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UMA FICÇÃO DISPENDIOSA
Acadêmico: José Renato Nalini
Um dos mitos sacramentados em nossa coleção de falácias, é a de que o concurso público de provas e títulos é a melhor forma de recrutamento de quadros para as carreiras estatais.

Uma ficção dispendiosa

O bicho-homem gosta de se enganar. Vive nutrindo ficções. E acredita nelas, a ponto de se convencer e se fanatizar.

Um dos mitos sacramentados em nossa coleção de falácias, é a de que o concurso público de provas e títulos é a melhor forma de recrutamento de quadros para as carreiras estatais.

Parte-se de uma saudável inspiração: via democrática, pois permite o acesso de todos às provas e via aristocrática, pois só os melhores serão aproveitados.

Balela! A proliferação de cursos universitários que oferecem diploma, porém não conseguem superar a falha inicial de letramento dos cursos fundamental e médio, fez com que a cada certame dezenas de milhares de candidatos se apresentem.

Daí, as instituições interessadas na seleção transferem a entidades a chamada “prova preambular”. Evidentemente, de múltipla escolha.

É desalentador verificar, no dia da prova, os milhares de interessados e depois constatar que talvez os melhores tenham sido eliminados por essa peneira.

Em seguida, entrega-se a continuidade das provas a uma comissão ad hoc. Indivíduos bem intencionados, mas completamente alheios à ciência do recrutamento, jejunos em RH, em psicologia do trabalho, em análise de personalidade, fazem as provas que são, na verdade, a aferição da capacidade de memorizar.

Quando penso que na Magistratura o CNJ proibiu a entrevista pessoal, vejo-me levado a indagar: será que a iniciativa privada recrutaria um CEO, um Executivo, um quadro especializado, sem conversar com ele?

O resultado dos concursos é uma loteria. Alguns são vocacionados e, por sorte, conseguiram aprovação. Outros decoraram o programa e passaram. E não têm vocação. Não gostam do que fazem. Têm ojeriza a resolver problemas. Não gostam de gente. Uma lástima.

Quando vejo que os concursos públicos federais serão menos focados na memorização de conteúdo e deverão captar outras habilidades dos candidatos, como capacidade analítica, vejo que nem tudo está perdido nesta Terra de Santa Cruz.

O ensino básico já negligenciou as habilidades socioemocionais e o resultado é uma geração que não sabe ler, não gosta de ler e não quer ler. Analfabetismo estrito senso, analfabetismo funcional, analfabetismo digital e analfabetismo do monoglota que sequer conhece o seu idioma.

Ainda bem que existe um resquício de lucidez no Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, com a mentalidade de modificar o “decoreba” para uma seleção capaz de capturar outras habilidades, capacidade cognitiva e muito mais do que o ferramental básico.

Há muito tempo sustento que os concursos públicos de provas e títulos para as carreiras jurídicas estatais estão defasados. Já cumpriram com o que se reclamava deles. Mas agora é o momento de selecionar gente capaz de enfrentar o inesperado, com boas práticas na comunicação, na empatia, na sensibilidade, indivíduos que possam ser convencidos de que o servidor público está à disposição de quem paga por seus serviços: a população.

Não é possível que um servidor público que recebe a maior remuneração que o Estado consegue pagar, seja omisso em suas obrigações, seja negligente, seja desrespeitoso para com aquele que necessita de seus serviços. Não aja de acordo com o convencimento que deriva da Constituição da República de que o Estado está a serviço do povo, o único titular da soberania.

Se há cargos que usufruem da dicção consagrada de que exercem função soberana, é de se recordar a seus titulares que o único titular da soberania é o povo. Todos os demais agentes são servos do povo, não seus patrões.

Tomara que o novo sistema de concurso público venha a convencer o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria, as Procuradorias, de que o concurso como é hoje realizado não está a satisfazer as necessidades do povo brasileiro. Servidores dispostos a trabalhar com afinco, sem reclamar de remuneração, sem se lamuriar e se lamentar, é disso o que o Brasil precisa. Pois ninguém é servidor de forma compulsória. Quem acha que ganha pouco deve se aventurar na vida privada. Verá como as coisas são para quem não tem hollerith, contracheque e outras vantagens hoje tão desprezadas por parte dos que ocupam esses cargos.

Vamos para a seleção de quem quer trabalhar de fato. Será algo menos dispendioso e muito mais benéfico para atender ao povo brasileiro.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 20 12 2023



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