Compartilhe
Tamanho da fonte


JURISTAS & LETRAS
Acadêmico: José Renato Nalini
A influência das Arcadas na vida paulistana - e, depois, na vida brasileira - justifica o surgimento de talentos literários que se destacaram em inúmeros setores.

Juristas & Letras

Não raras vezes se ouve dizer que as Academias de Letras priorizam os juristas. Há uma razão de ser. São Paulo é testemunho histórico da transformação com que uma Escola de Direito impacta uma comunidade. Criada em 1827, instalada em 1828, a Academia do Largo de São Francisco enfrentou crises de noviciado, inclusive drástica redução de alunos. Mas em 1863 o número de formados já atingiu cento e onze egressos. A Faculdade lançara raízes. Podia ufanar-se de possuir mais de seiscentos alunos, entre o Curso Anexo e os Cursos Jurídicos.

Os novos livros adquiridos, - a obra de Jefferson, Godwin e Humboldt - eram lidos e não empoeiravam como os velhos compêndios de teologia da biblioteca franciscana. A vida acadêmica suscitou a multiplicação de novos periódicos. Eles eram raros em 1823 e começaram a proliferar desde então.

A primeira revista acadêmica, "O Amigo das Letras", de 1830, cuidava de literatura. Em 1833, os alunos lançaram a "Revista da Sociedade Filomática", para contemplar ciências e letras e devotada à Liberdade, Indústria, Racionalidade e Associação. Em seguida vieram "Ensaios Literários" (1847), "Ensaios Literários do Ateneu Paulistano" (1852), "Revista Mensal do Ensino Filosófico" (1851) e "O Acaiaba" (1852). Nelas brilharam os três poetas acadêmicos: Álvares de Azevedo, Bernardo Joaquim da Silva Guimarães e Aureliano José Lessa. Mas também elas estimularam contemporâneos como José Martiniano de Alencar, Quintino Bocaiúva e José Bonifácio, o Moço.

Os estudantes escreviam sobre problemas contemporâneos e discutiam a natureza da monarquia, a influência do Senado vitalício, a responsabilidade do ministério e o Poder Moderador. Exigia-se da mocidade refletisse a respeito de questões sérias, uma responsabilidade talvez excessiva para seus verdes anos, que lhes colocava uma cidade que gravitava em torno ao Largo de São Francisco e por uma nação que gravitava em torno de apenas duas Faculdades de Direito.

São Paulo passou a exigir uma cidadania mais instruída e provida de uma visão inteiramente nova das coisas. Simultaneamente, os estudantes organizavam bailes, cada vez mais frequentes e animados os oferecidos em residências. Apesar da crítica de Álvares de Azevedo, que comparava com tristeza "o narcótico e único baile da Concórdia Paulistana" com os bailes do Rio, mais ao estilo "mil e uma noites, como toda a sua magia de fulgência e luzes" (carta de 12 de junho de 1849).

Eram também brincalhões. Queixavam-se do elevado preço do ingresso a um baile de máscaras. Consta que um acadêmico, fantasiado de matrona de avantajado porte, mal entrou e sob suas volumosas saias saíram mais dois estudantes.

Os futuros bacharéis trouxeram vida à província. Os mais argutos diziam que, no período letivo, São Paulo vivia uma realidade fictícia e voltava à sua habitual sonolência no período de férias.

Foi nessa época que surgiram as "Repúblicas", grupo de três a seis estudantes que individualmente contribuíam para o aluguel, a compra de gêneros e o salário da cozinheira. Os outros serviços eram desempenhados pelos escravos. Cada pai de família mandava um serviçal para atender ao "Sinhozinho". Mas os moradores das repúblicas não se acanhavam. Podiam frequentar o salão de baile da Marquesa de Santos, na segunda metade do século XIX a mulher de maior prestígio na sociedade paulistana. Wanderley Pinho, no livro "Salões e Damas do Segundo Reinado", diz que a Marquesa podia recolher um estudante ferido em alguma rixa ou até visitar e prestar serviços pessoais a algum que a doença retivera em sua república.

Os estudantes dominavam o teatro local: eram autores, atores e compunham o público. Se o teatro não chegou a extremo requinte, superou as produções amadorísticas de 1820. Em 1830 criaram o Teatro Acadêmico e, em 1833, o Teatro Harmonia Paulista, encarregado de oferecer "dramas decentes e acomodados à luz do século" e a despertar o patriotismo e virtudes cívicas entre os cidadãos.

A influência das Arcadas na vida paulistana - e, depois, na vida brasileira - justifica o surgimento de talentos literários que se destacaram em inúmeros setores. Citem-se os alunos Lygia Fagundes Telles, Renata Pallottini, Paulo Bomfim, Ives Gandra da Silva Martins, Miguel Reale, pai e filho, Esther de Figueiredo Ferraz, todos acadêmicos da gloriosa Academia Paulista de Letras. Desde os tempos em que eram educandos, já perpetravam a literatura que depois os consagrou. Prova cabal de que as ciências jurídicas não fazem mal às letras. Muito ao contrário.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 07 05 2023



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.