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DA BOCA PARA FORA
Acadêmico: José Renato Nalini
Uma avaliação assinada por várias pessoas mostra que existem fortes razões para se temer pelo futuro da natureza tupiniquim.

Da boca para fora

A angústia dos bons brasileiros que viram a promissora potência verde se converter em "Pária Ambiental", para orgulho de alguns energúmenos, teve lampejos de esperança quando Marina Silva retornou ao Ministério do Meio Ambiente. Ela tem uma história que a credencia a ser, como realmente é, uma personalidade brasileira de prestígio e merecedora de respeito universal.

Só que todos viram como foi a sua outra participação no governo. Desautorizada, saiu premida pela pressão dos "desenvolvimentistas" que só enxergam dinheiro e são ególatras imediatistas, pouco interessados nas futuras gerações.

Esse temor não desaparece, mas é algo que aflige os mais sensíveis. A ambiguidade do Executivo, sua necessidade de cooptar o conservadorismo radical que se instalou no Parlamento, as indefinições e o obscurantismo que cercam o Planalto fornecem boas razões para que a apreensão se torne mais intensa e angustiante.

Uma avaliação assinada por várias pessoas mostra que existem fortes razões para se temer pelo futuro da natureza tupiniquim. O artigo "O trágico desmanche ambiental" (FSP, 31.5.23) é um libelo contundente. Parte da constatação de que água, essencial para a vida, está se escasseando muito rapidamente. O processo de desertificação é universal.

Enquanto o mundo todo se preocupa com isso, o Parlamento brasileiro atua contra a ANA - Agência Nacional de Águas, retirando-a do rol de competências do Ministério do Meio Ambiente.

Somente a ignorância, de braços dados com a ganância, é capaz de ignorar a "profunda relação entre o meio ambiente e a disponibilização, conservação e manutenção da qualidade da água, desde os ecossistemas aquáticos à preservação das matas ciliares, da imensa biodiversidade aquática ao uso racional e sustentável de suas reservas".

Não satisfeitos com a retirada da ANA do Ministério do Meio Ambiente, os parlamentares ainda atingem o CAR - Cadastro Ambiental Rural, que foi concebido para o monitoramento das áreas de reserva legal e de preservação permanente das glebas que ainda resistiram à criminalidade organizada e não foram primeiro transformadas em pasto, para depois se converterem nos desertos que, lamentavelmente, se ampliam em nossa Pátria.

Os índios também não foram esquecidos, vítimas preferenciais de políticas cruéis que perduram há mais de quinhentos anos. A demarcação de suas terras foi subtraída ao Ministério dos Povos Indígenas para o Ministério da Justiça. Sabe-se que nesses territórios a mata não pereceu. A educação indígena é muito superior à do branco extrativista, que se serve da natureza como um supermercado gratuito, do qual tudo se retira, mas nada se devolve.

Será que o ogronegócio - a parte do agro que se comporta como inimiga do ambiente, em lugar de ser aliado seu, se sobrepõe em importância ao valioso, estupendo e ignorado patrimônio que é nossa cobertura vegetal? Será que o Parlamento não toma conhecimento de que nossa floresta em pé vale sete vezes mais do que a madeira que dela se retira de forma tão inclemente e primitiva?

Enquanto o mundo civilizado procura alternativas salvíficas da natureza, o Brasil deixa de observar o artigo 225 da Constituição da República, à época saudado como o mais belo dispositivo ecológico produzido no século 20. Há uma responsabilidade dos viventes em relação aos que ainda não nasceram. É de se considerar surreal a conduta do atual Congresso, quando aquele que em 1987 era também constituinte, demonstrou tanto apreço pela ecologia.

Retrocessos como esses, além do estímulo à disseminação do veículo mais egoísta e poluente do globo, o automóvel, fazem pensar que o discurso pró-natureza foi algo desvinculado das reais intenções do governo. Algo para convencer a comunidade internacional de que o Brasil retomaria a boa trilha de amigo do ambiente, com repúdio à pecha de "Pária Ambiental", para reparar o mal anteriormente por ele mesmo causado à notável Marina Silva. Haverá outra explicação para esta situação? As proclamações ecológicas foram proferidas "da boca para fora", como diz a sabedoria popular?


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 27 06 2023



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