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O INACREDITÁVEL SETEMBRINO
Acadêmico: José Renato Nalini
A celebração do centenário da Revolução de 1924 tem de servir também para que não existam mais Setembrinos em nossa Pátria.

O inacreditável Setembrino

Os paulistas precisam se lembrar de comemorar a Revolução de Julho de 1924, no seu primeiro centenário. Por várias razões. Primeiro, porque a cidade foi bombardeada sem piedade pela artilharia governista ou legalista, que pretendia reprimir os rebeldes. Os bombardeios atingiam residências, hospitais e escolas. O governo não tinha noção de onde se encontravam os revolucionários.

Depois, porque por iniciativa de José Carlos de Macedo Soares, então Presidente da Associação Comercial, a chamada “sociedade civil” assumiu o controle da cidade, praticamente abandonada à sua própria sorte, com a fuga do presidente do Estado, Carlos de Campos.

Foi um espetáculo edificante a arregimentação de pessoas de todas as profissões e condições sociais, respondendo pela guarda municipal, pelo socorro às vítimas, pelo serviço de bombeiros. Foi a cidadania que fez São Paulo funcionar naquela tragédia.

Na verdade, essa conjugação de esforços representou verdadeiro treino para 1932, presentes os mesmos motivos que ensejaram a reação dos patriotas. São Paulo não gosta de ditadores. Quer vigência plena e observância absoluta da Constituição.

Também é preciso recordar que os rebeldes, formalmente contra a lei, eram mais éticos do que os legalistas. Estes abusaram, depredaram, vandalizaram, estupraram crianças. Saquearam São Paulo, no varejo e no atacado.

Quando alguns paulistas pediram ao presidente Arthur Bernardes que fizesse cessar o traumático ataque a uma população inerme, inocente e impotente, quem respondeu ao apelo formulado por José Carlos de Macedo Soares e do Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva foi o Ministro da Guerra, Marechal Setembrino de Carvalho.

Ao responder, em 12 de julho de 1924, a esse apelo de se não bombardear a cidade de São Paulo, ele afirmou, “devidamente autorizado pelo exmo. Sr. Presidente da República”, que “não é possível assumir nenhum compromisso nesse sentido. Não podemos fazer a guerra tolhido do dever de não nos servirmos da artilharia contra o inimigo, que se aproveitaria dessa circunstância para prolongar a sua resistência, causando-nos prejuízos incomparavelmente mais graves do que os danos do bombardeio”.

Quais seriam esses “prejuízo incomparavelmente mais graves”?

A desfaçatez e a insensibilidade setembrina não pararam aí. Ele continuou: “Os danos materiais podem ser facilmente reparados, maiormente quando se trata de uma cidade servida pela fecunda atividade de um povo laborioso. Mas, os prejuízos morais, esses não são suscetíveis de reparação”.

É inacreditável que um Ministro da Guerra compare a morte de cidadãos desarmados com os pretensos “prejuízos morais” de um governo que nunca soube o que era isso.

Essa atitude contra São Paulo, que se desenvolveu mediante o trabalho de seu povo, que recebeu de forma acolhedora imigrantes de todo o planeta, ficou muito evidente durante toda a República. Basta verificar, a partir de 1932, como se incumbiu São Paulo de ser a locomotiva, sustentar estruturas federais e de outros Estados e ter manietada a sua representação parlamentar federal. Cabe à psicologia explicar o fenômeno. Seria uma espécie de ciúmes, porque São Paulo foi o local em que o Brasil se tornou independente? Ou porque da sua Faculdade de Direito saíram os maiores e melhores talentos que a ciência jurídica já produziu?

Mas as “setembrinadas” não terminaram. O Ministro da Guerra mandou arremessar das aeronaves federais boletins determinando que a população paulistana deixasse a cidade com urgência. É preciso lembrar que dos 700 mil habitantes da capital bandeirante, 400 haviam deixado seus lares e buscado refúgio em outros municípios. Os 300 mil que restaram não podiam tomar as estradas, seja para o interior, seja para o litoral, porque as forças legalistas as bloqueavam e impediam passagem.

Tamanho o absurdo da obtusa ordem setembrina, que o próprio General Isidoro Dias Lopes, o líder da Revolução de 1924, resolveu deixar São Paulo e tomar a direção do interior, para que a carnificina cessasse. Foi mais humano do que o transitório ocupante de uma função remunerada pelo povo.

A indignação era o sentimento que acometera os paulistanos depois dessa nefanda resposta. Por isso é que, à entrada do exército legalista, no triunfo melancólico de quem já encontrou a cidade livre dos revolucionários, a população reagiu com frieza. Não reconhecia os pretensos vencedores da Revolução de 1924 como heróis. Heróis, para sorte da História de São Paulo, foram os injustiçados cidadãos que supriram a omissão covarde dos que deveriam responder pela ordem e pela defesa da capital.

A celebração do centenário da Revolução de 1924 tem de servir também para que não existam mais Setembrinos em nossa Pátria.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 26 09 2023



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