício.
Sim, vale relembrar aquele 11 de agosto de 1932. Sob as Arcadas do velho casarão, o silêncio era tumular. Nossos moços estavam por aí além, nas estacadas de nossa Guerra Pela Lei. À noite, falou a São Paulo, e ao Brasil, O Diretor Alcântara Machado:
"O milagre do rádio permite ao homem compartir com Deus o poder da onipresença. Apertemos, através do espaço, contra o peito, os corações fraternos, e entre os dedos as mãos amigas. Fechai os olhos para que a ilusão seja completa, meus queridos e incomparáveis alunos da Faculdade de Direito de São Paulo. Venho convidar-vos a assistir comigo à data luminosa de 11 de Agosto. A Congregação acaba de entrar no Salão Nobre da Escola, tão vosso conhecido. Está completa. Compareceram todos - vivos e mortos: Ramalho, Crispiniano, Bonifácio, O moço, João Monteiro, Brasílio Machado, João Mendes, saem da tela, do mármore, do bronze e tomam assento no doutoral. Porque todos sabem que a sessão de hoje é a mais solene de quantas se realizaram nesta Casa e que nunca se fez mais oportuna a afirmação de que a Faculdade é o sacrário da lei, o sensório jurídico do País. A parte reservada ao auditório, aquela que costumais enfeitar com a vossa mocidade, a alegrar com a vossa turbulência, parece vazia. Mas, se prestardes atenção, vereis que se vai povoando de sombras. São os nomes de quantos vos precederam nas Arcadas do velho mosteiro franciscano que, sabendo-vos empenhados em defender as fronteiras de São Paulo, hoje confundidas com as fronteiras morais da Nacionalidade, vêm ocupar o lugar reservado aos estudantes. Sim, a sala está superlotada das maiores figuras da nobiliarquia espiritual do Brasil". Estão Fagundes Varella, Castro Alves, Pedro Luiz, Tobias Barreto - Ruy!. .. "É o verbo do Direito, é o Condestável da Liberdade, é a voz augusta do semeador de palavras eternas. Depois de Ruy, ninguém tem mais o que dizer. E a Assembléia se dissolve".
Foi a mais comovente oração ao 11 de Agosto - e São Paulo inteiro e, noutros Estados, nossos irmãos brasileiros que lutavam conosco - todos a ouviram, numa emoção imensa, muitos contendo as lágrimas.
Data de 1892 seu primeiro trabalho em livro - "Momento da formação dos contratos por correspondência". Outros se sucederam. Creio, no entanto, que o maior foi e é - "Vida e morte do Bandeirante", o estudo a todos os títulos magnífico da São Paulo Colonial - da São Paulo dos nossos avoengos, os barbaçudos e façanhudos bandeirantes que calçaram botas de sete-léguas e destemidamente saíram Brasil em fora, e deram um pontapé no meridiano de Tordesilhas e fizeram maior este País.
Ah, sim! Lembro-me bem da noite em que fui entrevistá-lo - numa das entrevistas hoje enfeixadas em "Falam os escritores". Perguntei ao professor, a dado instante, de suas obras a que considerava a melhor. Hesitou. Ficou numa reticência repassada de saudade. De nada valeu o esforço que fez. Duas grossas lágrimas saltaram-lhe dos olhos, escorreram-lhe pelas faces. A resposta veio afinal, em palavras de muita emoção: "Minha melhor obra!...
Mutilou-a brutalmente a morte!... Antonio de Alcântara Machado...!"

***
Com todas as suas altezas, José Carlos de Macedo Soares foi um Grão- Senhor de São Paulo.
Ainda estudante, no 5º ano de Direito, já evidenciou suas qualidades de liderança, elegendo se presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto. Exerceu, a seguir, magistério, como professor da Escola de Comércio Álvares Penteado e diretor do Ginásio Macedo Soares. Foi empresário, economista, banqueiro, secretário de Estado, político, embaixador, ministro da República, constituinte, escritor, historiador, acadêmico, presidente de instituições culturais, administrador de méritos comprovados, interventor em São Paulo, filantropo na mais ampla e melhor compreensão do vocábulo.
