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DISCURSEIRA ESTÉRIL
Acadêmico: José Renato Nalini
Triste Brasil em que o discurso, a entrevista, a exposição nas redes sociais, vai substituindo os compromissos.

Discurseira estéril

Preocupo-me com o Brasil. Como, acredito eu, tantos outros brasileiros angustiados com a situação nacional. Além dos trinta e três milhões de famintos, dos cento e vinte milhões de sofredores com insegurança alimentar, escancarou-se o verdadeiro genocídio indígena, mais uma vergonha para acrescentar ao lado da nação que um dia foi verde e é hoje "Pária ambiental".

A criminalidade organizada continua, com desenvoltura, a explorar garimpos e a levar tesouro nacional que é de todos, pois extraído de terras públicas, para mercados que só têm ética no discurso e não na prática.

Enquanto isso, a esperança em novas diretrizes que priorizassem o interesse nacional se esvai na proporção em que se continua a inflar a administração pública de milhares de famintos de outra coisa: de poder. De estar ao lado de quem manda. De tirar proveito do combalido Erário.

A tragédia constatada em praticamente todos os setores do Estado necessitaria de medidas drásticas. O que se fez, até agora, para impor o "desmatamento zero", que a saúde planetária exige e que depende apenas de vontade política? Qual o plano emergencial para o replantio das áreas desertificadas após à insana devastação seguida de cultura de grãos para alimentar animais do restante do mundo, substituída pela pecuária de corte, mesmo depois da constatação de que a produtividade é pífia no bioma amazônico?

Como está a providência de verdadeira legítima defesa da educação, diante de milhões de brasileiros iletrados, que não foram alfabetizados, que não conseguem ler um texto, nem reproduzi-lo com suas próprias palavras e continuam funcionalmente analfabetos?

Desde criança ouço a sabedoria popular: quer deixar de resolver um problema, nomeie uma comissão. Os brasileiros têm o dom de tergiversar, de falar muito e não dizer nada. De adiar as soluções. Por isso a nossa política chegou ao nível de indigência moral em que se encontra. Houve tempo em que se propunham a gerir a coisa pública os homens de bem. (Aliás, esta expressão ganhou novos sentidos, muito distanciados do que deveria significar, nos últimos tempos). O exercício do múnus público era uma espécie de devolução, por parte de pessoas bem sucedidas e respeitadas, à comunidade que os formara em competência e caráter.

Hoje, a condição surreal de quarenta partidos é a fórmula da sobrevivência da mediocridade, da incompetência, da má-fé, da vontade de se apoderar daquilo que é de todos, para uma destinação particularíssima, que sequer poderia recordar o interesse da maioria.

O crescimento excessivo dessa chaga chamada Estado contraria tudo aquilo que a sabedoria tinha em vista. Esta sociedade de fins gerais, propícia a que em sua abrangência, pudessem se desenvolver as sociedades de fins particulares - família, escola, igreja, Terceiro Setor - e também as vocações individuais, converteu-se em finalidade exclusiva. Tudo se exige do Estado, que também aprecia se converter em organismo imprescindível, sem o qual não há vida e não há destino.

Para fazer frente às infinitas promessas, o Estado-babá vai se tornando um monstro. Cresce como câncer. Ora, em fase de metástase. No afã de prover os milhares de cargos e funções, atende-se a interesses paroquiais, premia-se o apoio fortuito, esquecem-se regras mínimas para alguém desempenhar missão estatal. Dentre as quais, a de que o servidor da comunidade precisa estar limpo. Não ter passado. Não ter contas a acertar com a Justiça. No plano ideal - evidentemente utópico para uma nação como o Brasil - deveria ser irrepreensivelmente ético. Não só ser honesto, mas também parecer honesto. Como se disse um dia sobre a injustiçada mulher de César.

Triste Brasil em que o discurso, a entrevista, a exposição nas redes sociais, vai substituindo os compromissos. Continua-se a intensificar a nociva polarização, com fanatismos paralelos, ambos a deixar de lado o que seria essencial: começar de novo. A partir das bases. Mas sobre outros fundamentos.

O tempo é implacável e não perdoa. Ao se insistir nas mesmas nefastas práticas que fizeram com que o "país do futuro" fosse um triste arremedo neste presente, com o crescimento das iniquidades, com o desprezo pela educação, com o extermínio do amanhã, à base de eliminação do verde, nada impede que se retroalimente a seita que tanto mal causou ao povo brasileiro. Perdem-se as oportunidades de mostrar que algo diferente, mais digno e mais saudável, poderia ser feito. Mais do mesmo, a fragilidade das instituições, a verborragia inócua e a falta de ação, tornam pesadelo o sonho que embalou os crédulos, os ingênuos e os que acreditam em milagre.


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 10 02 2023



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