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![]() Acadêmico: José Renato Nalini Quando a gente se arrisca naquilo que não conhece, ou invade terreno adverso, a consequência nunca pode ser gratificante
Cada qual no seu quintal Coelho Neto, embora prolífico autor de romances, contos, crônicas e ensaios, foi sempre um homem pobre. Pensou em exercer outra atividade, para poder melhor sustentar sua família. Propôs-se a meta de ser homem de negócios. Idealizou uma empresa próspera, que trouxesse lagostas para o Rio. Como a lagosta havia entrado no rol dos acepipes cariocas, ele faria uma fortuna. Em pouco tempo estaria riquíssimo. Começou a comentar a sua ideia com os amigos, quase todos intelectuais como ele. Luis Murat gostou do plano e viu nele um assunto épico. Não entraria na empresa como acionista, nem como sócio. Mas comprometeu-se a escrever, a título de propaganda, um poema em dez cantos, que já batizou como “A Lagosteida”. Olavo Bilac, também com projetos de organizar a sua “Agência Americana”, não tinha recursos nem tempo para participar da empreitada do amigo. Mas afirmou: - “Conta comigo!”. E acrescentou em que consistiria a sua ajuda: - “Dar-te-ei a contribuição de umas glosas no “Filhote”. E foi assim, de não em não, mas com apoio moral e poético, a jornada empresarial de Coelho Neto. Muito afoito, ele alugou salas no centro da cidade. imprimiu prospectos. Espalhou propaganda, então chamada “reclame” em todas as ruas e locais frequentados pela elite do Rio. Não se cansava de enaltecer os atributos nutritivos da lagosta. Um verdadeiro “maná”, que não cairia do céu, mas que viria dos mares baianos. Passados alguns meses, a formidável empresa de Coelho Neto não entregava as lagostas. Começou a colher um ruidoso prejuízo. Teve de fechar as salas, devolveu as chaves ao locador. Voltou à sua tarefa de escrever e nela permaneceu até o fim da vida. O que aconteceu? Ele se esquecera de uma coisa muito simples. Tomara todas as providências relacionadas ao grande negócio. Mas não mandara buscar as lagostas. Algo que seu amigo Cláudio de Sousa, também biacadêmico, por integrar tanto a Academia Brasileira de Letras como a Academia Paulista de Letras, à qual ofertou belo e clássico mobiliário, achou bizarro. Cláudio de Sousa era um homem pragmático e fora o único a dissuadir Coelho Neto dessa temerária aventura de pretender vender lagostas, sem antes cuidar de obtê-las. Uma distração de Coelho Neto era frequentar as sessões da Academia Brasileira de Letras, na qual era o fundador da Cadeira 2. Todas as quintas-feiras era o primeiro que ali chegava. Ficava irritado quando encontrava a mesa do chá tomada pela família de um colega. Este se julgava no direito de levar os filhos para distraírem o estômago às expensas da Instituição. Tantas as vezes que isso aconteceu, que um dia Coelho Neto não se conteve: - “Este nosso colega está confundindo a Academia com a Alvear ou a Colombo” (duas casas de chá famosas; esta última, ainda em pleno funcionamento no centro do Rio). O comentário foi feito em tom suficientemente alto para ser ouvido pelo autor do abuso. Na quinta-feira seguinte, ao chegar à Academia para a sessão habitual, ele teve a surpresa de ver surgir à sua frente um dos filhos do confrade, rapaz forte, robusto e agressivo. Com a voz trovejante, veio exigir desculpas pelo comentário. - “Não tenho que lhe dar satisfações!”, replicou energicamente Coelho Neto. Num golpe de jiu-jitsu, o rapaz atirou-se contra ele, mas logo recebeu em cheio, em represália instantânea, o rabo-de-arraia que Coelho Neto, mestre da capoeira na sua juventude, prontamente lhe aplicou. Quando viu o agressor cair para trás, ele observou: - “Menino, em vez de tomar o chá da Academia, você deveria era ter tomado chá de camomila em criança!”. A família do confrade não voltou a frequentar o chá da tarde das quintas-feiras. Assim como Coelho Neto não voltou a pensar em vender lagostas no Rio. Persistiu a fazer o que sabia, ou seja, escrever. Para sorte nossa. Cada qual no seu quintal, a explorar os talentos que a Providência lhe reservou. Quando a gente se arrisca naquilo que não conhece, ou invade terreno adverso, a consequência nunca pode ser gratificante. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 12 06 2025 ![]() ![]() |
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