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VIOLÊNCIA E CRIME ORGANIZADO, PROBLEMA REGIONAL
Acadêmico: Rubens Barbosa
Estamos convivendo com uma violência inédita. Por isso, é fundamental que os países deem uma resposta para além de suas fronteiras

Violência e crime organizado, problema regional

Por muito tempo a América Latina era conhecida por revoluções, pela violência política, por golpes de Estado, por regimes militares, por ditaduras folclóricas. Mais recentemente passou a ser vista como a região mais violenta do mundo, com forte presença do crime organizado, executado por grupos altamente sofisticados no Brasil e em vários países vizinhos. Os criminosos disputam o controle da produção de cocaína e outras drogas, seu transporte para os EUA e Europa e sua distribuição em todos os países da região. Não só a droga é objeto do comercio ilegal. O contrabando de armas, minérios e de pessoas vem agravando esta já difícil situação.

México, América Central, Colômbia, Peru, Bolívia, Venezuela, Paraguai, Equador e Brasil, em maior intensidade, e outros poucos países, se veem envolvidos num problema crescente de consumo e distribuição, o que tem acarretado um dramático aumento da violência interna. A guerra dos diferentes grupos aumentou nas ruas e nas prisões. O caso do Equador, que passou a ser disputado por gangues de diversas origens como país de passagem e transporte, ganhou repercussão global.

No Brasil, o problema não é recente e cada vez mais foge do controle das autoridades pela infiltração do crime organizado nos órgãos de Estado, municipais, estaduais e federais, no Legislativo, Judiciário e Executivo, como se vê diariamente nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e outros Estados do Nordeste e na Amazônia. A crescente força das milícias soma-se e se funde com o crime organizado, com atuação crescente também no exterior.

O Brasil pode perder a soberania na Amazônia, não para qualquer outro país, mas para o crime organizado, como ocorreu na Colômbia durante a guerra contra as Farcs, quando grandes extensões do país eram controladas pela guerrilha, associada ao tráfico de droga. Não é muito diferente do que ocorre hoje em certas partes da Amazônia e nas favelas do Rio de Janeiro.

A ausência efetiva do Estado permite que, na Amazônia, o garimpo ilegal e o desmatamento avancem e os grupos criminosos controlem partes da região, sem capacidade de reação das autoridades constituídas, com total desrespeito às comunidades indígenas e habitantes locais. Os recursos são insuficientes e não se nota vontade política para a necessária defesa da extensa fronteira terrestre e marítima até aqui por parte dos governos brasileiros.

O Brasil, como o maior país da região, não pode ficar imobilizado sem políticas públicas internas e externas para tentar influir e controlar a situação de modo a reduzir a violência. Espera-se que a questão da segurança tenha toda a prioridade do novo ministro da Justiça na área interna e que o Itamaraty possa tomar a iniciativa de coordenar uma ação externa que responda aos interesses nacionais.

O Brasil não pode continuar a ter um papel secundário ou se omitir por não reconhecer publicamente a dimensão política e econômica do problema, sendo hoje um dos mais países mais atingidos pela violência do crime transnacional. Com fronteira com todos os países afetados, à exceção do Equador, e representando quase 50 do território sul-americano, é mais do que a hora de o Brasil liderar um movimento no sentido de negociar, com urgência, uma convenção interamericana contra a violência e contra a criminalidade transnacional ligada à droga e ao tráfico de armas, de pessoas e de outras formas de ilícitos. A Convenção Internacional do Ópio, o primeiro acordo global para combate à droga, assinado em 1912, poderia servir de exemplo.

Os países andinos já deram os primeiros passos nesse sentido. Por sugestão do Equador, os ministros das Relações Exteriores e de Segurança dos países-membros da comunidade andina (Equador, Bolívia, Colômbia e Peru) concordaram em se reunir para adotar medidas concretas e efetivas para combater o flagelo do crime organizado transnacional. O ministro das Relações Exteriores do Peru informou que a primeira prioridade da reunião será estabelecer uma base de dados atualizada de pessoas com antecedentes penais em todos os países participantes. Atualmente os países andinos têm acordos bilaterais para intercambiar informações, mas não contam com uma base de dados regional. Outra medida proposta será a coordenação das atividades de patrulha fronteiriça para que grandes áreas ao longo de suas fronteiras não fiquem desguarnecidas e sem proteção. Estamos convivendo com uma violência inédita que afeta toda a população e, por isso, é fundamental que os países deem uma resposta para além de suas fronteiras.

Além do pedido de ajuda aos EUA, feito por vários países, caso o Brasil decida liderar a negociação da convenção interamericana para conter a violência e o tráfico de droga, Washington também deveria ser convidado a participar. Vale ficar claro que, em última instância, a crescente narcoviolência latino-americana e o consequente aumento da imigração ilegal para os EUA e Europa não serão controlados a menos que o consumo de droga seja combatido e reduzido nos países consumidores. O simples combate às máfias da droga na região não levará a lugar algum.

Com a palavra o governo Lula, por meio do Ministério da Justiça e do Itamaraty.
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Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e membro da Academia Paulista de Letras. 

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 23 01 2024



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