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BIAS FORTES, O RAPTOR
Acadêmico: José Renato Nalini
O juiz Bias Fortes combinou com a sua amada um rapto. Destemidos e abnegados amigos dele se prontificaram a acompanhá-lo na empreitada.

Bias Fortes, o raptor

Mineiro de Barbacena, Chrispim Jacques Bias Fortes (1847-1917) formou-se em Direito na São Francisco (1870), foi promotor e juiz e em 1879 ingressou na política. Foi deputado provincial, senador, presidente da Província de Minas a convite do Marechal Deodoro e depois eleito governador de seu Estado. Mudou a capital de Curral d’el Rey para Belo Horizonte. Deixou uma dinastia.

Mas em sua biografia existe um fato pitoresco, relatado por Simão de Mantua, no livro “Figurões vistos de dentro”. Como era esbelto, cavaleiro elegante, em sua mocidade conquistava corações. Apaixonou-se por uma jovem cujos pais eram abastados e faziam muita questão da branquitude.

Levaram o flerte na brincadeira. “Como, minha filha, você não tem juízo? Não está vendo que ele não é para você? Então você quer mesmo desonrar o nosso sangue? Olha filha, na nossa família, que Deus me não castigue, nunca entrou sangue sujo, que, Deus louvado, o nosso é azul e bem azul”.

Essa era a admoestação da fidalga barbacenense.

Debalde. Quando a paixão incendeia dois corações jovens, eles não querem saber de que cor é o sangue que lhes circula nas artérias. Querem mais é misturar seus genes e, se tudo der certo, trazer ao mundo sangue novo.

O juiz Bias Fortes combinou com a sua amada um rapto. Destemidos e abnegados amigos dele se prontificaram a acompanhá-lo na empreitada. Só que o pai da jovem, mineiro cauteloso e que, sobretudo, não vacilava em matéria de honra familiar, no seu legítimo papel de “Custos virginitatis”, não dormia. Também chamou a seu lado amigos devotados, iguais e parelhos aos de Bias e os armou, para o exercício da legítima defesa.

Alta noite, Barbacena dormia imersa em profundo sono. Vultos esgueirantes aproximam-se da casa onde repousava a donzela. Lançam cordas, escalam a muralha. Eis senão quando, um grande tiroteio. Muitos tiros. Quando a confusão serenou, postos em fuga os raptores, o chefe da herdade indaga à sua troupe: - “Como foi? Qual o resultado da empreitada?”.

Muito solerte, o capanga-mor informa: - “O chão, Senhor Capitão, está coalhado de defuntos. O pilantra do doutorzinho foi o primeiro que eu estendi! O que fazer daqueles defuntos lá esticados?”.

- “Deixa-os lá ficar! Quero que a Justiça os veja, salteadores, desinquietadores da família!”.

Quando amanheceu, foram em busca dos cadáveres. Não encontraram um sequer. O único sangue era de um jumento que servira de montaria para a equipe assaltante do amor.

Só que o capitão insistiu em processar o juiz Bias Fortes. Foi levado a Júri e muito injuriado. A circunstância agravante era a de que o promotor, áulico do capitão, evidenciava o lado vulnerável do delinquente: a epiderme pouco clara do Dr. Bias. A acusação o chamou de cabra, bode, macaco, príncipe de Ubá.

Afora isso, nada se podia dizer do juiz Bias. Quanto ao seu caráter, era mais alvo e puro do que a consciência de uma criancinha ao nascer. Por isso e por falta de provas, foi absolvido por unanimidade. Recebido com um banquete por sua família e amigos.

Barbacena comentou durante muitos anos o que se fez à custa da epiderme do jovem Chrispim Jacques. É que o terrível acusador, se remontasse à sua origem, acharia ali, já pela altura da segunda geração, uma preta mina de raça pura. E como diz Simão Mantua: “E, afinal, nestes Brasis e para que não dizer também no mourisco Portugal – nunca foi prudente meter-se alguém em pesquisas etnológicas. O próprio Pombal com toda a sua proa não se lavaria nas águas do caudaloso Tejo de certas nódoas azeviches herdadas de uma tal preta chamada em vida Marianna da Matta. E era o grande Ministro! Imagine-se no nosso policrômico Brasil! Aqui ninguém escapa; todos mais ou menos berram!”.

Bias Fortes casou-se muito bem. Teve uma vida venturosa. Deixou prole que muito fez pelo Brasil. O impiedoso acusador, querendo mortificar ao bom Chrispim Jacques Bias Fortes, o colocou em ótima companhia. Como conclui Simão Mantua, “se até o sol, esse estupendo astro rei, que nascido em Guaratinguetá tanto tem iluminado o nosso vasto Brasil, se até ele o é, quem o não será nesta nossa Cabrália?”. Estava se referindo ao grande Rodrigues Alves, estadista insuperável em civismo e ética, também portador de sangue negro em suas artérias.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 08 10 2023



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