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Acadêmico: Ives Gandra da Silva Martins "E pelos vultos que aqui passaram, desde 1909, sem sombra de dúvida, nada deve, em sua composição, à Academia Brasileira de Letras, pois dela sempre participaram, salvo seu mais novo membro, os maiores vultos da história da cultura do País."
Desde os bancos universitários tinha o hábito de passar pelo Largo do Arouche e admirar, com reverência, o prédio da Academia, inaugurado em 15 de dezembro de 1955, por Goffredo da Silva Telles - eu, que, à época, ouvia, com admiração incontida, às aulas de seu filho, Goffredo da Silva Telles Júnior, irmão do acadêmico Ignácio da Silva Telles, na Faculdade de Direito de São Paulo. Lançava, no ano seguinte, um pequeno livro de poesias intitulado Pelos caminhos do silêncio, cuja edição o amigo Paulo Bomfim tanto incentivou, embora eu convencido estivesse, nos idos de 1956, de que apenas ele mereceria, um dia, ingressar no rol dos imortais. E, apesar de, ainda hoje, continuar convencido de que apenas ele aqui mereceria estar, por um gesto de fidalga hospitalidade e generosa nobreza, sou hoje recebido neste sodalício, que tanto venerei e venero. As Academias são, em verdade, as luzes culturais de uma nação. Nelas, os valores permanentes ultrapassam o capricho dos modismos, o verniz das circunstâncias e a monotonia das repetições insuficientes. Os povos cultivam hábitos e, muitas vezes, entusiasmam-se por soluções, que consideram criativas, apesar da mediocridade das propostas, apenas perceptível pelos verdadeiros cultores dos elementos que conformam uma civilização. Li, outro dia, num estudo de Scantimburgo sobre a Revolução Francesa, que, após os pensadores gregos, a produção filosófica posterior, embora brilhante e ampla, foi periférica, visto que as linhas essenciais da reflexão pura tinham sido traçadas na Grécia européia e asiática. Confortou-me tal leitura, pois, há anos, venho repetindo, não com o talento e elegância daquele autor, que a oferta cultural dos gregos, no campo da filosofia, foi definitiva. Seus alicerces continuam inabaláveis. A natureza humana nunca foi tão bem retratada, em sua estrutura e anseios, como por aqueles pensadores, mesmo quando alguns deles, a título do uso extremo da inteligência, se tivessem desviado para proposições sofistas. Os paradoxos de Zenon e suas divergências com o imobilismo de Parmênides, a mutabilidade de Heráclito, os elementos essenciais de Anaxímenes, Anaxágoras e Tales, o transcendentalismo de Pitágoras e a multifaceta da forma de raciocinar dos filósofos pré-socráticos teriam que causar impacto à concentração de gênios na tríade máxima do pensamento mundial formada por Sócrates, Platão e Aristóteles. Os filósofos posteriores outra coisa não fizeram que acrescentar, ao núcleo sólido das verdades então descobertas, componentes mais ricos na técnica de pensar do que na própria essência do pensamento. Descartes inova a abordagem filosófica, mas a premissa de sua revisão absoluta é contestável, pois mais lógica teria sido - porque mais verdadeira - a constatação de que o ato de pensar é decorrência de algo que o antecede, que é a existência. Não deveria dizer, apesar da tábula rasa que fez das especulações anteriores, "penso, logo existo", mas "penso, porque existo". O Padre Viotti, em seus estudos, deve ter se encantado com a impressionante identidade, no campo da filosofia, entre os grandes pensadores da Igreja e Platão e Aristóteles, mormente na produção agostiniana e na do Santo Angélico. A própria filosofia medieval, principalmente a do século XII, é fundamentalmente cristã, mas com alicerces fincados nas indagações dos gregos. Étienne Gilson contestava o pensamento de Fénelon e Malebranche, que desvendaram, inclusive, no "existir" de Platão, uma