MEMÓRIA
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ALCÂNTARA MACHADO
Acadêmico: Academia
TENDO COMO GUIA o livro de atas de Ulisses Paranhos, será fácil acompanhar os primeiros passos da Academia renascida, depois de reagrupados os seus membros e de eleita a nova diretoria. Foram dois anos de trabalho fecundo e de sincero entusiasmo dos titulares, muito embora ainda se ressentisse a associação do seu defeito original, por falta de sede própria e de secretaria devidamente organizada para a guarda e conservação de documentos. Como no início da reforma, reuniam-se com mais freqüência os acadêmicos no salão nobre do Conservatório. Pouco depois, e por muito tempo ainda, passaram a encontrar-se no salão de inverno da Casa Mappin, reservado para esse fim pelos proprietários, um dia de cada mês, e então rebatizado como sede oficial da Academia. Pitorescos são os dizeres do fecho e da abertura das atas desse período, adaptados, aliás, às novas circunstâncias nalguma convocação extraordinária: "Aos cinco dias do mês de setembro de 1936, no salão de inverno da Casa Mappin..." "Dada e passada na secretaria da Academia Paulista de Letras, por mim, secretário..." Anos afora, nesses almoços mensais a Academia homenageou visitantes ilustres daqui e de além-mar, de passagem por São Paulo.

Surpreendentemente, com á lavratura da última ata daquele livro prenhe de informações, afundou a Academia num dos buracos do Tempo, onde soem desaparecer tantos episódios com sólidas amarras no seu meio, e que prometiam vida longa, sem deixar o menor vestígio do que se passara nesse período sobre a face da terra. Causa estranheza que, por falta de um novo livro, deixasse a Academia de fixar em documento próprio a marcha dos trabalhos, sempre que se reunissem os acadêmicos no local de costume. Ou tratar-se-á de simples coincidência, por haver de súbito arrefecido o entusiasmo que a todos animava, no instante preciso em que o secretário chegava ao fim da última página do seu livro?

O certo é que os livros de atas devidamente legalizados e hoje constantes do arquivo da Academia, só reaparecem em 1938, com a entrada em cena do acadêmico René Thiollier, que, na qualidade de Secretário-Geral, chamou a si a direção desses trabalhos. Nesse longo interregno emudeceu para nós a Academia, conquanto remanescessem vestígios dos esforços do presidente Alcântara Machado para conservá-la de pé, naquela luta permanente contra a indiferença do meio e dificuldades materiais. Todavia, salvaram-se alguns documentos desgarrados e que posteriormente foram incorporados à coleção, algumas atas dactilografadas em folhas avulsas e mais tarde reunidas em livro, sendo oito do ano de 1936, e quatro do ano subseqüente. É a essa coleção que se refere René Thiollier em nota da sobrecapa de seu primeiro livro de atas.

A primeira surpresa para quem folhear esse livro fora de série é o número elevado de escritores recebidos nesta nova fase da história da Academia. É outra Academia, por assim dizer, tais e tantas foram as vagas verificadas; nesse em meio e as respectivas eleições para o seu preenchimento: Oliveira Ribeiro Neto, René Thiollier, Monsenhor Castro Nery, Francisco Pati, Roberto Símonsen, Navarro de Andrade, Soares de Mello, Manuel Carlos e Leo Vaz. Nem deixemos no tinteiro os nomes já consagrados de Valdomiro Silveira, Mário de Andrade e Nuto SantAna, bem como o de Cândido Mota Filho, quase no ponto de escapar-nos. Talvez a lista ainda não esteja completa; mas, a pressa, com o vezo de tudo fazer de afogadilho, não nos enseja o vagar necessário para colher melhores informações.

Cada nome novo subentende uma vaga no quadro social, por morte do seu antecessor, e também por aposentadoria, em três casos, no máximo, em todo esse longo desfile de acadêmicos. Sem nos determos nessa particularidade, assinalemos apenas, na primeira ata desse livro fora de série, o comparecimento de dois acadêmicos eleitos por último, para as vagas, respectivamente, de Pedro de Toledo e Veiga Miranda. Nessa mesma sessão, o Senhor Presidente — e agora fala o redator daquele documento — "designou Spencer Vampré para proferir o discurso de praxe, na recepção de Monteiro Lobato, avocando para si a incumbência de saudar o acadêmico Plínio Airosa".

