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![]() Acadêmico: Gabriel Chalita O pianista conquistou o mundo. E, então, surgiu a dor. A dor não impediu a música. A dor doeu os dedos e a alma do pianista.
A rainha e o maestro Era uma vez um maestro. Era uma vez um maestro e suas mãos. Era uma vez um maestro, suas mãos e seus sentimentos. As mãos do maestro foram mãos crianças, como todas as mãos. Como todas as mãos vocacionadas à construção. Construíram, as mãos do maestro, antes de ser maestro, concertos que consertaram mundos. Era uma vez um pianista. Era uma vez um pianista e suas mãos. Era uma vez um pianista, suas mãos e seus sentimentos. As mãos do pianista foram dizendo ao piano, "foi para você que eu nasci". O piano, entendedor de mãos e de sentimentos, foi sendo música, foi sendo mundo. O pianista conquistou o mundo. E, então, surgiu a dor. A dor não impediu a música. A dor doeu os dedos e a alma do pianista. Da dor, o sonho. Do sonho, a decisão. Era preciso continuar dizendo ao piano, "foi para você que eu nasci". O piano levava os sons para a alma do pianista. E, então, os médicos. E as cirurgias. E a valentia disfarçando o choro. E o choro, sem disfarces, na emoção dos consertos que concertavam mundos. O pianista olhou para o piano, para as mãos, para os sentimentos e decidiu reger. A vida. A música. A vida dos outros. Nasceu o maestro. O maestro, com suas mãos e sentimentos, começou a dizer aos instrumentos que ele estava ali. E aos músicos que a música era a linguagem mais bonita para que a palavra encontrasse o alto. A música é a delicadeza de Deus na sinfonia do mundo. O maestro, mesmo com as mãos feridas, consertava as rasgaduras que os abandonos provocam nas pessoas. O maestro conheceu a rainha. A rainha conheceu o maestro, Era um dia de luz. E o maestro recebeu um prêmio pela sua vida. E foi, então, que o maestro se referiu à rainha, a rainha Sofia, a rainha da terra onde Cervantes fez Quixote sonhar um mundo de amor, um mundo de amar. A rainha Sofia olhava os olhos do maestro e autorizava as lágrimas a dizerem o bonito da emoção. Os dois, rainha e maestro, na maturidade de suas vidas sabem o significado do olhar. O prêmio poderia ser dado a ele por ter sido, como pianista, um dos maiores interpretes de Bach da história. Ou poderia ser dado por ser o maestro cioso do seu ofício de reger, com competência ímpar, os instrumentos e os sonhos. Os sonhos? Sim, o prêmio foi dado pelos sonhos. Pelo nobre sonho da generosidade. Por transformar a dor em convite aos que, como ele, queriam também dizer à musica, "foi para você que eu nasci". A sagrada música que abre céus na Espanha ou no Brasil ou em qualquer canto. No coração do maestro, ninguém deveria ser impedido de cantar. O maestro é João Carlos Martins. O "era uma vez" era só uma forma de dizer uma história que diz aos corações que acordem. João Carlos "é"! É o menino que disse ao piano, é o homem que diz a si mesmo, é o instrumento que diz ao silêncio, "foi para você que eu nasci". Que diz ao silêncio ou à música? Só há música no silêncio. É nas pausas que nos afinamos para enfrentarmos as partituras que preenchem o mundo com as nossas vidas. É no silêncio que nos sentimos musicando a vida. Um maestro, suas mãos e sentimentos e um dizer generoso, "foi para você, para abrir as portas que te autorizam a compartilhar o seu talento, que eu nasci". E os olhos dos que ontem tinham “não” olham com o olhar da rainha as mãos do maestro abrindo caminhos. Era uma vez um dia de luz. Um maestro. Uma rainha. E uma esperança. E um som que veio do alto sussurra, “foi para isso que você nasceu”. Publicado em O Dia, em 12 10 2025 ![]() ![]() |
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