Assumiu, em 1923, a presidência da Associação Comercial e logo começou a dar-lhe relevo, maior representatividade. Aconteceu, então, o segundo 5 de Julho, Isidoro Dias Lopes à frente - obrigando as autoridades a sair desta Paulicéia. Vindas em socorro do governo do Estado, as tropas federais apresentavam-se para o golpe final... Alguns de nossos "homens bons" decidiram intervir e suprir a carência das autoridades ausentes - José Carlos de Macedo Soares à testa.
Foram a Isidoro e dele conseguiram inclusive que deixasse com suas tropas a nossa Capital.
Com a Aliança Liberal colaborou, nos primeiros tempos, por dias melhores para o Brasil. Integrou o chamado Governo dos 40 dias, até que a Ditadura se impôs e a nós nos impôs o interventor João Alberto.
Mais algum tempo e, em 1931, quando ainda não se desmascarara de todo a política caudilhesca - nomeado nosso embaixador na Bélgica, em homenagem que então lhe prestou a sociedade paulista, afirmou: "Embaixador do Brasil serei, enquanto São Paulo tiver, no coração brasileiro, o lugar que lhe cabe, por sua brasilidade". "Quando, porém, nos enjeitarem, como a um filho espúrio, saberei ser o embaixador da dignidade paulista ante a consciência nacional".
Chegamos aos Incomparáveis Dias Constitucionalista de 32. Em despacho ao ditador, nosso Embaixador deixou claro: "Por telegrama que enviei ao Ministro Franco, deve estar ciente de minha atitude, coerente com toda a minha vida, em defesa da Terra onde nasci, sejam quais forem as conseqüências". Tentou o ditador conquistá-lo: "Para consecução paz será muito oportuno seu regresso". Voltou - porém quando as armas já estavam melancolicamente ensarilhadas.
Ainda como chanceler, deixou clara sua vocação para diplomata. Quando da Guerra do Chaco, pôs seus melhores esforços em prol da pacificação. Conseguiu-a, finalmente, restabelecida a paz entre Paraguai e Bolívia - e pôde regressar ao Brasil para aqui receber a consagração de "Chanceler da paz". Um pouco mais e o consenso dos países deste Continente houve por bem honrá-lo como" Chanceler das Américas".
Após, na chefia do Executivo de São Paulo, revelou suas virtudes de
governante, de administrador, de político. Com sabedoria e tato, enfrentou e resolveu os problemas que pululavam nas áreas do poder público do Estado, em seu relacionamento com o governo da República. E fê-lo, sempre, com altanaria e de modo a bem assegurar a tranqüilidade indispensável ao trabalho dos paulistas. Disse José Maria Whitaker, e disse-o bem: "Governou equânime, acima dos grupos e partidos".
Como escritor - acadêmico neste Augusto Sodalício e também na Brasileira de Letras - dedicou-se mais à História. Disse nosso inesquecível Ataliba Nogueira que "não se preocupava em castigar o estilo, menos ainda em rebuscar na construção de frases. Apreciava a naturalidade. Evitava os adjetivos. Preocupava- o a clareza na exposição, o que exige sem dúvida, o emprego do termo adequado e a correção gramatical".
Redigia de maneira simples, fluente, enxuta, vivaz - não faltando, porém, nos seus escritos, páginas brilhantes. Sabe-o, quem leu "Fronteiras do Brasil Colonial", "Santo Antonio de Lisboa, Militar no Brasil". Foi, por duas vezes, presidente da Academia Brasileira de Letras; foi presidente perpétuo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
De todas as altíssimas realizações de José Carlos de Macedo Soares, cumpre seja dado o relevo merecido ao seu filantropismo. Não era filantropia de alardes - dessas para aparecer nos órgãos de comunicação de massa. Ele e a esposa multiplicavam-se em atender aos que deles precisavam - e faziam-no a mancheia, a moços precisados de ajuda para estudar, a velhinhos sem com que sobreviver, a instituições de benemerência necessitadas de auxílio - sempre muito discretamente, a mão esquerda nada sabendo do que a direita fazia ...
