Compartilhe
Tamanho da fonte


A NOVA ESCRAVIDÃO
Acadêmico: José Renato Nalini
Em qualquer espaço que congrega pessoas, o espetáculo é o mesmo: todas estão consultando seus celulares.

A nova escravidão

Uma nova forma de subjugar pessoas e mantê-las sob permanente dependência é aquela à qual nos entregamos prazerosamente: o uso da internet. Quem não se preocupa com a manipulação dos algoritmos, que nos mantêm entretidos todas as horas que subtraímos ao sono, deve ler o livro "Foco roubado", do escritor escocês Johann Hari, publicado pela editora Vestígio.

A aceleração do mundo reduz o nosso espectro de atenção. E esse fenômeno resvala para a sobrevivência da própria democracia. Uma população incapaz de sustentar a atenção perde a capacidade de identificar seus problemas reais, propor soluções e cobrar seus líderes. Torna-se alvo fácil do populismo, entrega-se a soluções autoritárias e simplistas.

Sem querer, somos vítimas crônicas de todas as armadilhas que nos roubam a capacidade de concentração. Acostumamo-nos a mensagens divertidas, muito sintéticas. Economizamos tempo servindo-nos de emojis, já não escrevemos muito. Evitamos leituras demoradas. O uso do celular se impôs e as crianças tiranas de hoje exigem de pais complacentes, seu próprio aparelho a partir dos três anos.

Em qualquer espaço que congrega pessoas, o espetáculo é o mesmo: todas estão consultando seus celulares.

O lado bom é que idosos que não recebiam a visita de filhos e netos, hoje podem conversar com eles olhando nos olhos... da telinha! Economiza-se tempo, é verdade. Mas gostamos de ser enganados. Quem não acreditou na venda de lençóis de linho egípcio por um décimo do preço? E que panelas francesas de qualidade estavam sendo vendidas abaixo do custo, por cifra meramente simbólica?

O lado ruim é que as redes sociais disseminam conteúdo irado, que é muito mais consumido e compartilhado do que as coisas boas. As empresas que manipulam as redes se apoderam de nossos gostos, nossas preferências, sabem melhor do que nós o que nos guia e aquilo que nos convence. Dominam as técnicas de persuasão e nos engaiolam em seus interesses consumerísticos.

Mergulhamos na chamada cultura patogênica de atenção. Já não temos foco. Somos chamados a cada instante para a nova mensagem. Não basta silenciar o interlocutor digital. Os aparelhos mostram com sinais luminosos de que há novas mensagens à espera de leitura.

A avalanche de informações impede a concentração naquilo que se deve fazer. A interrupção para a leitura da nova mensagem não leva apenas cinco segundos. Interrompe aquilo que estava sendo feito e o cérebro vai levar um tempo maior para encontrar o ponto de atenção em que se encontrava.

O fenômeno do dreno de criatividade também ocorre. Nossa consciência aturdida e sobrecarregada já não encontra espaço para a memória, para a reminiscência, para acalentar lembranças antigas. Tudo se submete ao ritmo frenético da virtualidade.

A excessiva utilização de celulares favoreceu o surgimento de outra indústria: o furto e o roubo de celulares. Ocorrem cerca de vinte por minuto só na capital paulista. Milhares de aparelhos têm seus chips retirados e depois são encaminhados para países ainda mais pobres, geralmente na África.

Para quem tiver esperança de se livrar dessa nova dependência, é só limitar o uso do celular, estabelecer horários para checagem de mensagens, desliga-lo antes de dormir, desabilitar notificações. Tenho um amigo que pretende criar um grupo: "Odeio grupos". Não sei se funcionará.

Enquanto isso, continuamos escravizados e, muita vez, até com prazer.

Publicado no Jornal de Jundiaí, em 14 09 2023



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.