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A MORTE DE DOM PAULO E O TEMPO PARALISADO
Acadêmico: Ignácio de Loyola Brandão
"Um sacerdote que desafiou a ditadura, foi a voz da resistência, dos presos políticos, bateu de frente com generais, foi um líder do pobres. Um homem de Deus, homem dos homens, integro."

Súbito, o tempo parou, retrocedeu. Terça-feira passada, estávamos, Ruth Rocha, uma das melhores autoras de livros infantis do Brasil, e eu, falando para cerca de 30 alunos da Unil, Universidade do Livro da Fundação Editora Unesp. Tenho uma divida de gratidão para com a Unesp. Ao voltar de uma temporada na Alemanha, em 1983, morando em Araraquara, provisoriamente, na casa de meu pai, Jorge Nagle me cedeu uma sala da universidade (a do professor Carlão, em viagem naquele momento) para que eu passasse meses ali estruturando meu livro O Verde Violentou o Muro, e acertando os rumos do romance O Beijo Não Vem da Boca, projetos iniciados em Berlim.

Às oito da noite, esta semana, na Unil, ouvimos o sino da Catedral da Sé. Achamos à principio, que fosse o relógio, logo notamos que era o dobrar de uma cerimônia fúnebre e todos se lembraram que Dom Paulo Evaristo Arns tinha morrido naquele dia, aos 95 anos. Corremos para o terraço da Unil, que dá direto na praça e ainda conseguimos ver o caixão entrando na igreja. Sentimos que estávamos presenciando um daqueles momentos que pertencem à história: o final da vida de um dos homens mais corajosos do Brasil, um sacerdote que desafiou a ditadura, foi a voz da resistência, dos presos políticos, bateu de frente com generais, foi um líder do pobres. Um homem de Deus, homem dos homens, integro.

Diante daqueles jovens alunos, Ruth e eu, os mais velhos naquela sala, lembramos outro momento da história deste país. No dia 31 de outubro de 1975, Dom Paulo celebrou um culto ecumênico, ao lado do rabino Sobel, o líder da comunidade judaica e dezenas de sacerdotes e pastores de cultos diversos, em protesto contra o assassinato de Wladimir Herzog. Foi a primeira grande manifestação contra a ditadura militar no Brasil. A cidade parou, a PM fechou os acessos a Sé, mas as pessoas foram se infiltrando, de uma maneira ou outra, muitas se viram presas. As redações esvaziaram. Na minha cabeça eu tinha a figura frágil, olhar sempre irônico, do Vlado, o jornalista e o formado pela escola de Documentários de Fernando Birri, na Argentina, ao lado de Maurice Capovilla, que dirigiu um filme baseado em meu primeiro romance, Bebel.

Vlado, o marido de Clarice, era nossa companheira de redação na Ultima Hora . Foi uma missa, no final da tarde, de orações, choros e medo. Jamais esqueceremos o final, Dom Paulo pedindo com energia que todos se contivessem, saíssem devagar , muito devagar, um a um, calmos, sem aceitar, sem responder a provocações. Em frente a igreja, havia, segundo os jornais, 8 mil pessoas que não conseguiram entrar.

Eu estava casado há cinco anos e tinha dois filhos pequenos. Pensei: Em que país eles vão viver? Quando acabará tudo isso? Violência, mortes, ausência de liberdade, medo. As atrocidades terão fim? Agora, uma semana atrás, vendo o corpo de Dom Paulo entrar na Catedral, pensei de novo: Meus filhos estão adultos, tenho quatro netos. Pensei: Em que país eles vão viver” Quando acabará tudo isso? Corrupção, economia esfacelada, desempregos, Brasil dividido, cinismo, hipocrisia, instituições em briga, egoísmo, violência, medo. Classe política apodrecida, cheirando mal.



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