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O ÚLTIMO CAUDILHO
Acadêmico: José Renato Nalini
Os inimigos de José Gomes Pinheiro Machado diziam horrores sobre ele, declarando-o sanguinário e ladravaz.

O último caudilho

José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915), se não nasceu em Itapetininga, de acordo com a lenda, pelo menos descende de família de lá. Há quem afirme que, para remoçar e apresentar-se como gaúcho, diminuiu três anos em sua idade. Com isso, fez coincidir seu nascimento com a data em que seus genitores já habitavam São Luiz, no Rio Grande do Sul.

Sua família não era nobre, formada pela mescla de sangue plebeu de um luso com o de uma índia guarani. Gomes pela mãe, Pinheiro Machado pelo pai, este bacharel por São Paulo, o que significa certa abastança. Atribuía-se ao pai haver encontrado fórmula de escamotear um fazendeiro amigo, que se vangloriava de nunca ter sido furtado em uma rês. A ideia foi calçar botas no novilho subtraído ao curral, para servir a um churrasco. A vítima não encontrou rastros do animal e participou da festa. O pai do General ficou conhecido como “Boi de botas”.

José Gomes Pinheiro Machado também cursou a São Francisco. Não foi brilhante, mas adquiriu fama de valente. Tanto que alegava participação na Guerra do Paraguai. Não tinha ideia bem nítida do que fosse a República. Mas aderiu a ela por ser contrário à monarquia, além da anexação da província do Rio Grande ao território nacional. Sempre pensava que sua terra deveria se desprender do Brasil. Além disso, seu parente Venâncio Aires era republicano. A sorte o favoreceu. Na revolução federalista de 1842, lutou ao lado do governo federal e se tornou liderança local.

Seus inimigos diziam horrores, declarando-o sanguinário e ladravaz. Seus serviços de campanha o elevaram enormemente perante a Nação. Tomando assento no Senado da República, era o famoso General Pinheiro Machado. Amigo de Floriano, conspirou contra Prudente de Morais. Anulado Glicério, o General das 21 brigadas, animou-se a ser chefe. Não era inferior a Glicério, que comandara galhardamente as 21 Brigadas.

Entusiasmou-se pela possibilidade de chefiar um partido. Pôs-se a pensar: “Dirigir um partido, governar um povo! Que há nisto de sobreumano? Não governo eu, porventura, a minha estância, com acerto, sobrando-me tempo e reflexão para fazer bons negócios, em que nunca saio perdendo? Aceito a chefia e serei mais chefe, mais dono, mais mandão do que o Glicério – que os gaúchos são os primeiros homens de todo o Brasil. É preciso, sobretudo, que quem mande seja eu, e só eu, tal qual na estância. Terei auxiliares, homens de confiança – que a gente não pode saber tudo. Na estância também os tenho, um para cada especialidade. E, afinal, o país é uma grande estância, o povo é o gado que a gente esfola, tosquia, carneia, encilha, cavalga; os deputados, senadores, ministros, altos funcionários, são os capatazes, os peões; eu serei o dono, o estancieiro; conferenciarei com os meus capatazes, darei ordens, que estes farão cumprir à risca”.

Investido nas funções de chefe de partido, começou o General Pinheiro, ardiloso e sagaz, por chamar junto a si os homens que estavam em condições de lhe prestar serviços, orientando-o sobre as coisas da política nacional, “que a gente não pode saber tudo”. Aos adversários de valor, tratava com cavalheirismo e servia desinteressadamente, dispensando-lhes cortesia. Senhor da situação, não lhe foi difícil chamar aos seus antigos inimigos para junto de si. Foi assim que teve como amigos seus, da maior intimidade, entre outros, Rui Barbosa e Alexandrino de Alencar.

Bem cercado, só havia um embaraço: eram as eleições. Mas ele queria ser o único eleitor. Embora elas continuassem a existir, a última palavra seria dele. Os fatos provaram, categoricamente, que em verdade era assim. Em todo o país, houve a certeza de que a eleição no Brasil não passava de simples burla ou farsa dispendiosa. Não se disputava pleito junto aos eleitores, mas perante o chefão.

Era um espetáculo deprimente ver cabeças encanecidas se humilhando para obter o seu beneplácito. Apenas a Imprensa o não louvava. Logo se tornou odiado. Rasgou o diploma de Senador por Alagoas conferido a J.J.Seabra e, depois, obtido por José Bezerra no Pernambuco. Crescia a tendência à eliminação do tirano. Tanto que, ao saber de seu assassinato, o comentário corrente era: - “Que alívio! A terra lhe seja leve, com o Pão de Açúcar em cima...”.

Contam que Wenceslau Braz, indignado contra Manso Coimbra, foi até à detenção e, diante da cela do homicida, exclamou: - “Bandido! Hei de levar-te à forca, miserável! Eu mesmo é que quero estrangular-te com estas mãos, para vingar a morte do meu melhor amigo!”.

Em seguida, gritou: - “Saiam! Saiam todos daqui, pois quero falar a sós com este bandido!”.

Assim que lhe deram as costas, atirou-se, de cara alegre, sobre Manso Coimbra: - “Venho trazer-te num abraço os meus aplausos, grande cidadão e preclaro amigo! Livraste-me daquela peste! Vê lá o que queres, que nada te faltará!”.

E isso é explicável. Quando um homem atinge a culminância do poder e abusa, cria em torno de si legiões de inimigos. Não pelo mal que lhes haja feito, mas por inveja e despeito. É biológico. Todo organismo vivo pende, naturalmente, para a destruição dos outros organismos que o sobrepujam em vitalidade. Tiranetes de nossos dias não aprendem com a história. Esta se repete, quase sempre como farsa ridícula e medíocre.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 09 10 2023



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