Compartilhe
Tamanho da fonte


DOCÊNCIA E VADIAÇÃO
Acadêmico: José Renato Nalini
Os alunos costumam ser cruéis em relação a seus mestres. Apelidam-nos, encontram cacoetes, reclamam dos métodos de ensino e da avaliação do aprendizado.

Docência e vadiação

Os alunos costumam ser cruéis em relação a seus mestres. Apelidam-nos, encontram cacoetes, reclamam dos métodos de ensino e da avaliação do aprendizado. Se o professor é muito exigente, é repudiado. Se muito condescendente, cai na mesma malha fina: é preguiçoso, não estuda, não faz por merecer a função que exerce.

Isso é assim, desde que o mundo é mundo. E aconteceu com os mais respeitados nomes da docência universitária. Um deles foi Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, filho do grande orador parlamentar de quem herdou o nome. Nasceu em Santos, a terra dos Andradas, em 13 de outubro de 1830.

Estudou humanidades na França, bacharelou-se em letras pelo Colégio Pedro II, da Corte. Muito boa a sua formação intelectual, portanto. Escrevia poemas e artigos satíricos, embora com pseudônimo. Também produziu folhetins humorísticos para a imprensa diária e se tornou conhecido com o pseudônimo "D. Gigadas". A primeira crônica por ele subscrita com esse nome fantasia foi publicada no Correio Paulistano d 1º de maio de 1864. Mais tarde, quando surgiu o jornal "A Província de São Paulo", depois convertido em "O Estado de São Paulo", começou a colaborar com este diário, utilizando-se do mesmo apelido.

Encerrou o seu bacharelado em Direito na São Francisco, entre 1851 e 1855 e se doutorou. Concorreu a uma vaga de lente substituto e nela foi provido, passando depois a Catedrático de Direito Comercial.

Talentoso, mas desajudado por uma proverbial e inveterada vadiação. Amigos diziam que ele precisava preparar as aulas. Ele reconhecia o acerto da admoestação, mas contava que procurou sempre estudar para ministrar a classe e responder a todas as questões formuladas. Só que uma vez, não teve tempo de preparar a locução. Procurou "encher o tempo" - já se falou também em "encher linguiça". Suas digressões oratórias agradaram tanto os alunos, que percebeu ser melhor agir assim dali para a frente.

Discípulos de seu tempo diziam que ele abusava do pretendido direito de não estudar. Não raro, além de procurar comer o tempo e prolongar os mínimos incidentes que interrompiam as preleções, ele se valia de outros expedientes. Todos com o objetivo confessado de dissimular a sua falta de preparo.

Dizia, por exemplo, que o assunto já fora proficientemente exposto por um notável doutrinador. Diante de tão clara e convincente lição, não seria possível dizer melhor, nem tão bem. Por isso, o mais acertado seria reproduzi-la textualmente. Abria sem cerimônia o livro do autor citado e passava à interminável leitura de páginas e mais páginas. Interminável, diga-se melhor, até que a sineta soasse o final da aula.

Outras vezes dava para espirrar e para assoar, vagarosamente, utilizando-se de vários lenços que trazia em diversos bolsos. Valia-se disso para fazer uma digressão médico-jocosa sobre resfriados e constipações. Esse desconforto era curável em trinta dias por meios terapêuticos e em trinta e um dias se fosse observada a lei da natureza. Lembrava de algumas anedotas sobre o espirro e pedia a opinião dos alunos. Sempre há os que preferem se distrair em lugar de ter mais matéria para estudar.

Tais simpatias oscilam com o tempo e dependem da conformação da turma. Assim, os alunos que cursaram a São Francisco entre 1862 e 1866, fizeram um protesto contra a displicência de Antônio Carlos no preparo das lições. Movimento que valeu como admoestação estéril, pois ele continuou a ser o mesmo docente relapso, embora simpático e agradável aos alunos. Jubilou-se em 1890 e passou a exercer o cargo de Inspetor do Tesouro do Estado e, depois, o de Procurador do Estado.

Em compensação à alegada deficiência professoral, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada era um homem de qualidades. Era dotado de uma grande e generosa alma e de pronunciado espírito de justiça. Nunca deixou de ter para com todos um trato delicado e, além de justo, era ferrenho abolicionista. Jubilou-se na São Francisco em 1890.

Amigo íntimo de Luís Gama, ajudou esse líder a libertar inúmeros escravos. Foi deputado à Assembleia Provincial de São Paulo nos biênios 1862 e 1863 e de 1864 e 1865. Na legislatura 1867-1868, integrou a Assembleia Geral. Faleceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1902 e foi sepultado em São Paulo.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 12 08 2023



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.