Ocorre-me, neste passo, a página imortal de Giovanni Papini, em sua "História de Cristo" - "O esterco do demônio" , o dinheiro. "Esterco do demônio", sim, porque degradado a instrumento de todas as corrupções. Lembra o grande italiano que, mesmo por isso, Cristo nunca quis tê-lo nas mãos. "Aquelas mãos que amassam a lama da terra, para dar luz ao cego; aquelas mãos que apalparam as carnes infectas dos leprosos e dos mortos; aquelas mãos que cingiram o corpo de Judas - mais infecto do que a lama, a lepra e a putrefação - aquelas mãos brancas, puras, saudáveis, nunca suportaram um desses discos de metal, que trazem os perfis dos proprietários do mundo". "Quando lhe pedem o tributo para o templo, não é à bolsa dos amigos que ele recorre. Ordena a Pedro que lance a rede ao mar: na boca do primeiro peixe há de aparecer o dobro do dinheiro que lhe pediram". Mas, um dia, Cristo foi obrigado a olhar para uma moeda. Foi quando lhe perguntaram se era lícito pagar o censo ... "Mostraram-lhe a moeda, sem que Ele quisesse segurá-la". Perguntou de quem era a efígie - e disseram-lhe que de César. A resposta fez-se rápida, seca e contundente: "Devolvei a Cezar o que é de Cezar" - o "desenvolver" salientando que os dinheiros, esses dinheiros, são dos potentados ...
Veio-me o episódio - porque, com José Carlos e D. Matilde, o dinheiro não era, nunca foi esse vil esterco do demônio: eles o entediam em sua verdadeira função, na função para que a moeda foi criada, como instrumento de produção da riqueza, de emancipação econômica, instrumento do bem. Esse dinheiro, essas moedas, moedas abençoadas - certamente Cristo não hesitou em tomá-las nas mãos, tomou-as nas mãos brancas, puras e meigas, pelo muito de bom que fizeram.
E foi assim que, frisou Paulo Nogueira Filho - meu querido e saudoso Paulito - nesta mesma tribuna, ao tomar posse neste Silogeu: "possuidor de imensa fortuna", José Carlos "chega ao fim na mais absoluta pobreza" ... Pobreza?!. .. Pobre?!. .. Nunca, e nunca! Ricos, riquíssimos - como só os santos puderam e podem sê-lo - José Carlos e D. Matilde souberam dar-se, souberam doar-se.
Realizaram, à plenitude, o preceito evangélico do "Ama a teu próximo, como a ti mesmo" - em que a tese do coletivismo ("Ama a teu próximo") entra numa síntese em harmonia perfeita com a antítese do individualismo ("como a ti mesmo"), síntese que oferece a solução melhor para todos os problemas humanos.

***

Paulo Nogueira Filho - meu querido Paulito dos nossos tempos de "Diário Nacional" , ele seu criador e diretor, eu nos começos de minha vida de repórter - foi o quarto ocupante desta cadeira nº 1 e foi daqueles a quem esta Augusta Academia dignifica, mas por igual, no entanto, ao mesmo tempo dignificam a este Alto Sodalício.
Bem dizendo, Paulito não era o dono do "Diário Nacional" - onde também pontificavam o grande Amadeu Amaral e que contava como secretário Pedro Ferraz do Amaral, nosso prezadíssimo Pedrinho (exigente que nem ele só, mas podendo sê-lo porque, antes de tudo, exigentíssimo com ele próprio). Não, Paulito, eu nunca o vi em atitude de dono, sequer de chefe. Era, sim, o amigo, o companheiro, amável sempre, sempre risonho, a quem todos queríamos bem.
Nasceu aqui nesta Paulicéia de nossos amores - e eu quase disse de nossos desamores, porque, bem verdade amo a esta São Paulo com todas as forças de meu ódio, eis que odeio tudo quanto a desfigura, tudo quanto aqui é defeito, tudo aqui errado.
Mas, veio-nos ele, nalgum tanto, de Campinas - da Campinas do muito bem-querer dos nossos Lycurgo de Castro Santos Filho e Odilon Nogueira de Matos. Era seu avô materno José Paulino Nogueira - um caixeiro na cidade de muitas legendas e que, pelo trabalho, pelas lutas do dia a dia, soube altear-se ao solar na rua Conselheiro Crispiniano, solar que era um deslumbramento para o autor de "Ideais e lutas de um burguês progressista", àquela altura preparatoriano de calças compridas, na realidade ainda "pinto calçudo", as pernas encompridando, as calças encurtando ...
