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DISCURSO DE RECEPÇÃO (ACADÊMICO FRANCISCO MARINS)
Acadêmico: Tatiana Belinky
Acolhemos, nesta oportunidade, uma personalidade de muitas “Artes” em sentido positivo e até “Arteirices” que precisamos justificar, por terem conteúdos precursores, em tarefas a que se propôs, algumas em desafios, face à sua condição de imigrante – a principal na conquista do nosso idioma para se tornar escritora, roteirista de teatro e TV, tradutora, adaptadora de autores clássicos, em tudo com grande relevo.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JOSÉ RENATO NALINI
PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
EXCELENTÍSSIMAS SENHORAS ACADÊMICAS E ACADÊMICOS
PROF. JOSÉ DE OLIVEIRA MESSINA
LYGIA FAGUNDES TELES DA A.B.L.
SENHORES MEMBROS DA MESA
SENHORES E SENHORAS

Estamos a iniciar uma sessão de posse, ato protocolar da maior importância na vida da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, pois representa a chegada à instituição, hoje centenária, de um novo membro, a Senhora TATIANA BELINKY, para ocupar a Cadeira de nº. 25 e, como acontece em momentos de nossas vidas e ou das atividades sociais, podem se conjugar, contraditoriamente, alegrias e saudades, pois, ao recepcionar-se novo titular, relembra-se a despedida de quem lhe proporcionou a vaga, dentre os 40 membros vitalícios desta Casa de Cultura.
Neste último ano, em que é centenária, a entidade publicou importantes livros e procedeu à reformas do prédio sede, participou de eventos e recebeu homenagens! Em destaques.
Agradecimentos ao Governador José Serra e a João Sayad da Secretaria da Cultura. Também, pelas homenagens por nós recebidas: Prefeitura de São Paulo, Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça Militar, Tribunal de Contas do Município, Assembléia Legislativa do Estado, Câmara Municipal de São Paulo, FIESP/CIESP, FECOMÉRCIO, IASP, USP E FADUSP, Rede Globo de Televisão, São Paulo Futebol Clube, Escritórios Paulo José da Costa JR., Pinheiro Neto e Amaral Gurgel, Academia dos Delegados de Polícia, Família Scavone, Desembargador Vicente Rossi.

PUBLICACÕES: 100 anos da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS; com ilustrações de Márcio Scavone e texto de Renato Nalini; O Mito das Academias – Coletânea de uma centena de testemunhos sobre "O significado de uma Academia de Letras no século XXI", coordenação também do Presidente e a Revista Euclidiana, com textos acadêmicos referentes à vida e obra do grande escritor de “Os Sertões”.
Em seminário do CIEE ontem, realizado sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa destacados também o papel da A.P.L. participante em Portugal e no Rio de Janeiro do Texto de 1990, que será a base da nova ortografia do mundo lusofônico.

Acolhemos, nesta oportunidade, uma personalidade de muitas “Artes” em sentido positivo e até “Arteirices” que precisamos justificar, por terem conteúdos precursores, em tarefas a que se propôs, algumas em desafios, face à sua condição de imigrante – a principal na conquista do nosso idioma para se tornar escritora, roteirista de teatro e TV, tradutora, adaptadora de autores clássicos, em tudo com grande relevo.

E havia de se consagrar com livros para a infância e juventude, adequados às faixas etárias, belos de conteúdo, capazes de divertir, instruir, promover, edificar escritos com amor, tal como ela gostaria de ter encontrado, quando, menina de dez anos, chegou ao Brasil no distante ano de 1929 e até tornar-se merecedora do Jabuti, o nosso mais importante prêmio literário!

O adeus sentido, a despedida, é desta vez ao saudoso educador Pedro Salomão Kassab, médico, jornalista, grande figura humana que, por caprichos do destino – eleito para nossa Academia, não chegou a tomar posse, fato por assim dizer inusitado em nosso arquivo de memórias. Entretanto, apesar do breve convívio, guardamos grata lembrança de sua lhaneza, cavalheirismo e amizade que permanecem, quando, em ocasionais reuniões culturais, privamos da companhia de seu ilustre filho – o Prefeito de São Paulo Gilberto Kassab.

É, estatutário, também, que se recorde, em reunião de posse, os nomes dos acadêmicos antecessores, na Cadeira 25, para marcar nossa reverência e conhecimento.
Citem-se: o jornalista e crítico Sérgio Milliet; o poeta e tradutor Péricles Eugênio da Silva Ramos também ex-presidente e o cientista Crodowaldo Pavan.