noção de Deus idêntica à cristã, a partir da proposição da idéia por Platão assim expressa: "o grau de diversidade é proporcional ao grau do ser. O ser mais diverso é, pois, o ser mais ser. Logo o ser mais ser é o Ser Universal ou Todo o Ser" (Étienne Gilson, El espíritu de la filosofia medieval, Rialp, 1981, p. 52). A crítica de Gilson a tal universalização, como a de Aristóteles em Física (VIII, 6) - é dele a reflexão" Segundo o que se disse, está claro que há uma substância eterna, imóvel e separada das coisas sensíveis" -, deve-se mais à aceitação, por tais filósofos, da existência de outros deuses do que à proposição, que se assemelha muito à concepção cristã, do "Ser em si mesmo, que é o próprio Deus, Ser Causa e não ser Causado", no dizer de Frederick D. Wilhelmsen (El problema de la transcendencia en la metafisica actual, Madrid, Ed. Rialp - Universidad de Navarra, 1963). O mesmo se pode dizer dos experimentalistas ingleses, dos iluministas franceses e dos estruturalistas alemães. Kant, nas duas críticas à razão pura e prática - principalmente na razão pura - suspende-se acima das relações detectadas de "causa e efeito", mas em plano que os gregos não desconheceram, muito embora nem Kant nem os gregos tivessem vislumbrado soluções estáveis. Hegel, em seu idealismo, perde-se nas próprias dobras de suas indagações, valendo sua afirmação, todavia, no justificar as dificuldades do ofício de pensar, decididamente não transpostas, de que apenas a matemática traria certeza absoluta, por ser uma ciência pobre, sem variantes maiores. "À evidência desse conhecimento defeituoso, do qual a matemática se orgulha e com o qual se arma igualmente a filosofia, repousa somente sobre a pobreza do seu fim e a deficiência da sua matéria. É, pois, de uma espécie tal que a filosofia tem o dever de desprezá-la. Seu fim ou conceito é a grandeza. Trata-se exatamente da relação inessencial e carente de conceito. O movimento do saber passa, por conseguinte, sobre a superfície, não toca a coisa mesma, não atinge a essência ou o conceito e, por essa razão, não é um conceber. O espaço e o uno constituem a matéria com relação à qual a matemática garante seu tesouro consolador de verdades. O espaço é o existir no qual o conceito inscreve suas diferenças como num elemento vazio e morto e no qual essas diferenças estão igualmente sem movimento e sem vida. O efetivamente real não é algo espacial, tal como é tratado na matemática. Nem a intuição sensível concreta nem a filosofia se ocupam com esse tipo de inefetividade que são as coisas da matemática. Com efeito, num tal elemento inefetivo há igualmente apenas um verdadeiro inefetivo, ou seja, proposições fixas e mortas" (A fenomenologia do espírito, Abril, 1974, p. 31). Implicitamente, reconhece que a lógica é fundamentalmente matemática, instrumento necessário para o trabalho especulativo, mas que não deve ser confundida com o trabalho em si.. E aqui paro para voltar à razão de ser destas perfunctórias considerações sobre os gregos, não sem antes lembrar que o direito, em sua concepção moderna, não é uma criação grega, mas um presente dos gregos aos romanos. À evidência, o direito não surge em Roma. Surge com as primeiras sociedades organizadas, em sua dimensão social, muito embora os direitos naturais se insiram no próprio aparecimento do homem sobre a Terra. Como dizia o autor da Declaração Universal dos Direitos do Homem, René Cassin: "Não é porque as características físicas do homem mudaram pouco desde o começo dos tempos verificáveis que a lista de seus direitos fundamentais e liberdades foi idealizada para ser fixada permanentemente, mas em função da crença de que tais direitos e liberdades lhe são naturais e inatos" (Human Rights Since 1945: An Appraisal, in The Great Ideas 1971, Ed. Britannica, p. 