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A QUESTÃO PALESTINA
Acadêmico: Rubens Barbosa
O plano dos EUA promete uma nova arquitetura econômica e de segurança no Oriente Médio

A questão palestina

Continua a crescer a pressão da opinião pública mundial por uma solução de médio e longo prazos para a dramática situação no Oriente Médio, a fim de evitar a escalada do conflito entre Israel e Hamas e de buscar um entendimento que permita a estabilização política, econômica e militar na região.

Os altos custos do apoio militar para a Ucrânia e a aproximação da eleição presidencial nos EUA, com forte impacto negativo para a candidatura de Biden, são agravados, no curto prazo, pela multiplicação dos incidentes militares, com o risco de a situação sair do controle, e pela necessidade de garantir a segurança de Israel e a viabilização do Estado palestino.

Com esse pano de fundo, o governo de Washington lançou um balão de ensaio com o vazamento de um esboço de proposta por meio de comentários no The New York Times e na The Economist, com grande repercussão.

Segundo se noticia, estaria havendo conversas sigilosas no sentido de viabilizar um amplo plano de paz – hoje de difícil aceitação por todas as partes envolvidas –, mas que poderá, com concessões de todos, tornar possível vislumbrar uma luz no fim do túnel, caso a posição do governo norte-americano se mantenha firme e os entendimentos se intensifiquem.

Assim, a política dos EUA em relação à região parece estar evoluindo. O presidente Biden anunciou inéditas sanções contra colonos israelenses que promovem violência contra palestinos na Cisjordânia. Thomas Friedman, no The New York Times, prevê uma nova “Doutrina Biden” para o Oriente Médio. As linhas principais desta nova política americana passariam por uma atitude firme em relação ao Irã, por uma forte pressão sobre Israel, para que aceite a criação de um Estado palestino, e pelo fortalecimento da aliança com a Arábia Saudita, que reconheceria diplomaticamente Israel. The Economist acrescenta que, em meio a intensa ação diplomática, liderada por EUA e Arábia Saudita, o plano estaria tomando forma, a partir das negociações para a libertação dos reféns em poder do Hamas (Netanyahu recusou a última proposta do Hamas), para modificar a política interna israelense e permitir a possibilidade de criação do Estado palestino.

O primeiro passo seria uma posição dura em relação ao Irã, incluindo uma retaliação militar robusta contra aliados e agentes do Irã na região (Houthis, Isis e outros grupos) em resposta às mortes dos três soldados americanos numa base na Jordânia, por um drone aparentemente lançado por uma milícia pró-Irã ativa no Iraque. O segundo eixo consistiria numa iniciativa diplomática sem precedentes, para promover um Estado palestino, que envolveria alguma forma de reconhecimento pelos EUA de um Estado palestino desmilitarizado na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, que passaria a existir somente depois que os palestinos tivessem desenvolvido um arcabouço de instituições definidas e críveis, assim como capacidades de garantir que esse Estado seja viável e incapaz de ameaçar Israel. O governo norte-americano estaria mantendo consultas dentro e fora do governo americano a respeito das diferentes formas que este reconhecimento do estatuto de Estado dos palestinos poderia assumir. O terceiro eixo seria uma aliança de segurança ampliada dos EUA com a Arábia Saudita, que também envolveria a normalização das relações dos sauditas com Israel, com reconhecimento mútuo e com garantias de segurança respaldadas pelo governo norte-americano. Seria a retomada dos entendimentos entre a Arábia Saudita e Israel (acordo de Abraão) para o reconhecimento do Estado de Israel, se o governo israelense estiver preparado para aceitar um processo diplomático que leve à criação de um Estado palestino desmilitarizado, liderado por uma Autoridade Palestina fortalecida.

A primeira fase está em curso com os ataques dos EUA aos grupos terroristas no Iraque, na Síria e no Iêmen. Como nem os EUA, nem o Irã, nem os países do Golfo querem uma escalada da guerra na região, a fase inicial teria de ser concluída com o controle dos grupos terroristas financiados por Teerã. As conversas reservadas entre EUA, Arábia Saudita, Irã e Israel mostrarão se as duas etapas seguintes da estratégia serão viáveis a médio prazo.

O ataque terrorista de 7 de outubro contra Israel e seus desdobramentos estão forçando uma reformulação fundamental na maneira como a questão do Oriente Médio deve ser tratada. Se vencer as resistências, a “Doutrina Biden” produzirá um equilíbrio geopolítico e políticas domésticas mais seguras. Essa estratégia poderia dissuadir o Irã, tanto militarmente quanto politicamente, ao tirar a carta palestina de Teerã. Poderia promover o estatuto do Estado palestino em termos consistentes com a segurança israelense e, simultaneamente, criar condições para a normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita, em termos que os palestinos possam aceitar. Mas, para que a questão seja bem-sucedida, é indispensável que esses três eixos estejam assegurados e interconectados. O plano promete uma nova arquitetura econômica e de segurança no Oriente Médio. Essa estratégia poderia se tornar o maior realinhamento estratégico na região desde o tratado de 1979 em Camp David.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 13 02 2024



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