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![]() Acadêmico: José Renato Nalini O Brasil não possuía crítica literária militante e a consagração de um livro dependia dos elogios nos jornais e do boca-a-boca do público. Foi Aluísio quem iniciou o sistema de publicidade criativa e ruidosa, depois disseminado
Tenho de sobreviver Viver de literatura é para poucos. Dos que ganham com livro, não se pode dizer que todos façam literatura. Encontraram fórmula de vender um produto que serve para algumas finalidades. Não para disseminar o amor pelo belo através a leitura. Embora se encontre uma tonelagem de obras sobre direito autoral, propriedade intelectual, na verdade é que o escritor continua a escrever porque não consegue deixar de fazê-lo. É uma dependência afetiva, uma espécie de vício. Uma jornada de sacrifício e de sofrimento. Em busca daquele exemplar cada vez mais rarefeito, chamado ‘leitor’. Algo que a mais encantadora das romancistas brasileiras, Lygia Fagundes Telles, procurava com a lanterna de Diógenes. Este episódio da vida de Diógenes, filósofo cínico, ainda é citado metaforicamente, para a busca de algo impossível. Ele andava com a lanterna acesa, à procura de um homem honesto. Assim como Lygia procurava leitores: “Hoje todos escrevem! Mas quem lê? Onde estão os leitores?”. Sempre foi assim, mas piorou com as redes sociais. Que o diga Aluísio Azevedo (1857-1913), autor de “O Mulato”, que tentava viver exclusivamente de sua pena de escritor. Era ansioso por ampliar o seu público, a cada novo livro que editava. O Brasil não possuía crítica literária militante e a consagração de um livro dependia dos elogios nos jornais e do boca-a-boca do público. Foi Aluísio quem iniciou o sistema de publicidade criativa e ruidosa, depois disseminado. Em 1887, publicou “O Homem”, seu terceiro romance, na sequência de “Casa de Pensão”. Quis promovê-lo, para ganhar algum dinheiro. Imprimiu duas mil etiquetas nas quais se lia “O Homem” e as espalhou pelo Rio de Janeiro. Entrou no “Café Londres”, à época o lugar de encontro da intelectualidade. Pega um pão, exposto numa cesta, e nele introduz uma das etiquetas. Chega um homem ruivo e forte, cara de poucos amigos, toma um café e morde exatamente aquele pão. Estranha o papel e grita: - “Que porcaria é esta?” Logo ajuntou gente em sua volta, atraída pela indignação do freguês que sacudia o papelucho no ar, nervoso, irritado e querendo uma explicação. Nesse instante, aproxima-se Aluísio e se dirige ao homenzarrão: - “Com licença”, diz, e toma na mão a etiqueta. Olha para o homem e diz, com ar circunspecto: - “O Homem, a que se refere este papel, é aquele que, segundo as profecias, deve trazer ao mundo a verdade, que é o pão do espírito. Daí ter escolhido para veículo um pão de trigo. Se o cavalheiro se revolta contra “O Homem”, que achou no pão, por que não brada contra a hóstia, que contém em substância um Homem? Saibam os amigos aqui presentes que “O Homem”, desta etiqueta, é um romance de trezentas páginas, com um dos tipos mais perfeitos da Criação. Belo formato, cuidadosamente impresso, edição Garnier. Sairá depois de amanhã. Espero que vocês o leiam”. Parece que a propaganda deu certo. No primeiro dia em que foi posto à venda, foram vendidos trezentos exemplares. Não quer dizer que ele tenha ficado rico. Tanto que, ao falecer-lhe a mãe, em São Luís, o romancista se encontrava em tão grave situação financeira, que não dispunha de recursos para adquirira roupa escura que o seu luto, à época, impunha. Quem se condoeu de sua sorte foi Guimarães Passos (1867-1909). - “Temos o mesmo corpo e eu disponho de uma roupa preta. Podes ficar com ela, até que possas fazer a tua”. Assim foi feito. Aluísio passou a sair com a roupa do amigo, rigorosamente de preto, como a situação exigia. Mas os tempos passavam, semanas, meses e nada de o romancista mandar fazer o terno que substituiria aquele que o poeta alagoano lhe emprestara. Um dia, achou Guimarães Passos que já era tempo de chamar o amigo à ordem. Mas não foi grosseiro. Não era de seu feitio. Encontrou uma fórmula delicada de pedir o costume de volta: - Aluísio: não achas que já está em tempo de aliviares o luto?”. No dia seguinte, o amigo atendia à sugestão do prestativo colega. Reapareceu nos lugares de sempre já com um terno cinzento, de seu próprio guarda-roupa. São reminiscências históricas de antigamente. Hoje, isso não aconteceria. Não há mais luto. E valendo-se do costume instaurado durante a pandemia, os velórios estão cada vez mais curtos. A vida tem pressa e não tem tempo para os mortos. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 10 06 2025 ![]() ![]() |
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