5). Há direitos naturais que apenas a sociedade pode reconhecer, como o direito à vida, que é inerente ao próprio homem, e há outros direitos que o Estado pode criar, como as formas de governo, por exemplo. Os primeiros são permanentes. Os segundos, que esculpem o núcleo real do direito positivo, são sempre alteráveis conforme a conjuntura. O complexo destes, por suas primeiras codificações conhecidas, antecede em muito a conformação romana. Os Códigos e leis de Shulgi, Entemena, Urukagina, Gudez, Urnammu, Lipit-Ishtar, Eshunna, Manu, Hamurabi, Drácon, Sólon, Licurgo são todos anteriores ao direito romano. O que de admirável ocorre em Roma, todavia, é que, pela primeira vez, instrumentaliza o direito como forma de conquista. Antes de Roma, o direito era utilizado para completar o exercício do poder, sempre de natureza divina, sobre o povo. Os reis, imperadores, mandarins, faraós e governantes, com a mais variada titulação, sentiam-se mandatários dos deuses e, dessa forma, concediam ao povo, considerado inferior, a benesse do estatuto jurídico que o controlava. Roma, não. Roma fez do direito instrumento de realização do povo. De domínio do império. De garantia das comunidades. O império romano durou dois mil e cem anos, em seus espaços oriental e ocidental, graças à instrumentalização do direito como mecanismo de conquista. O estatuto e a garantia do jus civile e do jus gentium romanorum, à medida que se vai alargando pelo império, vai assegurando a todos os alienígenas, que ganham a cidadania romana, direitos que nenhum povo no passado assegurara às gentes conquistadas. E quando Antonino Caracala, em 212 d.e., estende a cidadania romana a todo o império, retarda em duzentos e cinqüenta anos a queda do império ocidental, já mortalmente ferido em suas entranhas, por lutas intestinais insuperáveis. Por que Roma instrumentalizou o direito, como arma de conquista? Espero que os eminentes historiadores da Academia, aqui presentes, Lycurgo de Castro Santos Filho, Duílio Crispim Farina, Pe. Hélio Abranches Viotti, Hernâni Donato, Odilon Nogueira de Matos, Myriam Ellis, Mário Graciotti e Paulo Pereira dos Reis, que perdoem a incursão em sua área, mas estou convencido de que a instrumentalização decorreu da impossibilidade de se governar o mundo, a partir do pensamento grego, sem levar em consideração o homem. Os gregos, em rigor, abriram uma nova perspectiva ao homem-povo. Ao homem comum. Ao homem corrente. Este percebeu sua dignidade. Não mais, após os gregos, seria possível governar sem conhecer tal realidade, razão por que o gênio romano foi ter percebido a lição dos gregos e criado um instrumento capaz de assegurar suas conquistas. Os povos conquistados tornavam-se aliados de Roma por força das garantias pertinentes a seu direito. A segurança das leis romanas, para os aliados e para as comunidades, era mais desejável do que a que ofertavam as leis do próprio país conquistado, lembrando-se, apenas a título elucidativo, a surpresa do "centurião" ao saber da cidadania romana de Saulo. O "cidadão" romano tinha direitos de tal ordem que os habitantes dos povos conquistados os ambicionavam ao ponto de ter o referido militar dito que adquirira sua cidadania por alto preço, ao que Saulo retorquiu ser a sua de nascimento. O direito moderno, portanto, tem, nos gregos, sua matriz filosófica e, nos romanos, sua escultura jurídica, os quais continuam, ainda hoje, a dimensionar, em seu ramo estável, que é o direito civil, a moldura legal de todos os países. E aqui cabe, ao encerrar esta parte, uma observação e homenagem ao grande filósofo e jurista Miguel Reale, de quem fui aluno na Universidade e continuo aluno até hoje. Vislumbrou o eminente amigo e mestre, no direito, a tridimensionalidade de seus componentes, em que a norma é