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TUDO TEM UMA EXPLICAÇÃO
Acadêmico: José Renato Nalini
Era assim que redigia suas polêmicas: enquanto ia lançando as frases no papel, comentava, exaltado e em alta voz, como se o contendor estivesse diante de sua mesa: “Estás vendo como não tens razão?”

Tudo tem uma explicação

Silvio Romero, como é mais conhecido o sergipano Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (1864-1914), o legendário polímata brasileiro, foi um homem belicoso, apaixonado e propenso a exaltar-se na defesa de suas convicções. Mera questão de temperamento ou haveria outra explicação para esse espírito indômito e aguerrido?

Ele próprio tenta esclarecer a João do Rio, a origem e as raízes dessa belicosidade. A questão está situada na sua mais tenra infância: “Criado fora até os cinco anos, eu era, no princípio, como estranho aos meus irmãos mais velhos, que me faziam troças e me maltratavam muitas vezes com essa malignidade própria dos meninos. Daí um estado de alma que se produziu em mim e ainda hoje perdura. Habituei-me, cedo, a ser paciente, sofredor, ao mesmo tempo desconfiado, suspicaz talvez, e, ainda por cima, resistente e belicoso”.

Hoje, a psicologia infantil encontra fundamentos científicos para definir o bullying, o assédio moral e outros traumas que podem marcar o infante e selar o seu destino adulto. À época, entre os séculos XIX e XX, cada qual era responsável por sua autoanálise, quando se interessasse por encontrar respostas às suas esquisitices.

Silvio Romero foi encontrar no Recife, ao cursar a Faculdade de Direito, aquele que foi seu mestre e guia: Tobias Barreto. Este era outro homem de feitio impulsivo. Sua coragem e arrogância constituem o modelo de que Silvio se servirá na polêmica literária. Aproveitou-se dele intensamente e nunca disso fez mistério. “O entusiasmo de combater, o calor da refrega, o ardor da luta, o espírito de reação, a paixão das letras, o amor pela vida do pensamento, pelo espetáculo das ideias”.

Era sopa no mel, como se dizia antigamente. Temperamento forjado na infância, afeiçoado ao debate caloroso, consolida-se no encontro com o docente inquieto. Da juventude à velhice, Silvio Romero continua apaixonado, veemente, agressivo. Até ao escrever, ouve-se a sua voz a gritar e a confundir com os seus berros o adversário. Era assim que redigia suas polêmicas: enquanto ia lançando as frases no papel, comentava, exaltado e em alta voz, como se o contendor estivesse diante de sua mesa: “Estás vendo como não tens razão?”.

Servia-se do menor pretexto para iniciar uma controvérsia pela imprensa. Era a época em que aquele desprovido de uma coluna, de um espaço no jornal, recorria à seção dos leitores, que dava amplo agasalho às celeumas.

Ficou famoso, no tempo do Império, o expediente de que se servia o Visconde de Jequitinhonha, que escrevia críticas contra si mesmo, para ter a oportunidade de vir a público logo em seguida e esmagar o pretenso adversário, com a força de seu verbo, a se defender dele próprio.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 18 04 2025



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