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REVESES DA IGREJA
Acadêmico: José Renato Nalini
Como caminha a Igreja de São Paulo e qual o seu estágio no cultivo da religião, cujo objetivo é religar a criatura ao Criador?

Reveses da Igreja

Os jesuítas contribuíram decisivamente para que o Brasil não permanecesse uma terra selvagem. São Paulo surgiu da vocação pedagógica da Companhia de Jesus. Como a Igreja Católica era a religião oficial do Estado brasileiro, explica-se seu predomínio formal até o golpe republicano de 1889.

Todavia, como instituição humana, embora de inspiração divina, ela sofreu os seus reveses. Acomodada com os salários pagos pelo Tesouro Imperial, a instituição se enfraqueceu em suas responsabilidades sociais e culturais e tentou se reerguer para enfrentar críticas e intrusões seculares que ameaçavam sua liderança.

Três periódicos nasceram para censurar a Igreja no século XIX: "O Pensador" (1839), "O Despertar Cristão" (1851) e "O Amigo da Religião" (1855). Eram os sinais emitidos pela Academia de Direito do Largo de São Francisco e as ideias positivistas que posteriormente inspirariam os próprios "Pais" da República tupiniquim.

"O Amigo da Religião" era de um sacerdote que, em seu primeiro editorial, promete que irá "às igrejas da Capital escutar os sermões que aqui se pregam e dirá com franqueza seu juízo. Mas lembrar-se-á da situação do clero de São Paulo, assaz conhecidas. Ele conhece suas dificuldades, conhece suas penas e que, exposto a lutar com o trabalho material, faltam-lhe os meios de trabalho e de instrução".

O bispo desse período tentava escorar o periclitante prestígio moral da Igreja. Foi o primeiro paulista de nascimento: Antonio Joaquim de Melo (1852-1861). Era muito criticado. Um sacerdote, seu desafeto, o descreveu como "atrabiliário, anacrônico, hipócrita, avarento e de uma arrogância implacável para com o clero menor. Acusou ainda o bispo de desculpar a escravidão". Um outro, seu defensor, o desenha como reformador abnegado. Severo, honesto e imparcial. Era uma pessoa polêmica: no Natal de 1854, durante a missa do galo, surgiu altercação entre Dom Antônio e os capitulares, diante de fieis aterrorizados. A cerimônia teve de ser suspensa.

Ao assumir, o bispo ordenou aos padres se mantivessem corretos em sua aparência pessoal e que usassem indumentária conveniente. Se abstivessem de jogar, dançar e outros divertimentos impróprios. Que se conservassem alheios à política e às transações comerciais. Iniciassem e terminassem a missa, - que não devia durar menos de dezoito minutos - com orações. Visitou dois conventos da cidade e constatou violação da clausura e farto uso de música alegre, o que logo coibiu.

Dom Antonio proibiu as cerimônias noturnas de sepultamento, que considerava "pretexto para se cometer nas igrejas toda a sorte de irreverências". Os protestantes também advogavam a revogação desse costume - havia lei permitindo - alegando questões de higiene.

Em 1851 abriu-se o Cemitério de Alemães, metade dedicada a católicos estrangeiros e metade a não-católicos também estrangeiros, em 1858 o governo da Província instalou o Cemitério da Consolação, por ocasião de uma violenta epidemia de varíola.

O Bispo também admoestou os mestres de capela que não intercalassem contradanças na música sacra. Havia uma carência de sacerdotes formados. Conseguiu inaugurar em novembro de 1856 um seminário para formação de aspirantes ao sacerdócio. Para cobrir a falta de sacerdotes paulistas competentes, D. Antônio formou o seminário com capuchinhos europeus, o que irritou os subordinados.

Mas ele também "comprou briga" com os acadêmicos da São Francisco. Chegou a pedir a transferência da Faculdade para o Rio, por ser "foco de imoralidades". Em revanche, os estudantes criticaram "a meia dúzia de frades corrompidos, hipócritas aduladores e ambiciosos ignorantes, que sonham com as fogueiras da Inquisição e com o absolutismo, a fim de plantar o domínio fradesco e dar mais um exemplo de quanto pode a ambição unida à astúcia".

O Bispo tinha consciência dos obstáculos que enfrentaria para re-catolizar a sociedade. Em 1858, escreveu ao Imperador: "O Brasil não tem mais fé, a religião aí está quase extinta. Há só da religião o exterior: grandes festas que acabam ordinariamente em dissoluções na baixa sociedade e uma idolatria material de imagens: mas Aquele que é o caminho, a verdade e a vida, é desconhecido".

Zaluar, que viajou por aqui por essa época, dizia que São Paulo "...conserva, ainda hoje, em seus habitantes, em seus costumes e em suas usanças, alguns traços tradicionais, esse cunho de misteriosa concentração que os jesuítas sabiam imprimir por toda a parte, não só ao povo como aos edifícios e, o que é ainda mais, à natureza e ao próprio ambiente que os rodeava".

Desde então, como caminha a Igreja de São Paulo e qual o seu estágio no cultivo da religião, cujo objetivo é religar a criatura ao Criador?


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 06 05 2023



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