Compartilhe
Tamanho da fonte


DISCURSO DE RECEPÇÃO PELO ACADÊMICO CELSO LAFER
Acadêmico: Synesio Sampaio Goes Filho
"É com alegria de amigo que inicio esta saudação a Synesio Sampaio Goes Filho nesta ocasião da sua posse na cadeira 19 da Academia Paulista de Letras."

É com alegria de amigo que inicio esta saudação a Synesio Sampaio Goes Filho nesta ocasião da sua posse na cadeira 19 da Academia Paulista de Letras. A amizade é uma grande e enriquecedora experiência humana, atualiza-se no contato e cresce na convivência da igualdade de estima recíproca. "Uma amizade de duas semanas não existe", lembra Hannah Arendt.
A nossa se iniciou em 1960 na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, na Velha Academia, onde mora a Amizade e a Alegria, como revela a memória viva de uma tradicional trova estudantil. Das nossas andanças - a da turma de 1964 - naquela época e no correr dos anos, do que éramos e do que somos, das significativas transformações do país e do mundo, Synesio fez um primoroso relato, Os alegres septuagenários e as voltas do mundo que integra o volume recém publicado que celebrou o jubileu de ouro de nossa formatura. No seu texto, Synesio destaca a prazerosa frequência das nossas reuniões, e o sentimento de solidariedade que nos une. Sinto-me assim, em primeiro lugar um porta voz da coletiva afeição da nossa turma. Dela Synesio foi o consagrado orador, e agora seus colegas muito se empenharam na consagração da sua candidatura à Academia Paulista de Letras.
Depois da nossa formatura Synesio ingressou na carreira diplomática, na qual se destacou no exercício de funções de responsabilidade no país e no exterior. Isto, no entanto, não nos afastou, pois foram contínuos os nossos reencontros nas suas estadias pelo mundo e por Brasília.
Francis Bacon aponta que são três os grandes frutos da amizade: a serenidade nos afetos, o apoio do bom juízo e a ajuda e a participação nas iniciativas e circunstâncias. Contei com os frutos da nossa amizade quando tive o privilégio de tê-lo ao meu lado, como Chefe de Gabinete quando de minha gestão, em momentos difíceis, no Itamaraty em 1992. Os frutos da amizade estiveram presentes, em função de nossa proximidade, quando mais adiante fui Embaixador em Genebra e subsequentemente retornei à chefia do Itamaraty em 2001-2002, na Presidência Fernando Henrique Cardoso. Nesta etapa, Synesio como notável Embaixador em Lisboa, ajudou-me a aprofundar as relações Brasil-Portugal, tema recorrente do meu percurso de estudioso da cultura e das relações internacionais.
Nestas diversas circunstâncias as suas qualidades de tarimbado diplomata, de arguto conhecedor das pessoas e bom analista de contextos e situações, foram da maior valia. Provém todos de uma personalidade íntegra, de cultura e sabedoria, afeito às boas letras e conhecedor dos desvãos do mundo. O seu livro de 2014, A bela viagem - um calendário de frases para pensar são uma expressão deste modo de ser. A este modo de ser não faltam nem o humor da concórdia discors que ensina a parcimônia na própria avaliação e na dos outros, nem o tempero dos ensinamentos do mundo caipira do interior de São Paulo, no qual se criou.
Synesio é um homem do mundo, mas é ao mesmo tempo um ser paulista. São Paulo é a sua querência, e a ela voltou, com satisfação, quando encerrou a sua vita activa de diplomata. Paulo Bomfim identificou em Synesio "este jeito de sentir" das origens. Respaldou sua candidatura à Academia Paulista de Letras com sua legitimidade de decano e de grande poeta sensível na sua criação às multiplas dimensões de nossa querência. Afirmo assim com o saber da experiência de mais de 50 anos de amizade que Synesio enriquecerá com sua presença o prazer da convivência na Academia Paulista de Letras.
Synesio foi, desde estudante na Faculdade, um homem de boas leituras, com interesse pela História, pelas Letras, pela Filosofia e por aquilo que caracteriza o nosso país. Mas foram as cadências da vida diplomática e a necessidade de preparar, para a sua promoção de Conselheiro para Ministro, uma tese para o CAE - o Curso de Altos Estudos - que criaram a oportunidade para a revelação da sua vocação de escritor e historiador. São a estas qualidades de escritor e historiador que a Academia Paulista de Letras confere um justo reconhecimento público com a sua eleição para a cadeira 19.
O ponto de partida do encontro de Synesio com sua vocação foi Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas, título de sua tese à qual foi dando acabamento, mas que Francisco Iglesias já na sua primeira versão, com sua autoridade de grande historiador, identificou como uma original contribuição para o entendimento da História do Brasil.
