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DESPOLITIZAÇÃO DA JUVENTUDE
Acadêmico: José Renato Nalini
Aderir à política é a única fórmula para aprimorar o convívio e para conferir qualidade à democracia que se almeja.

Despolitização da juventude

A política nos domina, nos submete, nos encarcera num labirinto burocrático invencível. Nada obstante, ela não merece a devida atenção, principalmente por parte dos moços. Estes mergulham nos interesses imediatos e ditados pela sensualidade e por aquilo que se convencionou chamar “gosto de viver”, que é se deixar levar por momentâneas sensações. Nem se pode falar em “paixão”, que esta é arrebatadora e intensa. Não. O que os jovens fazem é participar de “galeras”, frequentar “baladas”, álcool e fumo em excesso, às vezes o sexo também.

É melancólico observar a vigília que se faz nas proximidades dos estádios em que se realizam shows de celebridades, milhares a aguardar a abertura das bilheterias, comparada com a inércia diante de temas fundamentais ao futuro da nação.

Dir-se-á que há um generalizado descrédito em relação à política partidária. A proliferação de partidos, que já não constituem parcelas do pensamento em busca de alternativas para tornar a vida cidadã melhor, menos complicada e menos dispendiosa, é fenômeno que faz parte dessa descrença. Os partidos se assemelham, servem para acolher os interessados em fazer da política uma profissão. Para sustentar seus integrantes, ávidos de mais verba para cada eleição bienal.

Essa “despolitização” verificou-se também na década de sessenta do século passado na gloriosa França. Houve uma implosão de partidos quase todos iguais. Os pensadores enxergavam nesse quadro uma realidade preocupante. Mas o general Charles De Gaulle parecia tranquilo. Quando, pela primeira vez, foi ao Parlamento, na condição de primeiro-ministro, afirmou: “Os indivíduos querem cuidar da vida; são absorvidos por problemas pessoais e de família. É bom que seja assim. O cidadão comum, verdadeiro democrata, desenvolve para si mesmo, em silêncio, um juízo sobre o governo do país e, quando consultado a intervalos regulares para a eleição de um deputado, por exemplo, exprime o seu acordo ou desacordo. Depois disso, como é normal e saudável, volta para as suas preocupações”.

Será mesmo saudável esse descompromisso em relação à coisa pública? Não seria possível falar-se em “despolitização”, em período de tamanha intensidade, com as mudanças climáticas ameaçando a subsistência da humanidade e de toda outra e qualquer espécie de vida. Com guerras envolvendo tantos países, com a fome atormentando milhões até nos “celeiros do mundo”, com a violência recrudescendo, a criminalidade ganhando cada vez maior espaço e sobrepujando a ficção de um Estado onipotente e soberano.

Não é possível ignorar tudo isso e dizer como De Gaulle, numa conversa na televisão com Michel Droit, no segundo turno das eleições presidenciais de 1965: “A França é como uma casa de família. A dona de casa quer uma geladeira, uma máquina de lavar e, se possível, um carro. Isto é mudança. Mas, ao mesmo tempo, não quer o marido saindo para farrear, os filhos botando os pés na mesa e as filhas chegando à hora que bem entendem. Isto é ordem. A dona de casa que progresso, mas não quer o caos. Ora, o mesmo se aplica à França. Ela quer progresso, mas não a bagunça”.

Sessenta anos depois, poder-se-ia dizer o mesmo sobre o Brasil? As pessoas querem tranquilidade e bem-estar. São conservadoras em sua maioria. Mas não querem se empenhar na racional escolha de seus mandatários. Nem mesmo os universitários, cuja atuação política, seja no Segundo Império, seja na República, era fomentador de um sentimento legítimo de indignação, gerador de revolta e suficiente para mudança de rumos.

O que se vê hoje é uma desalentadora passividade. Em Universidades que são nichos de excelência, a frequência e a assiduidade quase sempre deixam a desejar. Greves incompreensíveis por fatos que não dizem respeito à categoria, nem se incluiriam dentre as grandes questões nacionais. Vandalismo e quebra-quebra, piquetes armados com o mobiliário da Universidade, pago com o suado dinheiro de um contribuinte exaurido em sua capacidade de sustentar a inflada e paquidérmica estrutura estatal.

Sem aderir à política, ainda hoje a única fórmula para aprimorar o convívio e para conferir qualidade à democracia que se almeja, não se vislumbra qualquer possibilidade de se edificar um Brasil melhor. Aguardar que o tempo solucione questões que dependem da vontade humana é aceitar um nefasto fatalismo e desistir de impor rumo e ritmo à própria única, frágil e efêmera existência.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 25 01 2024



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