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TANTO FAZ
Acadêmico: José Renato Nalini
Uma pena que para a maioria dos brasileiros, tanto faz como tanto fez que milhares de espécies deixem de existir.

Tanto faz

O ecologista é um ser também ameaçado. Como se importar com flora e fauna, se há tantas outras fragilidades escancaradas a exigirem reação dos humanos?

Por que se importar se 1.253 espécies animais irracionais brasileiras estão próximas à extinção?

Assim como não me interessava o "mico-leão", por que me preocupar se desaparecerão a "ave soldadinho-do-araripe", o peixe cambeva-minhoca-do-ribeiro, o papa-vento da chapada, o aruá-do-mato e o sapinho do Itambé?

Boa parte da biodiversidade está na plataforma online lançada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ela se chama Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade e a sigla, ironicamente, é SALVE. Pode ser acessada pelo site https://salve.icmbio.gov.br.

Ela reúne informações sobre quase quinze mil espécies da fauna brasileira, o que deveria estimular estudos preservacionistas, em lugar de multiplicar carreiras que não se preocupam com o desastre que a omissão, tanta vez criminosa, está acelerando para esta exuberante biodiversidade tupiniquim. Tão rica e tão desconhecida pelos próprios brasileiros.

O mundo inteiro olha com angústia o que ocorre na Amazônia e em outros biomas desta nação privilegiada, mas habitada por maioria insensível. Não fora assim e a própria sociedade exigiria daqueles que são sustentados com os escassos recursos gerados por um contribuinte espoliado, sob a carga tributária mais pesada do planeta, honrassem seus mandatos. Afinal, o governante é um servo da cidadania. Esta, fruto de uma educação deficiente, rústica e na maior parte ignorante, se utiliza dos recursos naturais como se fossem inesgotáveis. O resultado é aproximar-se a Amazônia de um irreversível ponto de inflexão. A partir daí, savanização e desertificação. Com as consequências já anunciadas pela ciência e que atingirão a humanidade toda, não apenas os amazonenses.

Não estão em melhor situação os demais biomas. O Cerrado sofreu uma devastação imensa. A Mata Atlântica idem. O Pantanal – pasmem! – pegou fogo. Os Pampas degradados. E o mar então? O plástico é mais abundante do que o peixe e micro partículas de matéria plástica já foram encontradas no coração de humanos que necessitaram de intervenção cardíaca.

O trabalho do ICMBio tem por finalidade não só fornecer a informação, para que ninguém alegue desconhecimento, mas ainda usá-la como instrumento de política pública. Uma cidadania consciente não permitiria a continuidade da extinção das espécies. E o trabalho da plataforma teve início em 2016, com apoio do Projeto Pró-Espécies, financiado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente, cuja sigla em inglês é GEF – Global Environment Facility Trust Fund, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e implementado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade – Funbio e WWF-Brasil.

Como sempre e em quase todos os assuntos, somos pródigos em normatizar, em criar estruturas, em discursar com palavras edificantes. Somos miseráveis na prática. Em lugar de nos valermos da condição de campeões da biodiversidade, continuamos a matar onça-pintada, onça-parda, a oferecer arraias e peixes dos quais restam poucos exemplares no Mercadão de Manaus. Inconsciência absoluta. Até as abelhas estão se acabando, de tanto herbicida tóxico utilizado no Brasil, embora proibido no país de origem, onde – para seus habitantes – há consciência ambiental.

Uma pena que para a maioria dos brasileiros, tanto faz como tanto fez que milhares de espécies deixem de existir. Um dia será a própria humanidade que se extinguirá. E não haverá quem lamente essa desaparição.

Publicado no Jornal de Jundiaí, em 01 10 2023



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