A identificação de avô e neto era tanta, que Paulo mais de uma vez manifestou o desejo de escrever-lhe a biografia. Não o fez, é certo mas, observa Osmar Pimentel, seu primeiro trabalho literário - "O Clube Republicano de Campinas", publicado em 1916 - é, de algum modo, um capítulo da biografia. Temos aí que, como presidente da Câmara Municipal de Campinas, José Paulino foi quem proclamou a República naquela cidade.
Depois, durante 29 anos, Paulito silenciou editorialmente. Só em 1945 retomou suas atividades de escritor. Daí até 1956, ano do aparecimento de "Sangue, corrupção e vergonha", deu a público alguns opúsculos e dois livros - sobre temas jurídicos e sociais. Sim, com a queda da ditadura getuliana, voltara à política, elegera-se deputado federal por São Paulo. Algum tanto mais - e tivemos "A Guerra Cívica - 1932", deveras um monumento a Epopéia Heróica dos nossos
para sempre gloriosos Dias Constitucionalistas. Tal é seu valor, tamanho é seu porte como obra histórica e literária, que a Comissão de Comemorações do Cinqüentenário da Revolução Constitucionalista e a Sociedade Veteranos de 32 - MMDC houveram por bem escolhê-la para o brilhante resumo que dela fez Pedro Ferraz do Amaral e foi distribuído a bibliotecas e escolas - para o Brasil saber o
que foi, na verdade, o nosso incomparável 32.
Sim, como prêmio dos muitos e relevantes serviços à São Paulo e, está claro, também ao Brasil (mesmo porque a maior e melhor maneira de ser brasileiro é ser paulista), teve Paulo Nogueira Filho as condecorações do exílio. De volta, formou de novo com os amigos do Partido Constitucionalista - e foi eleito deputado federal, dividindo suas atividades entre o exercício do mandato e a chefia da política partidária da Capital. Também logo, o candidato do Partido à Presidência da República - aquele grande e inoldável Armando de Sales Oliveira, estadista notável que o getulismo roubou ao Brasil, não permitindo viesse ele a engrandecer
este País - teve Armando de rumar os mesmos caminhos ... E Paulo - porque a ditadura conhecia bem a fibra do lutador que tinha pela frente - não foi poupado. Por sete anos viveu no estrangeiro, nem pôde receber a benção última da Mãe, falecida em novembro de 1941, certamente orgulhosa do filho que se sacrificava pela Pátria.
Voltou ao Brasil, graças a um "habeas corpus" redigido por Waldemar Ferreira e subscrito por mais 600 advogados, encaminhado ao Supremo Tribunal pelo advogado Targino Ribeiro - "habeas corpus" em favor de Armando, Octávio Mangabeira, Paulito. Aqui de novo, formada a União Democrática Nacional, foi dos componentes do secretariado. Eleito à Assembléia Constituinte de 1946, colaborou eficientemente na nova Carta. Desempenhou-se, e muito bem, de outras missões políticas, inclusive representando o Brasil em conferências internacionais.
Teve, em 1954, das mãos do presidente Café Filho, a incumbência de dirigir, reestruturar e ampliar, na esfera federal, o Serviço de Assistência aos Menores, cargo de que se exonerou a 22 de novembro de 1955, ante o golpe militar que depôs o presidente. Do que viu nesse setor, das experiências que aí viveu, escreveu "Sangue, corrupção e vergonha", relato impressionante desse cancro em nossa administração, ou desadministração pública. E temos nele, numa página de guarda do volume, suas palavras: "Seja tudo pela causa dos menores transviados, desvalidos, maloqueiros e desajustados do Brasil". Era, como é, o depoimento de um burguês
progressista", qual ele próprio se dizia, nascido na abundância e na abundância tendo vivido - clamado pelos pequeninos desamparados! Um homem bom levantando a voz em favor duma infância sem infância, uma infância desgraçada.
