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PILHÉRIA ACADÊMICA
Acadêmico: José Renato Nalini
há uma série imensa de causos e estórias atribuídas a luminares do foro.

Pilhéria acadêmica


A vetustez não é uma característica ínsita aos amantes das ciências jurídicas. Ao contrário, há uma série imensa de causos e estórias atribuídas a luminares do foro. Ainda hoje existem episódios pitorescos, mas o número de Faculdades e a explosão dos que estudam ou se formam em direito não dão conta da divulgação de todos. Por isso, recorre-se ao anedotário colhido nos primeiros anos de funcionamento das Arcadas, a velha e sempre nova Academia de Direito do Largo de São Francisco.

Um dos que por ali passaram, da turma de 1838, foi Joaquim Antônio Pinto Júnior. Nasceu a 2 de fevereiro de 1817, no acampamento das forças brasileiras aquarteladas no Uruguai, em luta contra o caudilho Artigas. Era filho de Joaquim Antônio Pinto, médico militar de São Paulo, em serviço de campanha. Estudante com brilho, doutorou-se em 1839.

Desde estudante, militava na política liberal e foi eleito deputado provincial de São Paulo nas 5ª, 7ª, 8ª e 14ª legislaturas, entre 1842 e 1861. Foi também professor de francês e de inglês no Curso Anexo à Faculdade de Direito. Advogava bastante e nas comarcas do interior, citava como notáveis na jurisprudência, nomes de cabeleireiros, alfaiates e joalheiros franceses ou ingleses da capital. Inventava nomes convincentes de obras que eles teriam escrito. Tinha dicção muito expedita e suas frases eram pitorescas.

Num exame, Pinto Júnior protegia escancaradamente um examinando de história. Perguntava a ele quem sucedera a Luis XIII. E assim por diante, até Luis XVI. O estudante, obviamente, acertava. O Conselheiro Pires da Mota, presidente da Comissão examinadora, observou que as perguntas eram fáceis demais.

Então Pinto Júnior retrucou: - "São fáceis? Pois bem. Farei outras. Diga-me - em direção ao aluno - quem foi o primeiro Imperador da China?".

O estudante respondeu: - "Não sei!". E Pinto Júnior ao Presidente Pires da Mota: "E Vossa Excelência sabe?". A resposta foi: - "Francamente, não sei!". - "Nem eu tampouco. Mas Vossa Excelência quer perguntas difíceis...".

Um dia, durante sua aula, entra na sala um cão. Ele chama o bedel e pede que não considere a frequência, pois o cachorro está atrasado...

Ele também era perito na arte de arremedar. Fazia o auditório das audiências e sessões rirem desbragadamente quando imitava pessoas conhecidas.

Numa oportunidade, estava a ocupar a tribuna e já esgotara seu tempo. Então o presidente da seção, o Barão de São João do Rio Claro, que era um homem bom, mas de parcas letras, dirigiu-se a ele:

- "Advirto ao nobre deputado que já "são" meio-dia".

A resposta veio pronta:

- "Em homenagem ao novo santo, com que acaba de ser enriquecido o calendário, dou por terminado o meu discurso".

Não se sabe o motivo, apelidaram-no "Pinto Jenistroque".

Isso o irritava bastante e chegou a dar origem a um processo criminal, que moveu contra o Conselheiro Falcão. Este levou a melhor e, absolvido, para espicaçar o adversário, proclamou:

- "Até ao presente, o senhor era "Jenistroque" por aclamação dos povos; agora, também o é por sentença judicial!".

Quando seus correligionários o excluíram da chapa liberal para deputado provincial, Pinto Júnior publicou um manifesto declarando-se conservador. Os conservadores, muito contentes com a aquisição de um quadro com tamanho valor e prestígio, adotaram a sua política e o elegeram deputado.

Ocorre que, entre a eleição e a abertura da sessão legislativa, ele se reconciliou com os liberais. Um deputado conservador o critica: não era admissível tamanha reviravolta de quem "com armas e bagagens se tinha passado para os arraiais conservadores, e agora...".

- "Não exagere!" Interrompeu Pinto Júnior. "Estive por lá apenas de passeio. E achei tão ruim o arraial, que voltei logo!".

Costumava consultar o Conselheiro Carrão para avalizar suas razões de apelação. Em caso de urgência, redigiu-as sozinho e Carrão foi impiedoso: - "Estão péssimas! Tudo errado! Você não estuda, imagina que o direito se inventa! Quer advogar "a ratione"!. Só que Pinto Júnior ganhou a causa. E comunica, todo feliz, ao Conselheiro Carrão: - "Vosmecê diz que eu advogo "a ratione". Eu sei bem o que faço: advogo "ad Relationem". (Os tribunais de justiça então se chamavam Tribunais de Relação).

Numa viagem ao Rio, foi hóspede do Comendador Leitão, em Jacareí. Não se fez de rogado: - "Este é o maior e mais asseado chiqueiro que conheço! Assim, como Pinto que sou, tivesse galinheiro semelhante...!".

Outra vez, perguntaram-lhe se não temia o Desembargador Gavião. E ele: "Pois é claro que hei de ter medo! Sou mero pinto...".

Dizem até que escrevia artigos contra ele mesmo e os publicava no anonimato. Um amigo questionou: "O que é isto, Pinto? Você escreve contra si mesmo?". E ele respondeu: - "Quando me proponho a censurar-me, sei o que vou dizer. Mas se outro o quiser fazer, sei lá o que poderá sair...".

Pinto Júnior faleceu no Rio de Janeiro por volta de 1880.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 11 06 2023



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