O zelo no cumprimento desse postulado da Carta Magna da Academia, de serem empossados dentro do prazo estatutário os novos acadêmicos, foi a constante da presidência Alcântara Machado. Todavia, nem sempre era possível dar cumprimento a esse item do Regulamento, ou por dificuldades ocasionais ou por questão de temperamento em cada caso particular, por se assustarem os espíritos mais tímidos com o aparato da solenidade em salões nobres ou no teatro. Talvez por isso, muitas posses foram realizadas sem nenhuma cerimônia no escritório de Alcântara Machado, à rua de Libero Badaró, medida democrática que visava a enfraquecer as evasivas dos acadêmicos timoratos ou atacados de agorafobia, de que todos presumiam padecer. Pelo menos, assim se apresentavam aos acadêmicos mais antigos.

O certo é que muitos deixavam de desobrigar-se desse compromisso tácito, sem, com isso, absterem-se de freqüentar as sessões ordinárias e de se comportarem em tudo o mais como acadêmicos de verdade. Pois, já não estavam eleitos? Não houve insistência, por parte dos acadêmicos antigos, para se candidatarem, com as mais sinceras mostras de camaradagem? Em cada caso particular, a obrigatoriedade do discurso e das ovações no teatro afigurava-se formalidade perfeitamente dispensável. E tanto mais, que o titular agora interpelado dispunha-se a sanar aquela infração perfeitamente desculpável com a publicação, na Revista, de um estudo consciencioso sobre a vida e a obra do seu antecessor. Qualquer recepção "num almoço do Mappin" ou no escritório do presidente e que consistiria numa simples troca de discursos, não amedrontava ninguém; mas, é difícil imaginarmos o poeta Cleómenes Campos, de gênio retraído, como figura principal de uma "sessão solene" no Teatro Municipal, com a presença das autoridades civis, militares e religiosas, e ao som do Hino Nacional executado pela banda da Polícia do Estado. Além de flores e bandeirolas. Por duas vezes, no período das duas mais longas presidências — Alcântara Machado - Altino Arantes — passou de uma dezena o número desses acadêmicos incompletos, que ainda não podiam votar, porém votavam à revelia das disposições regulamentares.

O grande merecimento de René Thiollier em toda essa questão, consistiu em se ter batido com desassombro para acabar com tais abusos. Exagerou, por vezes, nas medidas propostas, mas contribuiu essencialmente para a solução dessa pendência que chegou a pôr em risco a própria existência da Academia. Não media conseqüências com o que pudesse acontecer-lhe, até que na última crise e a mais prolongada, nas vésperas, quase, da inauguração da sede própria da Academia, quando havia onze acadêmicos eleitos porém não empossados, que teimavam em aumentar acinte o número dos eleitores ilegais, rompeu René Thiollier definitivamente com a instituição que tanto devia à sua dedicação e ao seu esforço, e recolheu-se à vida particular.

Mas, não precipitemos os acontecimentos. Essas crises periódicas decorriam do zelo dos presidentes, junto dos acadêmicos eleitos, para que completassem o ritual da posse com a formalidade dos discursos de recepção. O denominado caso do Embaixador Macedo Soares, que iria terminar com a sua exclusão da Academia e que deu origem a tantos comentários, iniciou-se antes da entrada de René Thiollier para a Academia, ou melhor e ao pé da letra: no dia exato da sua eleição para a vaga da Cadeira n° 12, por morte do acadêmico Alberto Seabra.

Por um feliz acaso, entre outros papéis foi conservada a cópia da ata de uma sessão de setembro de 1934, convocada principalmente para marcar a data da posse de sete acadêmicos já eleitos e indicar os nomes dos titulares que deveriam recebê-los. Resolvida essa parte, passou-se à eleição anunciada na convocação. Conforme as expressões descuidadas do redator da ata: "Foi posta em votação o acadêmico para preencher a vaga do dr. Alberto Seabra, tendo sido eleito o dr. René Thiollier, distinto escritor de "Homem da Galeria" e de "Senhor Dom Torres", que obteve 21 votos. O dr. Pires do Rio obteve 2 votos".

Eram sete os acadêmicos faltosos, que deveriam ser recebidos na ordem indicada naquele documento. Para maior clareza, apresentemos em duas séries distintas os nomes dos recipiendários e os dos acadêmicos indicados para recebê-los. Escritores eleitos e ainda não empossados: Navarro de Andrade, José Carlos de Macedo Soares, Mota Filho, Paulo Setúbal, Oliveira Ribeiro Neto, Mário Graciotti e Padre Castro Nery. Designados para recebê-los, na mesma ordem: Lourenço Filho, Afonso de Taunay, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida, Valdomiro Silveira, Menotti Del Picchia, Plínio Salgado.