Foi, assim e sobretudo, um bom, sempre e sempre lutando pelos desvalidos - o nosso Paulito, aquele companheiro querido dos velhos tempos do "Diário Nacional". Foi -se, no 30 de outubro de 1969 - para Além do Além. Estará, com certeza, nalgum recanto das moradas do Pai -quem sabe já cuidando de algum jornal, que Céu de Jornalista tem de ter um jornal!. ..

***
Estou a vê-lo, alto, esbelto, longilíneo, de trato sempre amável, porém algum tanto ensimesmado, como uma constante preocupação com um problema de estética, sobretudo e em tudo um bom - eis como o conheci, e conheci -o pouco, trabalhando em jornais diferentes, nossos caminhos se cruzando só de vez em vez.
Nasceu no Rio de Janeiro, naquele junho de 1912, dia 5. Mas nunca vi nele qualquer coisa de lá, nada do Zé Carioca de Disney. Era Osmar Pimentel, isto sim, bem valeparaibano, até com o sotaque dos rr e ll "rnouillés'' - carta certa, Brasil gentil...
Sim, é fácil explicar. Deu-se, com ele, mais ou menos o que aconteceu comigo. Nasci aqui em São Paulo, meio por acidente, na chácara de meu avô materno - e chácara que ficava ali na Brigadeiro Luís Antonio, junto da Santo Amaro. Tinha menos de um mês, quando lá me fui para Tremembé, meu pai professor de uma escolinha de lá, a seguir para Taubaté, dada a promoção do prof. Pio para a direção do Grupo Escolar Lopes Chaves.
Carioca de nascimento, nosso Osmar sempre se disse "lorenense desde a medula da alma". É que tinha menos de um ano, quando foi morar em Lorena. Assim, era meu covaleparaibano, que sempre me entendi mais taubateano do que paulistano. Um covaleparaibano ilustre, dos mais ilustres, que chegou a esta tribuna dizendo-se logo "homem de planície com nostalgia de cordilheira" - "nativo espiritual de Lorena", com a Mantiqueira corcoveando nas lonjuras azuis ...
Aliás, do Vale do Paraíba, temos tido e temos, nesta Colenda Casa, vários dos maiores de nossas letras - a começar pelo meu querido e inesquecível Lobato, a continuar pelo muito prezado e saudoso Cassiano Ricardo, também por Vossa Excelência, Senhor Presidente Péricles Eugênio da Silva Ramos, ainda pelo velho e bom Carlos Rizzini, também pelo nosso Paulo Ferreira Reis, ainda pelo muito caro José Geraldo Nogueira Moutinho, por esse grande de Guaratinguetá, que é
Antonio Soares Amora... Subindo a Mantiqueira, temos, de São Bento do Sapucaí, o grande Plínio Salgado e o muito notável Miguel Reale. Agora, mais Benedicto Ferri, de São José do Barreiro. Somos irmãos, Osmar e eu, pela geografia, que, bem dizendo, Lorena é irmã de Taubaté.
Em Lorena, fez os cursos primário e secundário. Veio, depois, para a
Faculdade do Largo São Francisco, aí se bacharelando em 1937. Crítico, notável crítico, dos maiores que o Brasil já conheceu, seus primeiros trabalhos foram publicados na Revista do XI de Agosto. Pontificou, depois, nalguns de nossos maiores jornais: "Folha da Manhã", "Jornal da Manhã", "Jornal de São Paulo", "O Tempo" - no prestigioso "Estadão". Dirigiu a Faculdade de Economia, Finanças e Administração de São Paulo, também o jornal "A Época". Como jornalista, era um mestre - a frase tersa, o estilo escorreito, nunca dizendo em duas palavras o que podia ser dito numa - e jornalista honesto, que jamais se curvou aos poderosos de momento.
Sua bibliografia compreende" Apontamentos de Leitura", "A lâmpada e o passado", "A cruz e o martelo", "Nem iogue nem comissário"- este dedicado à memória de Graciliano Ramos, este e aqueles admiráveis repositórios de estudos críticos de leitura e psicologia. Temos ainda "Direito e Sociologia", "Norma Jurídica e Fator Econômico", "São Paulo, Espírito, Povo, Instituições" (em colaboração com o Prof. Freitas Marcondes e cooperando alguns dos maiores vultos da inteligência deste País) - na verdade magnífico "retrato de São Paulo como civilização, cultura, povo, espírito e instituições".