apenas um dos integrantes. Não mais, nem menos relevante que os fatos, que conforma, e que o valor que a estrutura. Nada obstante nunca seja citado, apesar de ser a maior expressão do direito pátrio, pela escola preguiçosa do direito, que ainda domina determinada Universidade no País - a qual, à luz da pureza da norma, se nega a aprofundar-se na fenomenologia fática e axiológica, de complexidade consideravelmente maior do que o mero discurso impositivo, por mais perfeito que seja -, Miguel Reale penetrou, fundamente, nos mistérios dessa realidade admirável que permite ao homem viver em sociedade, para descobrir sua dimensão maior, de ciência reguladora de todas as demais ciências sociais, no plano convivencial, como a filosofia é a ciência universal por excelência, no plano especulativo. E Miguel Reale é filósofo e jurista, sobre ser poeta, historiador, ensaísta e humanista de escol. É, pois, multifacetadamente universal. E rendo, neste momento, homenagem aos outros juristas da Academia, os mestres Geraldo Vidigal e Frederico Marques, assim como ao pensador João Scantimburgo. Tais considerações já demasiadamente longas - serão mais curtas a partir de agora - objetivam apenas demonstrar que a filosofia grega e o direito romano, sobre estarem umbilicalmente interligados, são, ainda hoje, o alicerce de tudo o que se escreve neste campo, aos filósofos gregos devendo-se a criação de centros de estudos e de discussões culturais, que culminou com a fundação da Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles, aquela apenas extinta por Justiniano em 529 de nossa era. Fundada por volta de 385 a.C. e tendo o nome retirado de herói ático (Hecademus), que permitira aos irmãos de Helena descobrir o lugar onde Teseu a escondera, foi durante quase um milênio ponto de integração cultural, em que os intelectuais se encontravam para renovar forças de criação superior. Toynbee, em sua teoria sobre o colapso das civilizações, atribuiu o fechamento da Academia à "inversão de papéis", após ter vivido o mecanismo da "mimese", características que acompanham o crescer e fenecer dos povos e das culturas. Pela primeira, sempre que as civilizações passam a repetir o que fora útil no passado, sem criar, terminam por ser superadas. Pelo segundo, o organismo social, como o humano, na parte que obedece à vontade e não exclusivamente a reflexos biológicos pode-se falar em biologia social, com a permissão do amigo e acadêmico Paulo Nogueira Netto -, sempre que tal vontade prevalece, o organismo cresce e as civilizações se fortalecem. O desaparecimento da Academia de Platão não representou, todavia, o desaparecimento do espírito acadêmico, que, principalmente, após a Renascença, começou a explodir em toda a Europa. A Academia Francesa ganha sua dimensão atual com Richelieu. Colbert funda a Academia de Ciências, Letras e Artes em 1665. Em Florença surge a Academia della Aurea, em 1582, na Espanha a Real Academia Espanhola, em Portugal a Academia de Ciências de Lisboa, em Londres, em 1662, a Royal Society, na Suécia, a Svenska Akademien, que oferta o Prêmio Nobel, e, nos Estados Unidos, a American of Arts and Sciences. No Brasil, tivemos a Academia Brasílica dos Esquecidos em 1724, de que Sebastião da Rocha Pita e os irmãos Gusmão foram participantes, a Academia dos Felizes em 1736-1740, a Academia dos Seletos em 1752, a Academia dos Renascidos, na Bahia (1759-1761), a Academia Científica do Rio de Janeiro e a Academia Militar, das Guardas-Marinhas, de Belas Artes (1816), a Nacional de Medicina (1829) e, por fim, a Academia Brasileira de Letras, em 1896. Algumas Academias, principalmente as portuguesas, permita-me o Mestre Amora, meu presidente de quem sou confessado acólito, foram fundadas com nomes estranhos (Academia dos Generosos, Academia dos