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![]() Acadêmico: José Renato Nalini Quem hoje se lembra de Carlos Ferreira e de sua luta inglória para salvar a ‘Gazeta de Campinas’? Quantos outros heróis não lutaram e continuam a lutar para que a imprensa física, em papel, sobreviva e satisfaça aqueles leitores que não se contentam com a telinha?
Heroísmo jornalístico A sobrevivência de jornais é uma epopeia que só quem a enfrenta pode contar. Se hoje a situação é agravada em razão da rapidez com que as redes sociais noticiam praticamente tudo, não foi mais fácil em tempos idos. Na Campinas heráldica, uma das maiores cidades brasileiras, o exercício jornalístico sempre foi protagonizado por figuras maiores da República brasileira. Não podem ser esquecidos nomes como o de Francisco Quirino dos Santos, à frente da “Gazeta de Campinas”, até sua morte em 1886 e de seu sucessor, Carlos Ferreira. No livro “Velhas Figuras de São Paulo”, Pelágio Lobo reconhecia a faina de Carlos Ferreira como orientador do corpo redatorial, a realizar “esse trabalho incessante, exaustivo, de todas as horas, de policiar a matéria entregue, fazer a seleção, rejeitar os artigos inconvenientes ou sensaborões, enfim, enfrentar todos os aborrecimentos e azedumes da família dos plumitivos – jornalistas de polpa, escritores de acaso, escrevinhadores das horas vagas e escribas mal aparelhados que são, no geral, os mais exigentes e irrequietos”. Como Quirino era muito requisitado pela advocacia intensíssima e se envolvesse na política, era Carlos Ferreira, que a si mesmo se qualificava “a besta do coice”, quem conduzia o jornal em suas vicissitudes. Como quem realmente gosta de jornal, era um sonhador, poeta, propenso ao devaneio e ao sonho. Quando a Gazeta enfrentava crises, até adoecia. Proclamada a República, arrefeceu o entusiasmo de quem pugnava por essa nova forma de governo e Carlos Ferreira ficou sozinho, apenas com Leopoldo Amaral e um grupo de rapazolas. Para não ser o coveiro do jornal que fora sua paixão arrebatadora por tantos anos, decidiu desistir. Estava desalentado com o declínio do jornal e sacrificado em seus interesses pessoais, pois não tinha renda. Foi então que Glicério, o chefe e amigo que sabia acudir aos companheiros em épocas de tormenta, obteve para Carlos Ferreira um cartório, o 1º de campinas, de que fora titular o Major Rodrigues. Carlos Ferreira assumiu o tabelionato mas nele pouco tempo permaneceu. Foi morar em Amparo e ali abriu um colégio. Mas a sorte não o favorecia. Perdeu filhos, adoeceu, desabou fisicamente e pressentiu cada vez mais próximo o seu fim. Continuava pobre e, pior que isso, inteiramente desalentado. Fechou o colégio e voltou para Campinas. No relato de Pelágio Lobo, entre 1909 e 1910 “era um velho gasto, trêmulo, alquebrado, que já andava com dificuldade. Os grandes bigodes que sempre conservara, caídos sobe os lábios, davam-lhe grande semelhança com esse retrato de Camilo Castelo Branco, no fim da vida, vulgarizado por um dos seus editores. Olhos encovados e com pouco brilho, a lacrimejarem desagradavelmente. Dava, de início, a impressão de uma múmia. Quando, porém, falava e recordava coisas do passado, que era o seu único alimento, o velho como que se transfigurava. Voltava-lhe a voz, alçava o busto e os olhos brilhavam de novo, embora com um brilho mortiço e pobre”. Contribuía para o estado de espírito de Carlos Ferreira, o fato de ser agnóstico. Não era confortado pela fé, companheira eficiente nos momentos críticos. Foi quando, por influência de seu cunhado, Alberto do Nascimento, foi assistir a uma série de conferências do Padre Júlio Maria, convidado a proferi-las por Monsenhor Campos Barreto, que viria a ser mais tarde o segundo bispo de Campinas. Por coincidência – ou seria a lógica de Deus? – Padre Júlio Maria e Carlos Ferreira tinham sido colegas nas Arcadas. O reencontro de amigos antigos, um deles vencido pela má fortuna, o outro alicerçado em sua convicção religiosa, fez com que Carlos Ferreira se dispusesse a receber a primeira Eucaristia. Trôpego, cambaleante, fez questão de se ajoelhar para receber a primeira comunhão. Isso ocorreu em junho de 1910 e de tal episódio não restam testemunhas, ressalvadas as memórias de Pelágio Lobo. O jornalista Carlos Ferreira ainda transferiu residência para o Rio de Janeiro, onde faleceu em fevereiro de 1913, nutrido pela consolação espiritual que lhe sustinha o ânimo e, como diz Pelágio Lobo, citando Eduardo Prado, partiu “aligeirado de remorsos, em viagem para o infinito”. Quem hoje se lembra de Carlos Ferreira e de sua luta inglória para salvar a “Gazeta de Campinas”? Quantos outros heróis não lutaram e continuam a lutar para que a imprensa física, em papel, sobreviva e satisfaça aqueles leitores que não se contentam com a telinha? Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 16 10 2025 ![]() ![]() |
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