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![]() Acadêmico: José Renato Nalini Pouca gente hoje se interessa por saber o que se passou na Câmara Federal na segunda quinzena de julho de 1898. Analisava-se o pedido de um promotor público do Distrito Federal para processar criminalmente os deputados que, no inquérito conduzido pelo delegado Soares Neiva, eram apontados como inspiradores ou ‘autores intelectuais’ do atentado de 5 de novembro de 1897
Perfídias & traições A política partidária é para quem possui nervos de aço e estômago capaz de deglutir veneno. Isso porque ela é feita por seres humanos. Criaturas imperfeitas, falíveis, que têm um discurso até edificante, mas uma prática nem sempre digna de encômios. Assim tem sido sempre. Nada indica súbita mudança. E quem estuda a História do Brasil encontra evidências disso que suscitariam várias enciclopédias. Homem de lutas, idealista e sonhador, Francisco Glicério também enfrentou borrascas. Chegou a ser apeado do seu elevado pedestal de chefe das vinte e uma brigadas do poderoso PRF – Partido Republicano Federal. Depois de ser o “Pai da República”, Francisco Glicério divergiu de Prudente de Morais e os ânimos chegaram a tal tensão, que se tornaram adversários irreconciliáveis. A quebra de amizades não é escoteira, nem novidade na rotina dos partidos. Pouca gente hoje se interessa por saber o que se passou na Câmara Federal na segunda quinzena de julho de 1898. Analisava-se o pedido de um promotor público do Distrito Federal para processar criminalmente os deputados que, no inquérito conduzido pelo delegado Soares Neiva, eram apontados como inspiradores ou “autores intelectuais” do atentado de 5 de novembro de 1897. Visava-se matar o Presidente Prudente de Morais, que recebia as tropas vencedoras em Canudos. Para salvar sua vida, o Marechal Bittencourt acabou recebendo o projétil e veio a falecer. Esses deputados eram Francisco Glicério, de São Paulo, Irineu Machado, do Distrito Federal, Torquato Moreira, do Espírito Santo, Alcindo Guanabara, do Estado do Rio e Barbosa Lima, de Pernambuco. Quem iniciou os debates na Câmara foi o deputado João Galeão Carvalhal, baiano que representava São Paulo. Era homem respeitado e seu pronunciamento foi ouvido em grande silêncio. A ala governista aparteava o orador, enquanto o apoiavam Nilo Peçanha, Paula Ramos, Serzedelo Correia, Cassiano do Nascimento e Pinto da Rocha. Galeão Carvalhal, orador experiente, encerrou sua fala com um repto: “Se há alguém, que tenha uma suspeita, sequer, sobre a inocência de nossos honrados companheiros, que venha afirmá-lo, com a responsabilidade dos seus nomes e da sua posição!”. A resposta foi um silêncio, até que Pinto da Rocha exclamasse: “Este inquérito é uma indecência, uma obscenidade!”. Seguiu-se grande tumulto, com interrupção da sessão. A bancada glicerista impugnava a atuação de J.J. Seabra, que advogava pela viúva do Marechal Bittencourt e, portanto, nítido o seu interesse no deslinde da questão e não hesitava em participar ativamente dos debates na Câmara. Chegou sua vez de falar e, como era excelente na retórica, verberou contra os colegas da oposição. Sustentou que a licença apenas permitiria à Justiça apurar a participação dos suspeitos. Não implicava em imediata condenação dos presumivelmente inocentes. Enfatizou que o próprio Glicério, em publicação largamente divulgada nos jornais de São Paulo, afirmara aguardar, serenamente, a sua chamada perante juízo regular, a fim de produzir sua defesa. As sessões se prolongavam, porque era grande o número de deputados ansiosos por externar sua posição. Chegou a vez de Calógeras. Embora governista e adepto de Prudente de Morais, por acreditar que este consolidaria a República, era homem íntegro e não mergulhava nas paixões política, que contaminavam o trâmite das questões a serem apreciadas em processo técnico. Despido de ardor partidário, teve a hombridade de sustentar que aquele processo era monstruosidade inconveniente. Monstruosidade, porque eivado de ira e ressentimento, que comprometia a regularidade jurídica. Inconveniência, porque procurava punir Glicério, “um homem cuja vida é uma tradição de pureza, mais do que isso, uma honra para o Estado que o elegeu e uma glória para o nome brasileiro”. Para ele, a Câmara deveria, com desassombro, negar a licença pedida para processar seus membros, incluídos no inquérito por uma agitação política indigna de um Parlamento decente. Seguiram-se acalorados debates e à votação, compareceram 177 parlamentares. 92 negaram a licença, 85 a concediam. Foi uma impressionante manifestação do Parlamento em defesa da intangibilidade de seus integrantes. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 15 10 2025 ![]() ![]() |
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