Singulares, Academia dos Anónimos, Academia dos Solitários, Academia dos Únicos), sendo, todavia, a Arcádia Lusitana, a Academia de Belas Artes (1790), a Academia Real de História, a Academia Real de Ciências aquelas que mais marcaram a histórica portuguesa. E, à evidência, neste rol de Academias, é a Paulista de Letras aquela que mais de perto nos toca a todos, porque é a Academia da gente da paulicéia, que deu ao Brasil as dimensões atuais. O Brasil é, hoje, uma nação continental, graças aos portugueses, que não permitiram sua pulverização em pequenos Estados, e aos paulistas que estenderam o Tratado de Tordesilhas muito além de seus limites acordados antes da descoberta do País. A Academia do Estado de São Paulo é a Academia do bravo povo que construiu o Brasil e o ofertou aos demais Estados, que, nos dois primeiros séculos de nossa história, quando do bandeirantismo de apresamento, sustentou o Norte com a mão-de-obra capturada no Sul e alargou as fronteiras do País. No século seguinte, descobriu as riquezas e o ouro, para nos dois últimos manter, economicamente, a nação, sendo, ainda hoje, sozinha, responsável por quase 50% da produção de riquezas no País. Nesta terra doadora e generosa, sua Academia teria que ser uma instituição de idênticas dimensões, com as mesmas raízes, a mesma estatura e a mesma importância do Estado que a hospeda. E pelos vultos que aqui passaram, desde 1909, sem sombra de dúvida, nada deve, em sua composição, à Academia Brasileira de Letras, pois dela sempre participaram, salvo seu mais novo membro, os maiores vultos da história da cultura do País. Foi assim que sempre vi a Academia Paulista de Letras, razão pela qual me sinto particularmente emocionado em ser aqui recebido como um de seus membros ao lado dos acadêmicos já citados e dos eminentes poetas como Cyro Pimentel, Benedicto Ferri de Barros, Afrânio Zuccolotto, Domingos Carvalho da Silva, Geraldo Pinto Rodrigues, José Tavares de Miranda, romancistas como Marcos Rey, Lygia Fagundes Telles, Francisco Marins, além dos autores Nilo Scalzo, Ana Maria Martins, Odilon da Costa Manso, Rubens Teixeira Scavone, Erwin Theodor Rosenthal, Milton Vargas, Honório de Sylos, Antonio DElia, Israel Dias Novaes, José Benedicto Silveira Peixoto e Alcântara Silveira. E passo, agora, na parte final deste modesto e perfunctório discurso de posse, a breves referências aos ilustres nomes que me antecederam na cadeira 31, a começar por seu patrono. O patrono da cadeira 31 é Rangel Pestana, jornalista, formado em direito, defensor dos justos ideais democráticos no século passado, que eram a Federação, a República e o abolicionismo. Seu primeiro ocupante, Hipólito da Silva, embora não formado em direito, foi jornalista, comerciante, defensor de idênticos ideais, não tendo tomado posse, pois sua morte prematura, em 25 de setembro de 1909, frustrou o sodalício dessa alegria, tendo em seu lugar assumido Spencer Vampré, que a ocupou até 14 de julho de 1964. Jurista, com notável vocação para a processualística, foi substituído por Carlos Rizzini, também formado em direito, homem público como os demais, historiador e jornalista, que a ocupou até 1972, sendo sucedido por outro notável jurista e homem público, que foi Alfredo Buzaid, que a ocupou até 1991, ano de seu falecimento. As coincidências são marcantes, Rangel Pestana, Hipólito da Silva e Carlos Rizzini foram mais jornalistas que políticos, embora tenha Hipólito da Silva sido eleito deputado para a Junta Comercial de São Paulo, Rangel Pestana participado do governo provisório paulista, logo após a Proclamação da República, e Carlos Rizzini sido eleito deputado estadual pelo Estado do Rio de Janeiro e vereador para a Câmara Municipal de Petrópolis. Rangel Pestana e Hipólito da Silva fizeram o jornalismo de