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NÃO EXISTE ‘EX-ACADÊMICO’
Acadêmico: José Renato Nalini
Só que o fato de abandonarem a Academia, deixarem de frequentá-la, não acarretou a perda da condição de acadêmicos. Só por morte é que se abriu a vaga. Isso é o que ocorre nas Academias sérias, aquelas que seguem a inspiração francesa

Não existe ‘ex-Acadêmico

A existência das Academias de Letras é algo sedutor e polêmico. A Academia Francesa, criada por Richelieu, existe e funciona desde o século XVII. Aqui no Brasil, Machado de Assis percebeu que a República era uma solução capenga e resolveu congregar a intelectualidade para que existisse no Rio um templo de pensamento puro, desinteressado e apolítico. Criou-se a Academia Brasileira de Letras em 1897.

Escolher quarenta pessoas para a representação de toda a cultura do Brasil não é fácil. Discutem-se critérios, há uma disputa acirrada, a par de um desprezo de parte de alguns que se consideram “antiacadêmicos”.

Na história inicial da ABL, cinco de seus “imortais” se indispuseram com ela e a abandonaram: José Veríssimo, Rui Barbosa, Oliveira Lima, Clóvis Beviláqua e Graça Aranha. Os motivos de cada um eram distintos.

Veríssimo foi por causa da eleição de Lauro Müller, que derrotou Ramiz Galvão. Rui Barbosa não perdoou terem desconsiderado seu voto por telegrama em favor de Pinto da Rocha, candidato à sucessão de Artur Orlando. Oliveira Lima discordou da cédula de presença com a herança do livreiro Alves. Clóvis Beviláqua não se conformou com a recusa da Academia em aceitar a inscrição de sua mulher, a escritora Amélia de Freitas Beviláqua, que gostaria de ter sido a primeira a ingressar no fechado círculo masculino. E Graça Aranha, por divergência de ordem estética e doutrinária, na polêmica do modernismo.

Só que o fato de abandonarem a Academia, deixarem de frequentá-la, não acarretou a perda da condição de acadêmicos. Só por morte é que se abriu a vaga. Isso é o que ocorre nas Academias sérias, aquelas que seguem a inspiração francesa.

Olavo Bilac tinha uma explicação interessante para a situação: ninguém deixa de ser padre, filho natural ou acadêmico. E procurou explanar seu pensamento:

“O padre pode abandonar a batina, apostatar, regressar à vida civil; para a Igreja, ele será sempre o padre, o sacerdote, o membro da Igreja. É padre até à morte. O filho nascido de uma união fora do casamento também tem a mesma sorte. O pai pode reconhecê-lo, a mãe pode se casar com o pai, mas, se nasceu antes do casamento, é filho natural por toda a vida. Com o acadêmico sucede o mesmo: ele pode renunciar. Pode não ir mais à Academia. Pode romper com ela. A Academia só poderá substituí-lo depois que ele morrer. Enquanto for vivo, é acadêmico, mesmo contra a vontade”.

A terceira situação é a única a perdurar em nossos dias. O sacerdote, embora ordenado, ao deixar o sacerdócio, tem acolhida na Igreja que o casa e batiza seus filhos. O filho natural é uma categoria extinta no direito brasileiro. Filho é filho, não cabe qualquer distinção. Já o acadêmico de Academia séria, só deixa de sê-lo se morrer.

O que existe na História da Academia Paulista de Letras, que foi criada em 1909, é algo que merece registro, para que não seja esquecido. Aqueles que foram eleitos e não conseguiram tomar posse. Desde que lá estou, por generosidade dos que me elegeram em 2003, vi não tomarem posse o Professor Pedro Kassab, que ficou a elaborar, com o capricho e devoção que o caracterizavam, o seu discurso de posse. Infelizmente, faleceu antes. E perdi a oportunidade de recepcioná-lo, honrado que fora com seu convite.

Idêntica a situação com Ruy Ohtake, o sereno e criativo arquiteto visionário que também perdemos. Um artista cujo legado eterniza o seu nome, junto ao de sua notável mãe, a multiartista Tomie Ohtake. Longas conversas, projetos de elaborar um livro sobre o Tietê e vem a morte de Ruy me privar de saudá-lo conforme havia solicitado.

Outra acadêmica a não tomar posse – e esta, quem a saudaria era seu amigo Paulo Bomfim – foi Inezita Barroso. Mas esses três, e outros que devem existir no passado, são acadêmicos eleitos e figuram no rol dos imortais bandeirantes.

Sinto não ter convencido Antônio Cândido, Delfim Netto, Dalmo Dallari, a se tornarem acadêmicos paulistas. Dentre os vivos, muitos há que ainda se tornarão confreiras e confrades. Espero poder eleger alguns deles, antes de que a vaga a ser preenchida seja a minha. Mas isso, a Deus pertence e Sua vontade é que prevalece.

O propósito desta reflexão é apenas dizer que não existe a categoria “ex-Acadêmico”. Ao menos, nas Academias sérias, aquelas que, a partir do Jardim Akademos de Platão, consolidaram-se no gesto de Richelieu e que perdura desde o século XVII.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 06 06 2025



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