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O GRANDE BARÃO DE RAMALHO
Acadêmico: José Renato Nalini
Gente de outra época e de outra cepa. Já não existem mais figuras assim.

O grande Barão de Ramalho

Depois de falar do Conselheiro Crispiniano, é bom recordar seu amigo Joaquim Inácio Ramalho, paulistano nascido a 6 de janeiro de 1809, de pais ignorados. É que Ramalho, Crispiniano e Chaves, Manuel José Chaves, formavam uma trinca na velha e sempre nova Academia do Largo de São Francisco.

Tão ilustres eram esses alunos da turma de 1830-1834, que a tradição passou a denominar "Ano Grande" aquele em que iniciaram seus estudos de direito. Ramalho foi excelente aluno do curso jurídico, porque já era preparado em filosofia, história e matemática, disciplinas que lecionava em aulas particulares. Residia na rua da Consolação, em casa "menos que modesta" e ali dava lições particulares em um pequeno compartimento de telha vã, não assoalhado e cujas paredes eram apenas rebocadas. Os três amigos de infância eram conhecidos como "o João, o Joaquim, o Manuel". Tratavam-se protocolarmente à moda antiga paulista e com sotaque: - "Ó Joaquim, dizei-me' uma coisa: sabeis bem a vossa lição?" - "Por que me perguntais, Manuel? - "Porque vos vi ontem à noite no pátio do colégio..."

Doutorou-se em 1835, em 1836 nomeado lente substituto da Faculdade e em 1864 provido na Cadeira de Processo Civil e Criminal. Nela se conservou até 1880, ano em que se jubilou.

Em 1887, o Governo Imperial o distinguiu com o título de Barão de Água Branca. Declarou que só aceitaria a distinção se o título fosse alterado para Barão de Ramalho, em atenção ao apelido de família que o criara e educara.

Em 1891, foi nomeado diretor da Academia, cargo que exerceu com exação e zelo, até que faleceu, em 15 de agosto de 1902, aos 93 anos. Era verdadeiramente venerado pelos demais professores e fazia impor sua vontade. Se a Congregação decidia em desconformidade com o seu pensamento, ele permanecia em silêncio e concluía: - "A Congregação resolveu assim, mas eu não executo...".

Todos ouviam e silenciavam. Ninguém protestava. Olhavam uns para os outros e diziam: - "E agora? O que se há de fazer? Para que contrariar o velho mestre?".

Além de professor das Arcadas, exerceu a advocacia e ocupou várias funções na política e na administração. Foi juiz de paz da Capital, em 1835. Vereador e presidente da Câmara em 1845. Deputado à Assembleia Provincial de São Paulo entre 1842-1843 e 1866-1869. Deputado à Assembleia Geral de Goiás em 1848. Presidente da Província de Goiás entre 1845 e 1848. Autor de muitas obras jurídicas, especialmente de processo, das quais a mais clássica e notável é a "Praxe Brasileira", publicada em 1868.

Sempre residiu em casa modesta na rua da Consolação e lá plantou jabuticabeiras com as quais se deliciava. Contava que o Manuel, exatamente o dr. Manuel José Chaves, zombara dele, dizendo que plantaria e não colheria, pois as jabuticabeiras levariam vinte anos para frutificar. Só que ele conseguiu, durante mais de dez anos, saborear suas jabuticabas.

Casou-se com Paula da Costa Ramalho, viúva do tenente Manuel José de Brito e mãe do Conselheiro Laurindo Abelardo de Brito. Foi sogro do dr. João Pinto de Castro, formado em 1866 e do dr. Vitorino Caetano de Brito, formado em 1861.

Seu falecimento constrangeu toda São Paulo. Ambas as Casas do Congresso Paulista realizaram sessões especiais em sua homenagem, e em 18 de agosto de 1902, discursou o grande tributo Herculano de Freitas, de cuja oração se extrai: "O Barão de Ramalho foi uma vida que se extinguiu aos noventa e quatro anos e pode-se dizer que se extinguiu, sem que aquela mesma lúcida inteligência de sempre, sem que aquele mesmo espírito se apagasse senão na derradeira hora do último suspiro. Ainda há bem pouco tempo eu me lembro de o ver presidindo aos trabalhos da Congregação da Faculdade de Direito com aquele riso lhano e afável e aquela clareza de memoria que ainda mantinha, a despeito da sua grande idade, idade a que Sua Excelência chegou atravessando as lutas da política, onde figurou com os mais eminentes chefes liberais da província de São Paulo, depois de Rafael Tobias e Gabriel Rodrigues dos Santos, ao lado de Crispiniano, José Bonifácio e outros. Essa grande idade extinguiu-se sem ódios, sem malquerenças, antes cheia de simpáticos atrativos por aquela benevolência característica de sua personalidade".

Rematou a oração com a narrativa de que crianças saltavam o muro da casa do Barão para se apropriar das frutas de seu pomar. E ele mandava prender os cachorros, para que não molestassem as crianças.

Gente de outra época e de outra cepa. Já não existem mais figuras assim.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 27 05 2023



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