Em 1999 quando o livro, na sua versão acabada, foi publicado pela Editora Martins Fontes - e depois veio a ter sucessivas reedições - tive a oportunidade de destacar a sua importância, num artigo publicado em março de 2000 n'O Estado de São Paulo. Realcei a originalidade com a qual Synesio, com base em cuidadosa pesquisa e acurada reflexão, identificou nos navegantes portugueses - que chegaram ao Brasil no âmbito mais amplo da expansão do universo econômico e cultural europeu - nos bandeirantes - que, movidos pela "atração do sertão" são os responsáveis pelo processo de ocupação do território - nos diplomatas, que consolidaram pacificamente, as fronteiras do nosso país - os três agentes sociais que levaram a cabo a definição do "corpo da pátria". Foram os que fizeram do Brasil um país de escala continental, que é uma das marcas de nossa identidade internacional.
No meu artigo realcei como o livro de Synesio transformou a informação histórica acumulada num saber reflexivo, compreensivo e heurístico ao estudar em conjunto navegantes, bandeirantes e diplomatas, organizando com originalidade o conhecimento histórico para oferecer uma importante chave para o entendimento do Brasil. O livro de Synesio é um bem sucedido fruto de sua vocação de historiador. Um historiador que escreve muito bem - e estilo é uma qualidade de visão, segundo Proust, autor que Synesio aprecia, citado por Peter Gay em Style in History - que conjugou-se à experiência profissional de diplomata. Um diplomata com a perfeita noção que o primeiro problema na agenda de uma política externa é diferenciar o "interno" do "externo", tendo como base a delimitação de fronteiras nacionais. É esta qualidade de visão que caracteriza a primorosa síntese de seu livro de 2013, As fronteiras do Brasil.
Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas desatou a vocação de historiador de Synesio e a ela deu rumos. Daí os seus muitos estudos subsequentes. Entre eles destaco os dedicados à Alexandre de Gusmão, o paulista de Santos que exerceu a função de secretário particular de D. João V e que com seus conhecimentos de História e de Geografia da então Colônia, desenhou o mapa do Brasil nas negociações do Tratado de Madri de 1750. Este tratado foi fruto das ideias e concepções de Alexandre de Gusmão que deram forma ao grande território amorfo que não se sabia bem o que incluía e onde terminava. Realço igualmente a sua análise de Duarte da Ponte Ribeiro o principal negociador de fronteiras do Império que foi o primeiro a sugerir ao então Ministério dos Negócios Estrangeiros o princípio do Uti possidetis para as negociações de limites, que remonta ao Tratado de Madri. Como destaca Synesio "não há um só trecho da longuíssima linha de limites do Brasil de 15.759Km que não tenha sido objeto de alguma providência de Ponte Ribeiro (comentário, estudo, mapa, acordo...)".
Naturalmente Rio Branco que consolidou pacificamente, pela arbitragem e pelas negociações o "corpo da pátria", complementando na República a obra da Colônia e do Império e desafogando desta maneira a política externa do nosso país de problemas de fronteira, mereceu, compreensivelmente, estudo atento do autor de Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas.
Sublinho a rigorosa e acabada introdução de Synesio às exposições de motivos de Rio Branco, que encabeça o volume correspondente da recente edição das obras completas do Patrono da Diplomacia Brasileira. Realço a originalidade com a qual Synesio mostrou como Rio Branco não só fez a História, como é responsável pela narrativa histórica do que efetivamente sucedeu. As "fases e frases" que Rio Branco usou para explicar os conflitos de fronteiras e as soluções alcançadas incorporaram-se nos livros de História. Não há no Brasil uma contra memoria da formação e consolidação das nossas fronteiras distintas das de Rio Branco. Pode haver versões diferentes em nossos vizinhos, mas a narrativa do Grande Chanceler é tão pertinente que não só com sua ação, mas também com seu relato ele contribuiu decisivamente para moldar a vocação pacífica da personalidade internacional do Brasil.
Querido Synesio, não devo alongar-me. Apenas busquei preparar o terreno para a palavra que hoje é sua. Seja bem-vindo à Academia Paulista de Letras como o novo titular da cadeira 19.





voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.