É tradição de São Paulo, o bom acolhimento aos irmãos de outras plagas, em todos os setores de atividades, inclusive aos vindos do exterior. Também, neste sentido, não discrepa a Academia, e se engrandece sempre com a presença, em seus quadros, de intelectuais de Estados da Federação e de outros países. Quanto a estes últimos, contemporaneamente contamos com o Professor, admirável tradutor, ex-Presidente e membro de várias de nossas diretorias Erwin Theodor Rosenthal, nascido na Alemanha e com a confreira Ada Pellegrini Grinover, escritora de “A menina e a guerra – memórias de infância”, jurista de projeção internacional, que provem da terra romana, berço castrense da língua portuguesa.

A recipendária desta noite nasceu em São Petersburgo. Foi menina “transplantada”, termo por ela inventado para um livro de memórias que conta sua trajetória: Rússia, Letônia, Rua Jaguaribe. Aqui em São Paulo, morou vizinha do Largo do Arouche, por muitos anos, como numa premunição de se tornar, de agora para frente, como acadêmica, assídua às reuniões em nosso edifício sede.

Tatiana está no Brasil há 81 anos e, assim, é mais brasileira do que a maioria dos que se encontram nesta sala. Casou-se com o jornalista Julio Gouveia e, em parceria, criou e adaptou histórias infantis, romances e biografias, para o teatro e, posteriormente, para a TV Tupi. Marcadamente, a primeira adaptação televisiva de O Sítio do Picapau Amarelo, com cerca de 350 capítulos. Foi esta, certamente, a mais destacada divulgação da obra, do então maior escritor de Literatura Infantil do país.

Em sequência produziu , para aquele público uma centena de títulos, de crescente aceite: Limeriques, Coral dos bichos, O grande rabanete e, Aquele de meu agrado, inspirado em um conto popular russo: “Quem parte e reparte”. Quando não fica com a melhor parte, ou é bobo ou não tem arte...

Outras e muitas coisas ainda deveriam ser ditas sobre a, novel acadêmica. Entretanto, em face de uma de suas “artices”, o Presidente teve que mudar sequência e formalidade desta reunião – na qual, tradicionalmente, quem chega lê um discurso. Mas a menina que veio do gelo, “arrepiou carreira” – não trouxe o escrito! Assim vai discursar livremente. E porque não? – Deite fala, pois que tem muito a dizer e nós a aprender. Não se esqueça, entretanto, de fatos já contados no livro da “transplantada” – aqueles de seu interesse pela leitura. Alfabetizada aos 4 anos, e porque ganhou o amor pelo circo; de seu presente de aniversário aos 9 anos visitando São Petersburgo e o famoso Museu Ermitage, com tantos objetos artísticos expostos que – se ficassem um minuto à frente de cada um, levaria 80 anos, portanto todos aqueles já vividos no Brasil! Fale também da musa paradisíaca – isto é do cacho de bananas que muito a impressionou ao chegar ao Brasil, pois de onde veio uma única banana era dividida em três, e não se esqueça do encontro com o personagem Jeca Tatu! – aquele que punha botinas até nas galinhas. E, mais ainda, de molecagens na Rua Jaguaribe e Largo do Arouche.

Permitam-me uma recordação pessoal e a roubada de alguns minutos.

- Falamos de literatura e de livros. Assim, vale declarar minha paixão, desde a adolescência, pela literatura russa da qual, coincidentemente com Tatiana meu primeiro livro foi o dos Contos de Turgeniev. Depois deliciei-me com Pushkin, Gogol, Dostoievski, mas, principalmente, com o livro de cabeceira Guerra e Paz de Tolstoi. A leitura de suas 800 páginas vale mais para a nossa vida do que as horas perdidas com Big Brothers e Cia. Sobre aquela constelação cheguei a escrever, quando jovem estudante de Direito, vários pequenos e desvaliosos artigos.

Por dois outros motivos também, coincidentes, desejei ir a São Petersburgo objetivo não realizado:
Dirigindo, como editor de certos textos, a incomparável coleção Museus do Mundo, produzida pela Editora Mondadori da Itália. Nela comparecia o volume sobre o Ermitage. Outro desejo seria o de visitar, na terra natal de Tatiana o Museu Botânico, onde ficaram guardados, desde 1829 e descobertos em 1930, materiais recolhidos entre os índios nos sertões do Brasil que, de tão numerosos, enchiam um navio e, também, abundantes pinturas, aquarelas de grande valor, de Rugendas, Adriano Taunay e Hércules Florence. Essa viagem aventurosa, que durou três anos, foi dela, nos confins de Mato Grosso, participou meu penta avô, como remador de um canoão, então jovem de vinte anos, Antonio de Marins Peixoto. A saga dessa que foi uma das mais importantes do Brasil Colonial está contada no livro “Do Tietê ao Amazonas”.

