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RAZÕES PARA SER FELIZ
Acadêmico: Gabriel Chalita
"Quem entende o tempo? Seria melhor entender? Seria melhor se soubéssemos, hoje, o que aconteceria amanhã?"

Conversa um casal de amigos sobre os dissabores dos seus tempos. São amigos há algum tempo, ou melhor, há muito tempo. Conversam sobre as adversidades, sobre os intransigentes. Sobre os que perderam, ou nunca tiveram, a capacidade de compreender. Lamentam a secura dos dizeres. São econômicos alguns dos seus interlocutores, quando se trata de algum elogio. São fartos, os mesmos, se o assunto é algum maldizer. Falam ou teclam barbaridades sobre vidas alheias. Sem nenhuma necessidade. Pensam eles.

Viveram muito, os dois. Viram mudanças de estilo de vida e de companhias. Alguns amigos já partiram. Foram embora sem serem comunicados. É assim que é. A morte não envia cartas para que se preparem, para que façam as devidas despedidas. Mas seria melhor se fosse diferente? Se fôssemos comunicados com dias ou meses ou se soubéssemos, desde que tivéssemos a idade de algo saber, a data do fim de nossa permanência por aqui? Concordam os dois que o melhor é prosseguir, prosseguindo.

Voltam o assunto para outra direção. Riem de algumas lembranças. De esquisitices. De manias que, a poucos, revelaram. Tiveram receios de serem tachados de estranhos e segredaram esses traços. Entre os dois, entretanto, há luz suficiente para que se vejam como são. Os anos emprestaram essas intimidades. Gostam de remexer no baú de memórias onde moram sentimentos lindos que jamais deixaram de permanecer. Moram pessoas que, aparentemente ausentes, continuam. Não fazem isso como fuga. Nem tem a incorreção de comparar os tempos de hoje com os tempos de outros “hojes” - que outros chamam de ontem. Mas ontem era hoje. E se foram. Ou não. Quem entende o tempo? Seria melhor entender? Seria melhor se soubéssemos, hoje, o que aconteceria amanhã? Os amigos comungam a delícia das surpresas e o prazer de serem surpreendidos pelos enlaces não planejados. Amaram e foram amados. Choraram as despedidas. Recobraram os desejos. Despediram-se novamente e, novamente, viram surgir uma silhueta nova, um olhar que dizia, um toque que acordava.

Acordaram de muitos sonambulismos. Perplexidades com a crueldade alheia criaram feridas que foram cicatrizadas. Não se ocupam muito delas. Sabem que as razões para ser feliz são muitas, desde que não se remexa no não acontecido. Lamentações têm o seu tempo e o seu espaço. Já a felicidade é uma brisa sem a qual não se poetiza a caminhada. E, sem poesia, eles não estariam ali. Conversando. Rindo. Apalpando momentos e planejando amanhãs. São quase centenários. Vivem em uma casa com outros que ali optaram estar ou por ali foram deixados por familiares sem tempo. Fazem planos para uma festa em que comemorarão alguma data. Esquecem-se de coisas próximas e se lembram das que se foram há muito tempo. E gostam de falar sobre elas.

Vez ou outra recebem visitas inesperadas. E se satisfazem com elas. Aproveitam para falar. Para contar histórias vividas ou romanceadas. Quando inventam algo mais picante, riem por dentro e, depois, gargalham sem testemunhas quando a visita se vai. Divertem-se por serem tão convincentes.

Creem em Deus e, por isso, rezam. Lembram-se dos que se foram e pedem uma partida serena. Sem solavancos. Sem dores exageradas. O bom seria se fossem em um dia ensolarado, não muito quente. Se pudessem viver o amanhecer do lado de lá, na claridade que o Amor preparou.

Mas não têm pressa de partir. Gostam de estar ali. E de compartilhar tantos instantes. Em um silêncio qualquer, respiram de prazer. De viver.



Por: Gabriel Chalita (fonte: O Dia e Diário de S. Paulo) | Data: 18/09/2016



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