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INTRIGAS PALACIANAS
Acadêmico: José Renato Nalini
O ambiente dos palácios não corresponde ao apuro arquitetônico ou às eventuais obras de arte que eles abrigam.

Intrigas palacianas

O ambiente dos palácios não corresponde ao apuro arquitetônico ou às eventuais obras de arte que eles abrigam. Seus ocupantes são seres humanos frágeis e falíveis. O ar que se respira ali pode estar contaminado pela inveja, sentimento que habita almas em estágios inferiores de desenvolvimento. Faz com que juras eternas se desfaçam como as ingênuas construções de areia que as crianças fazem na praia. Uma onda um pouco mais robusta e lá se vai o empreendimento infantil...

A História do Brasil, se escrita à luz das intrigas, seria algo mais sedutor do que o registro de datas e de eventos considerados importantes. Só o tempo, ao consolidar os fatos, permite análise desapaixonada do que ocorreu. Por isso é que um veredito só pode ser emitido após um prudente lapso temporal.

Não escapam das intrigas nem os ungidos pela opinião pública e considerados varões de virtudes inexpugnáveis. Algo que já existiu nesta Nação, antes de sua divisão em dois times que se digladiam e escolheram o fanatismo como única maneira de manifestar o que pensam.

Um paulista que merece contínua reverência dos pósteros é Francisco de Paula Rodrigues Alves, homem que esteve na vida pública e não se corrompeu. Era um devoto monarquista, mas continuou a servir à Pátria, assim que desfechado o golpe republicano. Foi Presidente da Província de São Paulo, cargo do qual se despediu em fevereiro de 1901, para se preparar rumo ao Catete. Campos Sales o escolhera para a sucessão e, com isso, três paulistas inauguraram a fase pós-militar da novel República. Depois de Deodoro, que renunciou, assumiu Floriano, que quis permanecer na presidência e repudiou a ideia de novas eleições. Em seguida, Prudente de Morais, Campos Salles e Rodrigues Alves.

Cercado de inequívoco respeito de parte de todos os que o conheceram, obteve 591.039 votos, o que era um fenômeno. Seu sucessor, Afonso Pena, só conseguiu 288.285. Mas Rodrigues Alves era considerado "criatura de Campos Sales". Herdou um pesado espólio de ódios e malquerenças. Pois o governo do campineiro Campos Sales fora rígido, inflexível. Empenhado em sanear as finanças, desagradou os inescrupulosos e gulosos mamíferos das tetas da República.

A fama de Rodrigues Alves era a de um pacato homem do interior. Versado em finanças, não detinha experiência nacional. Parecia um submisso medíocre aos chefes Campos Sales, Glicério de Freitas e Bernardino de Campos. A oposição - e os ressentidos, os amargurados que não haviam conseguido no governo anterior a satisfação de sua gulodice junto ao Erário - disseminou a fama de um preguiçoso, que passava a dormir a maior parte do tempo.

Foi um boato que o acompanhou durante todo o governo. Insistente na mídia de então. Caricaturas, artigos, poesias satíricas, tudo era pretexto para ridicularizá-lo. Mostravam-no a bocejar, com camisolão, sempre cansado. Havia uma razão adicional: era viúvo, pai de oito filhos, avesso às noitadas e às baladas da época, frequentadas airosamente pelos demais políticos.

Uma das filhas de Rodrigues Alves lembrou-se de que, uma manhã, quando o pai voltava de um banho de mar - ao qual se entregava por receita médica - duas velhinhas estavam ao portão de sua casa, uma dizendo para outra: - "Nesta casa mora um homem importante que passa o dia inteiro dormindo...".

As intrigas palacianas alimentavam a boataria. Rodrigues Alves era simples, direto e não cortejava as pessoas. Muito católico, era rezador e frequentador da Igreja. Prato apetitoso para os maledicentes.

Já havia fake News. "O Malho", um panfleto político da capital federal, cujo primeiro número circulou em 20 de setembro de 1902, reforçava a lenda de que Rodrigues Alves era um dorminhoco empedernido. Na edição de 18 de outubro, publicava: "Nasceu dormindo e dormiu a vida inteira, no colégio, na faculdade, na Câmara, no Ministério, no Senado, no governo de São Paulo".

Zombava de sua singeleza: "com as suas calças cor de pinhão, com o seu chapeuzinho coco, parecia simplesmente o presidente da Câmara Municipal de Guaratinguetá". Esse homem que reformou o Rio, convertendo-o em cidade moderna e não no espaço pantanoso onde proliferavam pestes e endemias, não se livrou da maldade expelida pela língua leviana dos despeitados. Isso continua a acontecer. É por isso que os bons preferem deixar a política partidária para aqueles que não têm mais o que perder em termos reputacionais.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 26 07 2023



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