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A FORÇA DO CLARIM
Acadêmico: José Renato Nalini
Cada qual, no limite de sua capacidade, precisa também contribuir para que a vida em sociedade seja harmônica e não se instaure a guerra de todos contra todos

A força do clarim

Discute-se hoje a conveniência de se transformar as Guardas Municipais em Polícias das Cidades, após voto do STF que autoriza essa interpretação. O debate se justifica porque a sensação de insegurança é o sentimento que mais motiva o eleitorado. E o Estado de Direito de índole democrática depende de eleições. Daí a recorrência do tema.

Insere-se no contexto a adoção de medidas de força, o recrudescimento das leis punitivas, a criação de novos tipos penais, a redução da maioridade, a ampliação da pena de morte para outras situações, que não exclusivamente a guerra externa.

Tal espírito não é novidade no Brasil. Ao contrário, sempre esteve presente em nossa História. O relato de homens públicos, notadamente quando eles eram dados às letras, é eloquente.

Há um episódio que parece anedótico, mas é real. Inglês de Sousa foi nomeado, aos vinte e sete anos, Presidente de Sergipe. Era assim que se chamavam os governadores à época do Império. Antes de partir, foi se apresentar ao Imperador Pedro II. Estabeleceu-se o diálogo que segue:

- “Já o conheço. Sei que é um moço velho. Vá para o seu posto. Sei que se sairá bem”. A menção a “moço velho” significava reconhecer no jovem Presidente um caráter próprio à maturidade. Era alguém prudente e com discernimento. E o Imperador aconselhou:

- “Não persiga os seus inimigos e favoreça os seus amigos. Assim agindo, terá bem cumprida a sua missão”.

Iniciava-se o período de eleição direta, por deliberação do Conselheiro Saraiva. E Inglês de Sousa, homem da lei por temperamento e formação, estava disposto a cumprir à risca a normativa vigente.

Dias antes da eleição, aparece-lhe no Palácio um Coronel do interior, que veio pessoalmente buscar a força. – “Que força?” – indagou o Presidente. E o Coronel: - “A força militar. É preciso mostrar, com os soldados, que estamos por cima e que a vitória é certa!”.

Inglês de Sousa procurou dissuadir o chefete. - “Os tempos agora são outros, meu amigo. As instruções do Presidente do Conselho são muito claras. Nada de força, nada de violência. Ganha quem tiver voto”.

O Coronel ficou entre surpreendido, encabulado e aborrecido. Ficou a rodar o chapéu, nas pontas dos dedos. Depois de alguns instantes pensativo, de cabeça baixa, voltou-se para o Presidente:

- “Se o senhor não pode me dar a força, porque para isso está proibido, dê-me ao menos um clarim, que com um clarim eu me arranjo”.

Inglês de Sousa não entendeu, mas como já havia convencido o correligionário de que soldados não levaria, resolveu atender ao pedido.

De posse do instrumento, foi para a sua cidade e fez com que um funcionário aprendesse o toque de clarim. Às vésperas das eleições, de madrugada, fez com que o clarinetista despertasse a população com aquele toque de início de batalha.

Quando os sertanejos acorreram para a sede da Prefeitura, ele estava à porta, proclamando:

- “Meu povo! A força está aí fora, pronta para entrar na cidade ao primeiro sinal. Só está dependendo de ordem minha. A vitória é nossa! Não ouviram o toque de clarim? É esse o recado!”.

Todos responderam:

- “Ouvimos sim. Repetidas vezes. Um toque bem alto!”.

E o Coronel:

“Então: recado dado. A força está de prontidão!”.

Depois disso, evidente que o Coronel ganhou a eleição em sua cidade.

Ainda hoje, num Brasil amedrontado com a reiteração de crimes, com a disseminação de armas de fogo que matam inocentes sem qualquer piedade e sem reação ante assaltos, a ideia de uma força policial atuante, destemida, pronta a coibir a delinquência por todas as formas, é sedutora a ideia de mais uma polícia.

Paradoxalmente, ainda vigora, claudicante e capenga, um Estatuto do Desarmamento, enquanto a imensa maioria, quase a totalidade dos crimes violentos perpetrados contra a pessoa, sejam com emprego de armas de fogo. Será que cumprir o Estatuto do Desarmamento não pouparia vidas preciosas?

As autoridades responsáveis pela Segurança Pública precisam pensar nisso, além de outros sofisticados, enormes e abrangentes Planos, que nem sempre redundam em sucesso. Enquanto isso, a população deve ser alertada de que a segurança coletiva é responsabilidade de todos. Cada qual, no limite de sua capacidade, precisa também contribuir para que a vida em sociedade seja harmônica e não se instaure a guerra de todos contra todos.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 16 04 2025



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