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O CUSTO DO HEROÍSMO
Acadêmico: José Renato Nalini
Não se luta pela justiça e pela liberdade impunemente. O heroísmo paga seu preço e este é muito alto.

O custo do heroísmo

Ele nasceu em Petrópolis, a 20 de setembro de 1896, terceiro filho de Luis Gomes. O lar era digno, mas pobre. A mãe repetia que só o estudo o faria ascender. Foi excelente aluno. Terminado o curso secundário, em 1912, dispôs-se a ingressar no Exército. Embora aprovado nos exames, tinha apenas dezesseis anos. Prestou novamente pela segunda e pela terceira vez. A obstinação venceu. A Escola Militar do Realengo o atraía.

O cadete Eduardo Gomes foi um dos líderes de sua geração, integrada também por Siqueira Campos, Luís Carlos Prestes, Juarez Távora e Cordeiro de Faria. No ano de 1922, a inquietação era geral. O mundo se transformava, abalado pela Grande Guerra de 1914-1918. No Brasil, a intolerância estava na ordem do dia.

O Presidente Epitácio Pessoa parece ter errado na intervenção em Pernambuco. O Marechal Hermes da Fonseca presidia o Clube Militar e telegrafou ao comandante da guarnição militar, concitando-o a não colocar o exército na odiosa posição de algoz do povo de Pernambuco. O Presidente da República repreendeu Hermes e fechou por seis meses o Clube Militar.

Foi o que gerou a revolta da mocidade fardada. O tenente Eduardo Gomes apresenta-se em 4.7.1922 ao capitão Euclydes Hermes da Fonseca, comandante do Forte de Copacabana. Vinha para a revolução. À uma da madrugada de 5 de julho, os canhões do Forte de Copacabana atiram contra a ilha de Cotunduba. A artilharia bombardeou vários objetivos militares.

Recusam-se os revoltosos a se render e a fortaleza de Santa Cruz alveja o Forte. Mas a desproporção de forças era vistosa. No dia 6, o capitão Euclydes transmite aos comandados a informação de que o governo vencera. Ali restavam vinte e oito rebeldes. Passando o comando a Siqueira Campos, o capitão Euclydes vai ao Catete, discutir a rendição. Lá é preso.

Os vinte e sete defensores do Forte de Copacabana recusam-se a se renderem. Siqueira Campos sugere a destruição do forte, com a explosão do paiol de pólvora, morrendo a guarnição em seus postos. Ninguém aceita.

Eduardo Gomes propõe que saiam do Forte e ofereçam combate às forças do governo em plena rua, num corpo a corpo. Aceitam com entusiasmo. Siqueira Campos divide a bandeira do Forte em 28 pedaços, um para cada companheiro e guardando uma para o capitão Euclydes.

Novamente se afirma que a jornada é livre. Dez desistem. Os dezesseis partem pela Avenida Atlântica. Encontram um civil, Otávio Correa. Ao saber do movimento, adere ao grupo.

Nas imediações da atual rua Siqueira Campos, trava-se a absurda batalha. São dezoito contra quatro mil. Treze mortos. Entre os gravemente feridos, Siqueira Campos, Eduardo Gomes e Newton Prado.

Os dezoito do Forte converteram-se em lenda. Eduardo Gomes teve fratura exposta do fêmur esquerdo. Longa recuperação. Mas a solidariedade cresce. Solicitado por uma amiga a deixar mensagem num álbum, escreve: “Companheiros da jornada de 6 de julho que, na praia de Copacabana, lutando pela justiça, cerrastes para sempre os olhos à luz do dia! Companheiros cujo sangue eu não choro porque foi derramado pela honra de nossa Classe, de tão belas tradições, e pela autonomia de Pernambuco, terra que é mãe e túmulo de tantos mártires da nossa Independência! Companheiros que felizes entrastes na Eternidade, porque na terra tínheis sofrido pela Justiça! A morte para vós não foi uma desgraça. E para nós, a lembrança do vosso esforço generoso é um raio de retidão que para sempre iluminará a estrada de nossa vida, e que...quem sabe? mostrará, ainda, ao Exército transviado, que é o de hoje, o caminho da honra e do civismo”.

Não se luta pela justiça e pela liberdade impunemente. O heroísmo paga seu preço e este é muito alto. Se a revolução fora vitoriosa, ele seria coberto de glórias. E teria a solicitude dos áulicos de sempre.

Todavia, Eduardo Gomes foi processado. Às vésperas de sua prisão, opta pela vida errante de proscrito. Segue para Mato Grosso e se identifica como Eugênio Guimarães. “Desertor do Exército e foragido da Justiça”, nos documentos oficiais, participou da Revolução de 1924. Por pouco não morre. Depois é preso, levado para a Ilha de Trindade. Com a mudança de governo, em 1926, tem hiato de liberdade, mas foge novamente, agora com o pseudônimo Edmundo Goulart. Constrói um ramal de estrada de ferro na linha Campos-Cardoso Moreira. Em fins de 1929, apresenta-se às autoridades para cumprir o que lhe resta de pena: dois anos. Recobra a patente e as promoções. Disputa a presidência do Brasil. Mas isto já é uma outra história.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 08 09 2023



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