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SEM DESESPERO, MAS COM OUSADIA
Acadêmico: José Renato Nalini
A pandemia tem de fazer o Brasil ter juízo. Atributo que não se mostra excessivo, nem sequer suficiente, o que resta claro na conduta das esferas de onde precisaria provir.

A pandemia tem de fazer o Brasil ter juízo. Atributo que não se mostra excessivo, nem sequer suficiente, o que resta claro na conduta das esferas de onde precisaria provir. Juízo e sensatez imprescindíveis para orientar uma população angustiada, entre perplexa e cética. Sem saber no que e em quem acreditar.

País de contrastes, convive com a realidade inclemente de treze milhões de desempregados, outros tantos milhões a exercer aleatória atividade informal, o terceiro maior contingente carcerário do planeta e uma educação que insiste em priorizar a memória, em lugar da criatividade.

Só que é o Brasil dos mais de 265 milhões de mobiles, para número bem inferior de habitantes. Sintoma de que não é raro que alguém possua vários desses equipamentos eletrônicos para a comunicação instantânea com interlocutores locais e de todo o mundo. Mas também permanentemente conectados com uma intensa rede comunicacional que veicula verdades, meias verdades e inverdades.

O que pode parecer perigoso, pode também significar alternativas.

Intensificou-se o uso da internet desde que as autoridades tomaram tento e adotaram providências acauteladoras da explosão de contágio. É o momento de todas as redes se ocuparem de substituir a provisória interrupção de aulas, de eventos culturais e artísticos, viabilizando uma continuidade do aprendizado e do entretenimento.

Já existe uma evidente dependência de todos os seres humanos ao mundo virtual. Que ele ceda à tentação da veiculação de fake News e de humor chulo, para oferecer substância ao brasileiro que precisa crescer intelectualmente e em maturidade cívica.

O patrimônio humano capaz de elevar a qualidade do conteúdo das mídias é considerável. A criatividade brasileira tem condições de se valer do momento dramático para alavancar a produção de cultura. Isso aliviaria a tensão, amenizaria a sensação de medo que acomete a todos os providos de discernimento e acrescentaria valiosos graus à qualidade do nosso capital intelectual.

Mas não é só isso o que se espera de um Brasil que não suportaria outra decepção coletiva, agora sob ameaça de violenta depressão, causada pela paralisação de atividades que sequer retomaram o ritmo a que chegara há algumas décadas.

É o momento de ousar e de implementar tudo aquilo que poderia garantir o funcionamento de estruturas de serviço ainda atoladas na burocracia invencível, fruto de uma cultura resistente ao que já funciona em outras partes do mundo.

Na Estônia, apenas três atividades reclamam a presença física do cidadão: casamento, abertura de conta em banco e transferência dominial de bem imóvel. Outras quinhentas estão disponibilizadas pela internet. Inclusive atendimento à saúde, uso de transporte coletivo, até votar!

Aqui entra o grande desafio que o Brasil deveria encarar.

Temos tecnologia disponível para realizar eleições inteiramente virtuais. Nem pensar, em fase terrorista de contágio que tem vocação exponencial, utilizar da anacrônica logística de requisitar edifícios, recrutar trabalhadores “voluntários”, obrigar a concentração de milhões de pessoas, todas a carregar o seu título de eleitor. Fator manifesto de estímulo à contaminação geral.

Não é preciso adiar as eleições municipais. Basta virtualizá-las. Desde a propaganda eleitoral via web, até à coleta dos votos na verdade facultativos, pois basta justificar a não participação e se aferirá a vontade do único titular da soberania: o povo.

Inadmissível impedir de votar aquele que tem seu título numa determinada zona eleitoral e, no dia das eleições, encontra-se em outra. O dispêndio com as votações tradicionais é inconcebível num 2020 que permite operações bancárias, cirurgias, teleconferências com decisões que afetam a vida planetária e outras funcionalidades seguras e disponíveis.

Também não é necessária a procrastinação do Censo 2020 para 2021. Basta deixar o anacronismo da visita física de um recenseador a cada moradia brasileira para obter dados que a internet permite sem deslocamento e sem riscos. É colocar a inteligência a serviço da proteção dos seres humanos, em lugar de prestigiar práticas superadas.

Se o Brasil dispusesse de lideranças audazes, de estadistas que não hesitassem na busca de respostas compatíveis com a gravidade da situação, as respostas estão aí. Acessíveis e disponíveis. O único ingrediente a faltar é a coragem de quebrar paradigmas. Algo inexplicável, numa era em que o ruído perceptível é o da incessante quebra disruptiva em todos os espaços do convívio.

É o momento propício à adoção daquilo que pode garantir a normalidade possível, dentro do panorama catastrófico em que o mundo se viu imerso. A História tem exemplos emblemáticos de ousadias que alteraram o rumo civilizatório. Mas isso requer pessoas certas, nos cargos certos, nos momentos certos.

O tempo dirá se elas existiam ou o Brasil se conformou com o seu destino de chegar ao declínio, melancólico e trágico, sem ter conseguido atingir o seu ansiado ápice.

Publicado no Blog do Renato Nalini em 14/08/2020.



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