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O AMOR É O SILÊNCIO QUE DIZ DELICADEZAS
Acadêmico: Gabriel Chalita
 O amor é uma suspensão do tempo. O amor é a eternidade no instante do tempo. O amor é o desligamento dos narcisismos. O amor é o silêncio que diz delicadezas. 

O amor é o silêncio que diz delicadezas

A visita não demorou muito. Ela estava cansada e ele, também. Ela, do dia das exaustões do que não se quer saber. Ele, de tentar trazer a ela um oráculo de esperanças. 

Na visita, alguma conversa. Um chá com hortelã colhido do quintal. Xícaras do tempo do casamento. Falaram sobre o tempo. Quase setenta anos de amor.  Falaram do amor. 

Falei do amor. O amor é uma suspensão do tempo. O amor é a eternidade no instante do tempo. O amor é o desligamento dos narcisismos. O amor é o silêncio que diz delicadezas. 

Enquanto ela falava da fala do médico, ele olhava. Seus olhos eram todos dela. Eu interrompia, vez ou outra, para alguma pergunta. Ela dizia do difícil do vencer a doença. 

Eu olhava para os dois e pensava no amor vencendo a pior das doenças, o egoísmo.  O amor como esperança de que o tempo das informações exigentes se canse e que o cansaço nos devolva ao tempo das contemplações.

Pergunto do casamento. Ele ri e diz que eu sempre gosto de ouvir a mesma história. É uma história bonita a deles. É uma história bonita a vida de qualquer um de nós que se entrega ao amor.

Ela havia decidido ser freira. Ele era irmão de um padre. Quando se viram, ela teve dúvidas. Ele, não. Ele conta que convenceu o irmão a convencê-la de que poderia servir a Deus estando com ele. Ela conta do quando o padre a influenciou e ri se esquecendo da doença. Ele se levanta e beija o seu sorriso. Ela diz que ele continua romântico. E pede que tragam uma caixa com seus mais recentes bilhetes de amor. 

Ela abre alguns, aleatoriamente, e começa a ler. Ele cora e chora em um que diz sobre o impossível prosseguimento sem ela. Ela não chora. Sorri, agradecida de ter uma vida inteira de amor. 

Devotos das entregas são os dois. Compreenderam, desde os inícios, que para amar é preciso morrer. É preciso morrer a morte do individualismo para fazer nascer o olhar que vê além. 

Ele diz de um medicamento novo. Ela diz que ele não quer concluir o tempo do existir. Que ela sabe que prosseguirá existindo nele. E que sabe, também, que saberá esperar para que se encontrem onde nenhum desencontro encontra morada. Ele diz que também acredita no que não termina. Mas que o que termina ainda não está no tempo do terminar.

Ela pede que ele toque uma música ao piano. Ele se levanta e, prontamente, faz música naquele entardecer de inverno. 

Penso na minha idade. Penso na idade dos dois, nonagenários. Penso nos ontens desafiadores para que a teia do amor não se rompesse. Penso nos agasalhos que proporcionaram um ao outro em tantos invernos da vida. Penso nas xícaras de chá e nas outras que poetizaram momentos em que leram poemas e fizeram amor. 

Não sei o tempo de vida que ainda têm. Sei que tempo nenhum foi capaz de ventar um amor tão bonito. Não falo de perfeições. Certamente, tropeçaram. Certamente, machucaram e sangraram. Mas, ao aprenderem que o amor é o silêncio que diz delicadezas, permaneceram.

Publicado em O Dia, em 15 06 2025



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