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CUIDADO COM OS DITADOS
Acadêmico: Leandro Karnal
“Para bom entendedor, meia palavra basta.” Errado! É necessária uma figura no Zap para entender. Meia imagem basta!

Ditados são uma sabedoria consagrada? Vejamos! “Devagar se vai ao longe” – afirmam. No mundo de resultados imediatos e metas ousadas para ontem, a lentidão pode ser vista como um defeito profissional. O caráter direto e imediato virou virtude central da comunicação. Lento, em 2023, não leva a lugar de destaque. De brinde, a modernidade derrubou também “a pressa é inimiga da perfeição”. Esta última jamais será alcançada; fazer rápido, pelo menos, encurta o sofrimento. No mesmo campo semântico da constância, “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” caracteriza mais insistência, assédio e abre caminho para processos. A pedra resistiu? Não é não! Desista e parta para outra.

“Para bom entendedor, meia palavra basta.” Errado! É necessária uma figura no Zap para entender. Meia imagem basta!

“Por ele ponho minha mão no fogo.” Verifique antes as redes sociais, veja publicações passadas, avalie com muita ponderação antes de arriscar a sua epiderme.

“Não julgue um livro pela capa.” Primeiro, explique aos jovens o que seria um livro e, depois, o conceito de capa. Os infantes atuais leem pelo celular – a primeira página é irrelevante. Nunca vi alguém ficar muito tempo examinando a cobertura inicial de um livro eletrônico.

“Mentira tem perna curta”, mas o ditado parece ser capacitismo puro, da mesma família de “em terra de cego quem tem um olho é rei”. Evite, na mesma toada, “quem não é visto não é lembrado” e “o pior cego é o que não quer ver”. Em defesa dos ciclopes e seu olho único, seria prudente nunca enunciar que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”. A visão é um campo muito sensível. Por isso, esqueça-se de: “O que os olhos não veem o coração não sente”.

Para públicos veganos, cuidado com “um dia é da caça e outro do caçador” ou “não se faz uma omelete sem quebrar os ovos”. Para intolerantes à lactose, pode ser estranho dizer em tom de consolação que “não se deve chorar pelo leite derramado”. Mesmo motivo para fugir da expressão “o peixe morre pela boca”, para não desencadear lamentos fúnebres pela criatura aquática.

“O homem é senhor do que pensa e escravo do que diz.” Ihhhh! Todas as luzes de alerta ligadas diante da palavra “escravo”. Prefira escravizado! No campo laboral, também há que se ter mil dedos diante do “roupa suja se lava em casa”, algo que pode soar machista ou um desencorajamento do empreendedorismo das pequenas lavanderias.

Minha avó católica dizia que “quando a esmola é demais, o santo desconfia”. Bem, devemos evitar o incentivo à mendicância. Poderia dizer que devemos ensinar “alguém a pescar, mas não dar o peixe”, ressurgindo o campo de atrito com vegetarianos e veganos. Por que não dizer “dar a rúcula”?

O mundo está tomado de dedicados pais e mães de pets. Assim, “quem não tem cão caça com gato” traduz violência de fazer corar defensores sinceros dos nossos queridos animais. Caçar? Por quê? Melhor adotar do que machucar. Evitem também “gato escaldado tem medo de água fria”, porque o banho é sempre traumático para felinos.

“Dize-me com quem andas, e eu te direi quem és” é só para quem tem poucos seguidores. Como controlar o caráter de muitos que curtem sua publicação? “Antes só do que mal acompanhado” é uma verdade psicanalítica, contudo prejudica o marketing pessoal do Insta.

Aliás, falando em marketing... o pessoal de lá deve atacar a ideia de “quem desdenha quer comprar”. O produto pode ser ruim mesmo! “Rapadura é doce, mas não é mole” é tema estranho, de significado amplo. Em todo caso, há diabéticos que podem ser humilhados pela lembrança do doce interditado e homens com disfunção erétil sensíveis ao item dureza.

“Quanto mais alto, maior a queda” traduz preconceito com pessoas de elevada estatura. Mesmo argumento para fugir de “quem ama o feio bonito lhe parece”, especialmente em reunião de pais na escola. “Seguro morreu de velho?” Bem, existe certo etarismo ao escrever velho e morte na mesma frase.

“O apressado come cru e quente” indica racismo ou xenofobia contra a cozinha japonesa, na qual quase tudo carece de cozimento. Nada mais antidemocrático do que “quando um burro fala, o outro abaixa as orelhas”. Sabemos que nunca devemos insultar alguém com exemplos de animais. Evite trazer os belos exemplares das antas e das capivaras ao seu ataque, ou você terá de enfrentar muita gente. O fã-clube dos mamíferos é sólido.

“Quem cala consente” significa ignorar que algumas pessoas perderam a voz e, se alguém não domina o código de libras, não deve ser agressivo. “O barato sai caro” é uma defesa do alto poder aquisitivo das elites brasileiras e um ataque direto ao comércio popular. Pura demofobia!

Eis os meus conselhos a você. Claro, “fossem bons, não seriam dados, seriam vendidos”, todavia isso é uma exaltação do capitalismo, um ataque ao igualitarismo das comunidades indígenas. Assim, é sábio calar mais, pois “em boca fechada, não entra mosca”. Isso é preconceito contra os animais que se alimentam de insetos... puro especismo. Enfim, “seja como macaco velho que não pula em galho seco”, mas muito cuidado com a idade do interlocutor. Tenha esperança e prudência...




Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 16 de abril de 2023.



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