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FISCO FAMÉLICO
Vivemos no país em que a fome do fisco é sistêmica. Uma das maiores cargas tributárias do planeta.

Fisco famélico

Vivemos no país em que a fome do fisco é sistêmica. Uma das maiores cargas tributárias do planeta, com ônus aflitivo consistente em burocracia invencível e transferência ao contribuinte daquilo que a Receita deveria fazer. Exige-se do cidadão, ele próprio ofereça o seu pescoço a prêmio.

Se isso nem sempre foi assim, ao menos esteve presente durante a maior parte da História. Tanto que a Inconfidência Mineira, o mais expressivo movimento destinado a romper a submissão brasileira a Portugal, tinha a “derrama” como inspiração motivadora.

Rodrigo Octávio, ao romancear a vida de Felisberto Caldeira Brant, relata como era a vida no Tejuco, povoação que surgiu com a descoberta de diamantes, assim que Portugal percebeu que, além de ouro, a colônia poderia fornecer essa cobiçada preciosidade.

Ao encontro diamantífero seguiu-se praticamente uma nova era de calamidades para os brasileiros. Isso porque “era senhor de Portugal, então poderoso reino colonial, um príncipe degenerado, aflito às incontinências excessivas da beatice e da sensualidade”.

Quanto mais se explorasse o Brasil, melhor para a Corte perdulária e ociosa. “Para o desperdício do governo desregrado de D. João V, já não bastava o que rendia a porcentagem do ouro. Era preciso mais ainda. E assim, foi momento de intenso gáudio aquele em que, desfeita a passageira ilusão das esmeraldas, teve certeza o Rei de que a prodigiosa terra do Brasil, também guardava, no seio ubérrimo, opulentas jazidas diamantinas”.

A submissão formal aos ritos fez com que Sua Majestade mandasse “que os cônegos da Sé patriarcal rezassem, com pompa nunca vista, uma novena em intenção da alma de Pedro Álvares Cabral, o súdito benemérito”. Mas isso não era suficiente para suprir o luxo de um depauperado erário real.

Os áulicos, sempre rondando o poder, aconselharam o Rei a que coartasse a extração dos diamantes, para evitar a decadência e esvaziamento do tesouro. Assim foi que ordens positivas e rigorosas foram expedidas para a colônia e a repercussão dolorosa e acabrunhadora dessa violência se fez sentir no condenado arraial do Tejuco.

Carta Regia de 16.3.1751 ordenou ao Ouvidor Geral da Vila do Príncipe, “o despejo imediato das lavras diamantinas de toda a pessoa, de qualquer condição que fosse, que nelas minerasse, embora aí tivesse habitação e família estabelecida, sob pena de dez anos de degredo para Angola e confisco de todos os bens para a Real Fazenda”.

Os brasileiros não eram cidadãos. Eram súditos coloniais de Sua Majestade e sua corriola estéril. Embora perplexos ante o excessivo rigor do novo regime, eles se deixaram timidamente espoliar. “Contra a fatalidade brutal dessas resoluções não havia remédio; era mister curvar a cerviz, com submissão e humildade, que maior desgraça era, por certo, o desterro para as plagas assassinas da África e o confisco dos primeiros haveres acumulados”.

Só que o remédio foi muito amargo. A execução pura e simples das ordens reais condenaria Tejuco à absoluta inação. A improdutividade imposta ao fértil distrito reduziria os lucros da Coroa. Ela teve de flexibilizar o comando, mas, simultaneamente, impôs praxes que garantiram a completa arrecadação da parte leonina. Introduziu normas e praxes muito semelhantes às do fisco atual. Estabeleceu-se o tecido de iniquidades e torpezas que a opressão e a prepotência mais irracionais não teriam coragem de adotar, para vexame e miséria dos povos.

Sob a falácia de se permitir as lavras, para se poder minerar nelas era preciso disputar em público leilão a área a ser explorada. Fixou-se um mínimo de preço, já exorbitante e que impossibilitava a concorrência. Além do preço da arrematação, paga o mineiro uma captação por escravo que trabalhava nas lavras. Em 1730, era de 5 mil réus. Em janeiro de 1734 já era de 40 mil réis.

Crescia qual câncer e avultava em proporção desesperada, a gananciosa cobiça da fazenda real. A imaginação dos ministros não parava de trabalhar. Seguiram-se ordens de separar, para o fisco, 30 braças dos melhores terrenos nas zonas de novas descobertas. E para o Erário iriam todos os diamantes que pesassem mais de vinte quilates.

Quem contraviesse tais ordens era exemplar e severamente punido. E a metrópole ainda não estava contente. Como, em regra, não ficam contentes os governos, que procuram disfarçar sua ineficiência com taxação cada vez maior e mais abusiva. Ainda bem que hoje isso já não acontece.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 19 12 2023



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