Não, não vou incidir no pecado de pretender criticar o crítico. Valho-me, no entanto, de Cassiano Ricardo, no falar do excepcional mestre da crítica, que foi Osmar Pimentel. O poeta - e que Grão Senhor da Poesia era Cassiano! - quis dar testemunho do que era sua crítica e assinalou ter nele próprio, Cassiano, as marcas do que ela é": "Fui investigado em minhas intenções mais ocultas por vossa análise espectral e formal, esta última na concepção de "Jeremias sem chorar". É que vossa crítica não se limitou ao exame exterior do poema; entrou no seu contexto e chegou às regiões adormecidas do meu mundo interior - como fizestes ainda no "Soneto da ausente".
Na última vez em que o vi, foi na companhia dos meus muito queridos Pedro e Lúcia Ferraz do Amaral. Sim, fomos à casa da Rua Alberto de Oliveira - a pedir-lhe o voto... Recebeu-nos em sua poltrona de enfermo - com a amabilidade de sempre. Atendeu de pronto ao pedido - até brincou que eu devia já estar aqui...
Depois... Naquele 16 de novembro de 1989, vim encontrar-me com ele, aqui no átrio da Academia. Tinha-se ido - como um justo e um bom, a sua bondade a refletir-se no rosto sereno, as pálpebras cerradas para ver melhor a luz que não se apaga.

Senhor Presidente
Senhores Acadêmicos
Minhas Senhoras
Meus Senhores
Meus Amigos

Procurei bem cumprir o dispositivo regimental desta Augusta Academia e dizer, nas minhas apoucadas palavras, dos meus eminentíssimos antecessores, na Cadeira que aqui vou ocupar. Ninguém veja naquele apoucadas senão a sinceridade de quem sabe não pode dizer bem de um Osmar Pimentel, de um Paulito Nogueira, de um José Carlos de Macedo Soares, de um Alcântara Machado, de um Brasílio
Machado, do patrono Machado de Oliveira.
Não há aí qualquer sombra de modéstia - que sempre fugi à modéstia É porque vi e vejo, na modéstia, uma espécie sutil de cabotinismo, ou uma forma de timidez. Sim, não desconheço que sou um tímido e, por isso mesmo, faço tudo para não parecê-lo tenho até a ousadia do tímido. Sobre cabotinismo... Detestei- o sempre - como detestei e detesto o que é modesto, ou se finge de modesto, para que os outros lhe gabem essa... "modéstia".
Bem verdade, no entanto, é que me senti algum tanto assustado. Sim, Senhor Presidente, Senhores Acadêmicos, Minhas Senhoras e Meus Senhores, Meus Amigos, não estou exagerando. Nem é só algum tanto, não: senti-me totalmente assustado - logo após minha eleição, assim que dei acordo de mim. Justifica-se à plenitude: o repórter que principalmente sempre fui e continuo sendo, o menino de Taubaté que chegou a São Paulo aos treze anos, com uma velha mala de roupas velhas e uma vontade imensa de trabalhar e estudar, trabalhar para estudar... Esse menino, esse repórter - vai poder ocupar esta Cadeira, vai poder suceder a homens do maior porte de São Paulo, das letras de São Paulo, da vida de São Paulo?!
"Desde a medula da alma", para usar palavras de Osmar - fiquei inteiramente assustado. Confortou-me, no entanto, que foram Vossas Excelências, Senhores Acadêmicos, que me elegeram, que me deram a honra de seus votos, que assim me acharam e me disseram capaz da empreitada. Vossas Excelências o fizeram, por votação sobremaneira expressiva - votação das mais altas em votos dos mais altos. São Vossas Excelências julgadores experimentados, grandes Juízes - e jamais a mim me competiria o desprimor de não curvar-me ao seu veredicto. Devo aceitar, muito prazerosamente aliás, todo em festas, esse tão honroso julgado.