pregação. Rizzini, aquele de informação. Fundaram, os primeiros, o jornal A Província de São Paulo, depois de terem colaborado, organizado e trabalhado nos jornais Tymbira, Futuro e Época. Carlos Rizzini, professor de jornalismo, também colaborou em diversos jornais, tais como Rio Jornal, O Jornal, Diário de Notícias, tendo, todavia, no magistério marcado seu momento mais elevado, como professor da Universidade do Brasil em jornalismo (1951-1961) e diretor da Fundação Cásper Líbero, de 1961 a 1965. Sua obra é marcadamente didática e histórica, como O livro, o jornal e a tipografia no Brasil, O jornalismo antes da tipografia e Hipólito da Costa e o Correio Braziliense. Político, professor, mas antes de tudo jornalista. Spencer Vampré e Alfredo Buzaid também escreveram em jornais, também foram homens públicos marcantes, tendo Alfredo Buzaid sido elevado à condição de ministro da Justiça à época em que, nada obstante a exceção do regime, os homens que assumiam cargos de tal envergadura eram cultos, dignos e não semi-alfabetizados, como em períodos posteriores. Nenhum ministro, desde a época imperial, vislumbraria, sem terem os dons de Esopo e La Fontaine, na raça canina identidade ontológica com o homo sapiens, referência capaz de pôr em dúvida a própria estirpe de quem a fez, com tanta convicção. Foram, os dois, fundamentalmente juristas. Foram professores. Foram mestres em direito processual. Marcaram época. Sua obra, hoje e sempre, continuará a orientar a processualística nacional. Fizeram escola. Spencer Vampré, com seus notáveis estudos Das sociedades anônimas, Do agravo e da carta testemunhável, Da apelação civil e criminal, Da falência e da concordata, Dos embargos e das provas em direito comercial e administrativo. Alfredo Buzaid escreveu obras de igual relevo e importância, entre as quais se destaca Da ação declaratória, Do mandado de segurança, Estudos de direito, Da ação renovatória, sobre ter coordenado a comissão que redigiu o atual Colégio de Processo Civil. Os cinco nomes ligados à cadeira 31 são de homens que estão unidos por um mesmo ideal. O ideal de um país maiúsculo, alicerçado em sólida cultura. Rangel Pestana e Hipólito da Silva, após os desmandos do início do regime republicano, retraíram-se, desiludidos com os interesses menores daqueles que diziam professar os mesmos ideais. Hipólito, inclusive, se visse o nível dos desmandos atuais reformularia a letra de seu Hino Republicano "Seguirás da vitória seguro, proclamando a igualdade por lei, e verás teu brilhante futuro, sem a sombra funesta de um rei". É que sombras mais funestas tomaram conta da República brasileira, hoje afundada em imenso lodaçal de homens minúsculos com interesses minúsculos, que envergonham a nação, empobrecem o povo e escravizam a sociedade. Pigmeus públicos, cujo exemplo devem os pais sugerir a seus filhos que não sigam. A desilusão com o fracasso republicano não desmerece, porém, a luta pelos ideais que batalharam, com força e ousadia, numa época em que os políticos eram mais respeitáveis e respeitados. O certo é que os cinco lutaram por um país melhor e, embora não tenham assistido à realização de seus sonhos, deixaram obra suficiente e I marcante para que sua lembrança permaneça a sinalizar os caminhos retos do futuro. E chego ao fim. Nas coincidências, comovido. Na Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo, a que fui conduzido pelos votos de Paulo Bomfim e Gilberto de Mello Kujawasky, ocupei a cadeira Júlio de Mesquita. Aqui ocuparei a cadeira de seu incansável colaborador Rangel Pestana. Na Academia Paulista de Direito ocupo a cadeira de Campos Salles, que com Rangel Pestana, Hipólito da Silva e Júlio de Mesquita lutou pelos mesmos princípios. Ocupo, na Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes, a cadeira Ruy