Com algum conhecimento de quem acompanhou, por décadas o movimento editorial brasileiro. Feitura de obras, editoração, distribuição e o frágil mercado livreiro pode-se dizer que os áudio visuais contribuíram para sobrevivência do livro infantil. Gênero que se mantém com maior número de títulos e tiragens. Sobre o tema a Senhora Belinky nos ensina:

“Não mande a criança ler, pois tudo o que é mandado cria o do contra. Ler é prêmio não é castigo ou obrigação”. O verbo ler não comporta imperativos, assim como dois outros: amar e sonhar. Leve a criança a livrarias, bibliotecas, deixe que ela tenha contato com livros. Espalhe-os pela casa, em cima da mesa, debaixo da cama, na estante, no banheiro para estar ao alcance da mão da criança. Se deixar um livro em cima da mesa ela vai abrir como abriria qualquer caixinha.Leia para criança ver e ouvir. Se ela vê o pai, a mãe, a avó lendo, vai pensar que é interessante e querer imitar. Daí pra frente vai sozinha. Mas faz uma ressalva: “Pelo amor de Deus, não mande a criança ler. Ler é prêmio, não é castigo ou obrigação”!


Perguntada sobre cinema, televisão e internet. – Que será do livro? Respondeu:

- “Nada vai substituir o livro. Ele é algo seu, você leva aonde quer, lê, relê, é um amigo mesmo. Nada como ele para estimular a cabeça, a imaginação. Um mesmo livro é quantos leitores ele tiver. Porque cada um deles vai entender do seu jeito. Outro milagre: em cada releitura o livro é diferente para a mesma pessoa. O livro que alguém relê aos 40 anos vai dizer coisas diferentes daquelas da primeira leitura, aos 20... Um bom livro não tem começo nem fim, é infinito.”

Infelizmente ainda é precário o consumo de livros entre os brasileiros, ameaçados pela praga dos vídeos games.

Na palestra que pronunciei ontem no CIEE ousei dizer da minha certeza, quanto ao futuro da nossa língua de 260 milhões de usuários, a terceira do Ocidente e quarta do mundo e de ter ela bom apoio, na literatura infantil.

É consabido que o Brasil possui original literatura infanto-juvenil: a citadina e a inspiradora em valores ruralistas.

- Não podia encerrar esta breve referência a esse gênero sem menção a Tales de Andrade e à Série Encanto e Verdade, cujos títulos são hoje atualíssimos, embora escritos no fim da década de 1910: A filha da floresta – sobre a preservação da natureza – apareceu em 1919 precedendo Lobato do Narizinho Arrebitado de 1921. Mas esta é outra história e a dívida para com o escritor piracicabano será paga, em dobro de outra vez!

Não sei se isso acontece com todo mundo, mas eu às vezes identifico com uma cena ou uma lembrança a imagem de pessoa querida. No caso de Tatiana, antes de conhecê-la, lembrava-me Selma Lagerlöf, autora da célebre A Saga de Gosta Berling e A Maravilhosa viagem de Nils Holgersson, que exprimem a fé universal na bondade, na tolerância, no futuro os valores humanos... A famosa escritora ganhou o Prêmio Nobel de Literatura e uma importante medalha de ouro que depois doou para fim beneficente. Tatiana recebe hoje modesta medalha acadêmica, da flor de Liz, que representa, referindo-se à língua portuguesa, a “última flor do Lácio, inculta e bela” nos versos bilaquianos e que hoje não é mais desconhecida, “obscura”, mas verdadeiro “explendor”!

Persiste, também, em minha memória, cena inesquecível digna de uma fotografia para a posteridade: quando a acadêmica e grande escritora do gênero infantil Ruth Rocha, o excelso companheiro Gabriel Chalita e quem lhes fala, fomos levar à candidata Tatiana, em sua morada, a notícia de ter sido eleita, com apreciável número de votos, em eleição muito concorrida. Então revi o desenho na capa dos 100 livros da série pioneira “Biblioteca infantil das Edições Melhoramentos” que desde 1915, com milhões de exemplares, espalha-se por todo o Brasil: sentado no sofá, o mais jovem membro da Academia, apoiava-se, como uma criança, no ombro de Tatiana, como se esta fosse a “velhinha” a lhe contar suas histórias. Dentre estas, certamente, a mais importante de todas – a de sua própria vida gloriosa!

MUITO OBRIGADO




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