Sim, é todo em festas, é numa imensa e indizível alegria, que entro hoje nesta Augusta Academia - a Grande Academia de São Paulo, a muito justamente prestigiosíssima Casa das Letras desta nossa Terra. E, não tenho dúvidas em confessá-lo, vejo assim realizar-se um velho sonho - sonho de muitos e muitos idos, de desde quando comecei a escrever, faz anos, muitos anos ...
Aconteceu no nosso Vale do Paraíba, Senhor Presidente Acadêmico Doutor Péricles Eugênio da Silva Ramos, num velho domingo de 1925... Deixem-me que eu lá me vá nas asas da saudade - num corridão até Taubaté, que me viu menino e me viu rapaz. Quase nem me reconheço no meninão ainda na adolescência, desajeitado nas primeiras calças compridas.
Sinto-me numa hesitação, já passei mais de uma vez pela calçada... Entro, afinal, meio num supetão. Chego à mesa do Diretor - o querido Cesídio Ambrogi, os olhos claros e bons sorrindo junto com o sorriso que se lhe dependura nos lábios. Tartamudeio alguma coisa, passo-lhe uns originais. Cesídio toma-os nas mãos, começa a lê-los ...
Quem era Cesídio? Um poeta, poeta de verdade, dos maiores da nossa Taubaté. Foi daqueles lançados por Monteiro Lobato, quando da sua Gráfico- Editora, responsável pela descoberta de toda uma série de valores de nossas letras, de nossa imprensa, de nossa poética. Suas "Moreninhas" foram um sucesso, porque poesia mesmo e da melhor. Depois tivemos seus "Poemas Vermelhos", um clamor pela Justiça Social; outrossim, os tempos em que ganhava o primeiro lugar, em tudo quanto era concurso de trovas, Brasil em fora...
Ainda hoje, não sei de palavras, para dizer o que senti, quando vi em letras de forma aquele meu "Funeral de um sonho", conto nuns jeitos folhetinescos... A mim, pai corujíssimo, pareceu-me a corujinha mais bonita até então gerada - e não só minha, mas do mundo inteiro... E ficou uma lindeza, uma inesquecível galantesa - aquele domingo taubateano, o sol feito nabado endoidecido, esbanjando ouro por boa parte, desde os longes da Mantiqueira...
Pois foi então, que comecei a sonhar... Sim, começou naquele domingo - o sonho que vejo realizar-se hoje, agora e aqui: eu Acadêmico, nesta Augusta Academia que, como disse o nosso Odilon da Costa Manso, com toda a sua autoridade de grande Juiz e grande Acadêmico, não pede meças a nenhuma outra Academia deste País.
Ainda não lhes falei... E não posso deixar de fazê-lo. Não sei bem se acertei, nem sei bem se errei. Pensei em dizê-lo de começo, entre aqueles meus agradecimentos... Alguma coisa - nem sei bem o que - empurrou-me para o fim. Sim, é mais um agradecimento, mais um enternecido muito obrigado. São três - a três velhinhos que sei aqui, a quem vejo com os olhos do pensamento e da saudade.
Meu Pai, o Professor Pio Telles Peixoto, minha Mãe, Dona Maria da Paixão Silveira Peixoto, o Professor Luiz Silveira. Não, Luiz Silveira não foi um tio, nem mesmo foi um segundo Pai, sim foi outro Pai que Deus me deu e a quem, por isso, desde menino chamei de Papai Luiz, qual me ensinaram meus Pais - boníssimo Luiz Silveira quão boníssimo foi o meu Professor Pio.
Pelo que fizeram - e não só por mim e sim igualmente pelos outros - devem estar aos pés daquele Pai do Céu, que fielmente seguiram e muito honraram. Vieram de lá - e eu os sinto, aqui e agora, e eu os vejo, e eu os percebo - não velhinhos, sim remoçados e sorridentes, participando da muita alegria que é minha, é deles, é de todos os meus, é dos que, com seus votos, me puseram nestas altezas, é de todos os bons amigos que tenho a imensa felicidade de possuir - muitos deles aqui, neste instante, grande instante de minha vida.




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