Barbosa, que com Rangel Pestana preparou a Constituição de 1891 e também foi ardoroso republicano, federalista e abolicionista, muito embora, no fim de sua vida, lamentasse ter substituído a "instabilidade" do regime parlamentarista pela "irresponsabilidade" do regime presidencialista. Quando presidi o Instituto dos Advogados de São Paulo, foi-me dada a honra de homenagear Alfredo Buzaid, de quem fui aluno de escola e na vida, Miguel Reale e Goffredo da Silva Telles Júnior, assim como ao meu padrinho, Geraldo Camargo Vidigal, a quem sucedi na presidência daquela instituição. E o Instituto teve, como um de seus maiores vultos, Spencer Vampré. Descobri, quando presidente, ao resgatar a memória do Instituto, que fora este fundado em 1874, pelo Barão de Ramalho com a colaboração de Vieira de Carvalho, bisavô de todos os Mesquitas que hoje dirigem o grupo O Estado de S. Paulo. Descobri, também, histórica fotografia em que Vicente Ráo e Spencer Vampré receberam Ruy Barbosa no Instituto. E um neto de Rangel Pestana, o saudoso Francisco Rangel Pestana, foi meu mestre em advocacia e diretor da Folha de S. Paulo. As coincidências espantam-me, mas não ao Criador, que sabe a razão da tapeçaria que tece, com o entrecruzamento das linhas e das cores. Sinto-me conduzido por esta série de coincidências sem saber como explicá-las. A maior delas foi a de ter um Geraldo Vidigal, de quem sou, em direito econômico, o mais disciplinado discípulo, apadrinhamento amigo e fraternal. Primeiramente, para o Instituto dos Advogados, obrigando-me a assumir a presidência, como seu sucessor e de Cássio Martins da Costa Carvalho. E, agora, lancei-me candidato à vaga aberta pelo falecimento do leal amigo Alfredo Buzaid, por ele incentivado. Geraldo, que é poeta melhor do que eu, jurista melhor do que eu - pianista não sei -, mas compositor certamente, e a quem, gostaria, neste momento, de expressar publicamente minha especial gratidão por tudo que fez por mim. Homenagem esta que também presto à memória de Alfredo Buzaid, meu professor nos bancos da Academia, e que, nos últimos anos de sua vida, a este aluno confiava as questões tributárias de seu escritório. Mestre saudoso. Amigo inesquecível. Não poderia, ao final destas lembranças, deixar de prestar reverência à minha amada de sempre, mãe de meus seis filhos, e aos meus queridos pais, cuja persistência, na educação de sua prole, agradeço, com emoção - ele um imigrante português, que se auto-educou até ser hoje escritor, e ela, que, no carinho permanente, adoçou a eficaz severidade paterna. À minha mulher ofereço, uma vez mais, apaixonado hoje, como há 39 anos, quando comecei a namorá-la, soneto feito no passado e cuja intensidade continua igual, no amor devotado que lhe tenho: "Trinta anos completei, no mesmo passo, Descortinando auroras e lembranças, Num caminho em que o tempo sem espaço Jamais desfez os sonhos e esperanças. Somente o olhar agora está mais lasso, Mas nele quantas vezes tu descansas? O amor, porém, renasce, nunca escasso, Qual nos idos das múltiplas andanças. Trinta anos completaste, sempre igual, Tão mulher, tão silente, tão amiga, Sem súplicas, sem crises, sem rival, Que eu não sei que dizer, por mais que diga, Quanto amor eu tenho e quanto o mal Se desfaz quando eu faço esta cantiga" . E paro. Nunca pensei, quando, ainda acadêmico de direito, ao passar pelo Largo do Arouche e contemplar o prédio recém-construído, que albergava a cultura do País, que um dia estaria entre seus integrantes. E aqui estou. Não por méritos pessoais, mas pela generosa manifestação de carinho e estima de todos. Certamente o menor dos acadêmicos, mas igual a todos na luta pelos superiores ideais da insuperável Academia Paulista de Letras. Ant Próximo voltar |
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