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NÃO SE INSULTA UM TORNADO
Acadêmico: José Renato Nalini
Todos os grandes líderes do Século XX admiravam o francês Charles De Gaulle.

Não se insulta um tornado

O General Charles De Gaulle se opôs à entrada da Inglaterra na Commonwealth, porque a considerava pouco europeia e muito mais ligada aos Estados Unidos do que aos países do Velho Continente.

Harold MacMillan, Primeiro Ministro Britânico frustrado em sua missão de convencer o imbatível francês, enxergou na postura de De Gaulle algo que o fez recordar o que já testemunhara: tudo “terrivelmente parecido com os anos 1930: cuidado com Hitler”.

Muitos chefes de Estado consideravam De Gaulle um louco. Num telefonema depois do veto dele, John Kennedy e MacMillan tinham chegado à conclusão de que o presidente francês “ficou maluco...absolutamente maluco”. O Embaixador americano na França, numa reunião em julho de 1963, achou De Gaulle “afável, apesar de mais doido que nunca em sua abordagem da política mundial”. Essa observação estranha levou o Ministério das Relações Exteriores a se indagar se “o embaixador também não está ficando maluco”.

No encontro seguinte, o Embaixador Dixon comentou: “Apesar do virtuosismo da performance, não pude deixar de me lembrar do excêntrico filósofo da peça de Aristófanes, andando pelo ar e pensando a respeito do sol”. Os americanos e suas preocupações com tudo o que acontece no mundo, quiseram investigar a fundo o que havia. Um funcionário do Ministério das Relações Exteriores chegara a informar, em fevereiro de 1963, que nos meios médicos de Londres vinha sendo seriamente debatido se o general De Gaulle não estaria padecendo dos estágios avançados de uma sífilis contraída em Londres durante a guerra. Nietzsche e Maupassant eram citados como portadores de sintomas similares.

Britânicos e americanos consolavam-se com a ideia de que De Gaulle estava idoso e não duraria para sempre. Alec Douglas-Home, secretário do Exterior Inglês, achava conveniente “atravessar uma tempestade que deve amainar aos poucos, quando De Gaulle desaparecer”. Os americanos também não queriam confronto direto. O conselheiro de John Fitzgerald Kennedy, Arthur Schlesinger, afirmou: “Não adianta insultar um tornado”. E complementou, logo após à entrevista em que De Gaulle vetou a entrada da Inglaterra na comunidade europeia:

“A impressão anglo-americana dominante sobre De Gaulle é a de uma figura inflexível, imperial, messiânica, indiferente às táticas e preparado para esperar até que o resto do mundo concorde com ele. Nada pode estar mais errado. Os registros mostram que De Gaulle é um dos políticos mais exímios, flexíveis e habilidosos do século XX. Só um homem com o reginado senso de oportunidade e a iniciativa de De Gaulle seria capaz de lidar com Roosevelt e Churchill durante a guerra e sair incólume: ele sempre soube até onde podia pressionar em defesa dos interesses da França sem levar os anglo-saxões ao ato final de destituí-lo do seu poder e colocá-lo na prisão”.

Schlesinger observara o comportamento de De Gaulle durante a crise argelina e acrescentou: “De Gaulle, o político, ocultou suas intenções durante algum tempo por trás de uma cortina de fumaça de frases enigmáticas, pronunciamentos oraculares e fórmulas técnicas. Trabalhou com frieza, inteligência e perseverança para atingir o objetivo que escolheu. Como alguém certa vez disse a respeito de Martin Van Buren, “ele rema para o seu destino com remos silenciosos”.

Quem se debruça, com real interesse, sobre a biografia de Charles De Gaulle, concluirá que seus remos não eram tão silenciosos assim. Todos os grandes líderes do Século XX admiravam o francês. Kennedy exasperava-se com De Gaulle, mas era intelectualmente fascinado por ele. Após o assassinato de Kennedy, em 22.11.1963, De Gaulle foi ao sepultamento e esteve com Lyndon Johnson, com quem só estaria novamente em 1967, no enterro de Konrad Adenauer.

Uma coisa era certa: em qualquer assunto relativo à política, o precário equilíbrio de De Gaulle, entre emoção e razão, pendia sempre para o lado da emoção. Foi por isso que, em 27 de janeiro de 1964, comunicados curtos, divulgados simultaneamente em Paris e Pequim anunciaram que a França tinha reconhecido a República Popular da China, cujo regime se instaurara em 1949. Ao comunicar aos franceses a decisão, proferiu autêntica aula sobre os mil anos de história chinesa e confirmou o que antes já adiantara: “O interesse do mundo será, mais dia, menos dia, falar com eles, conviver com eles, permitir que saiam de trás da sua muralha”.

Visão de estadista, que enxerga onde está o interesse de sua nação e de seu povo. Quantos hoje poderiam ser comparados a ele?

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 27 01 2024



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