Para reforço dessa documentação, refiramo-nos à fotocópia de uma página do "Diário da Noite" desta capital, "de sábado, oito de setembro de 1934", em que se lê a notícia de uma entrevista concedida ao jornal por um dos escritores daquela relação, na véspera, quase, do seu ingresso frustrado para a Academia, e ilustrada com o retrato do entrevistado, e que principia da seguinte maneira:

"Terça-feira próxima, na rua Libero Badaró 10 vai realizar-se uma sessão da Academia Paulista de Letras para empossar seus novos imortais. — (Segue-se a relação de seis nomes, com exclusão do nome do acadêmico Mota Filho) — A solenidade terá início às 17 horas, devendo, então, os novos acadêmicos prestar compromisso de falarem sobre seus patronos em sessões públicas e em lugares previamente determinados pela Academia."

Depois dessas notícias, são mudos os arquivos da Academia, no que entende com a realização da solenidade anunciada. Mas, pelo que se depreende do segundo recorte, não se tratava, realmente, de solenidade de posse, mas apenas de convocação para dar a conhecer aos sete (ou seis) escritores eleitos os nomes dos acadêmicos que deveriam recebê-los, e para obrigá-los a proferir os seus discursos em local e data a combinar.

Somente dois anos depois é que se levanta o pano de boca do palco inexistente da Academia sem sede fixa, com um ofício do presidente Alcântara Machado, verdadeiro ultimato, endereçado nominalmente a cada um dos acadêmicos arrolados na sessão de 34, e em termos que não permitiam tergiversações: prazo de quinze dias para marcar o local e o dia da solenidade da sua posse solene, sem o que seria considerada vaga a Cadeira para que fora eleito e abertas inscrições para o seu preenchimento, em perfeita e inapelável conformidade com o parágrafo 29 do artigo 33 do Regimento Interno da Academia, que assim reza: "Esgotado o segundo prazo, a cadeira do eleito se considerará vaga, independente de qualquer voto da Academia, procedendo-se a nova eleição". Nesse longo intervalo, subentende-se que não foram poucos os convites e insistências por parte da Diretoria para demover os recalcitrantes daquele despropósito indesculpável.

Os bons efeitos dessa intimação não se fizeram esperar; de imediato, quatro daqueles acadêmicos compareceram à Secretaria, para assumir o compromisso exigido, tendo sido todos regularmente empossados pouco depois em suas Cadeiras. Dos demais, como documentação só consta em nosso arquivo a resposta do escritor Mário Graciotti, em papel timbrado, com data de 1° de abril de 1936, em termos a um tempo firmes e atenciosos:"... deponho nas mãos de v.s. o lugar para o qual fui eleito para a Academia Paulista de Letras, solicitando-lhe seja tornada sem efeito a respectiva eleição. Agradecendo as atenções, etc.".

Deixaram de responder à intimação: o Embaixador José Carlos de Macedo Soares, por encontrar-se fora do País; e Paulo Setúbal, já então atacado por doença pertinaz, de que viria a falecer pouco depois. As três Cadeiras desocupadas nessa ocasião foram logo preenchidas por outros escritores de São Paulo, regularmente eleitos e empossados.

Para completar a informação, cumpre-nos acrescentar que posteriormente a Academia prestou suas homenagens aos três acadêmicos então excluídos do seu grêmio, aclamando-os em novas eleições, quando se lhe ofereceu a oportunidade procurada: o Embaixador Macedo Soares, para a Cadeira n° 1, vaga com a morte do presidente Alcântara Machado, e Mário Graciotti, para suceder ao poeta Cleómenes Campos (Cadeira n° 37). Por motivos óbvios, a posição de Paulo Setúbal só poderia ser aquela: seu nome não foi excluído do quadro social, nem declarada vaga a Cadeira n° 10; após o seu, falecimento, viria a ocupar aquela Cadeira o poeta Gustavo Teixeira, que também não chegou a ser empossado; seguiu-se-lhe o escritor Afonso Schmidt. Foi essa, sempre, a praxe adotada pela Academia, nos casos de impedimento por morte dos acadêmicos não empossados: Washington Luís, Plínio Barreto, Amadeu de Queirós e mais algumas figuras exponenciais do nosso panteão literário. Para todos os efeitos, pertenceram ao quadro social da Academia, que se engrandece com o prestígio dos seus nomes. As respectivas Cadeiras só foram consideradas vagas depois da morte de cada um deles.





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