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TIETÊ: COMEÇOU ERRADO E SÓ PIORA
Acadêmico: José Renato Nalini
Para ressuscitar o Tietê é preciso despoluir todos os córregos. Aqueles que restaram.

Tietê: começou errado e só piora

Um dos motivos para os jesuítas escolherem o planalto para criar a escola e iniciar o povoado que se tornou a maior conurbação da América Latina foi a existência de rios límpidos e piscosos. O Tietê serpenteava em várzeas de exuberante flora e fauna. A sanha destruidora da natureza fez com que essas curvas desaparecessem e o pobre Tietê se convertesse num canal coletor de esgotamento doméstico, substâncias químicas e toda a tralha descartável de uma população deseducada, consumista e desprovida de noções de civilidade.

Despoluir o Pinheiros se tornou possível, graças à vontade política do governo estadual. Será que o Tietê se tornou problema insolúvel, insuscetível de ser tratado com a urgência e seriedade merecida?

Inacreditável que o fiozinho d'água que nasce em Salesópolis engrosse e forme um rio tão importante para a história do Brasil. o rio que permitiu as monções, garantidoras da conquista de um território continental, tão superior ao esfacelamento das colônias espanholas que formaram a várias repúblicas latino-americanas.

Só que ele vai recebendo o testemunho da ignorância e da falta de higiene de uma legião de pessoas. Dentre elas, empresários que não se envergonham de despejar resíduos mortíferos em águas que há muito perderam limpidez e condição de ser ingerida por qualquer vivente.

Os córregos que afluem ao Tietê transportam toda espécie de descarte, demonstração de ignorância, pois quase tudo é aproveitável, o que já ocorre nos países civilizados. O lixo paulistano é dos mais ricos do planeta. Deveria ser vendido e não coletado mediante pagamento do povo, que se sacrifica para saciar a famélica volúpia fiscal do Estado.

Já houve um "Projeto Tietê", que se utilizou de dezoito bilhões de reais, algo significativo para reduzir a carência habitacional ou para reforçar o saneamento básico, ou para investir na educação capenga, ou para qualquer coisa útil. Pois o que restou dessa vultosa aplicação de recursos arrecadados da cidadania contribuinte?

Praticamente nada. A Fundação SOS Mata Atlântica indica que a mancha de poluição que era de duzentos e quarenta e três quilômetros em 2010, chegou a setenta e um quilômetros em 2014 e em 2021 estava em oitenta e cinco. Mas no fatídico ano de 2022, cresceu novamente, chegando a cento e vinte e dois quilômetros.

Reduziu-se, consideravelmente, o trecho em que a qualidade da água é considerada adequada. Em lugar da pesca, alimento natural dos que habitavam suas margens, hoje é o lixo que mal sustenta os que se arriscam a percorrer as margens fétidas e insalubres daquilo que já foi um rio.

Durante muitos anos, a desculpa do governo era o de que a administração de Guarulhos continuava a lançar milhões de toneladas de esgotamento doméstico nas águas já comprometidas do Tietê. Tenho a certeza de que isso ainda não foi resolvido. O acordo com a Sabesp só foi celebrado em 2019 e hoje só 20 do esgoto é tratado. Mas a verdade é que basta percorrer o trecho em que o rio atravessa a cidade de São Paulo para constatar o lançamento de imundícies em todo o percurso.

Vinte milhões de pessoas se alimentando, se higienizando e defecando, reclamam saneamento básico equivalente ao grau de descarga do excremento. Mas só isso não basta. Já que a educação ambiental plena e permanente, não só como disciplina dentro da escolas, mas sob a forma de campanha que atenda a toda a população, é negligenciada, outra pedagogia é a da sanção. Lavrar autos de infração do que poluem, e zelar para que essas multas não sejam anistiadas ou se percam na burocracia das Procuradorias.

Para ressuscitar o Tietê é preciso despoluir todos os córregos. Aqueles que restaram, pois outro pecado mortal da administração pública foi enterrar os cursos d'água, que eram abundantes no século XVI e cobri-los com asfalto, para servir ao todo-poderoso automóvel. Veículo egoísta e poluidor. O querido Ruy Ohtake tinha planos para o Tietê. Convidou-me a escrever com ele, complementando sua expertise técnica e de responsável pelo maior empreendimento ali realizado. Mas a morte o colheu. Para tristeza nossa e desgraça do Tietê.

Sem uma ação coordenada entre Estado, Prefeituras, Universidade, mídia, Terceiro Setor, urbanistas e engenheiros, o poderoso setor da construção civil, não se chegará ao mínimo de decência necessário para que o Tietê, mutilado pelo insensato bicho-homem, volte a ser um rio. Essa utopia parece longínqua. Ao entusiasmo das promessas eleiçoeiras, segue-se a pesada rotina do varejo de problemas e as grandes questões aguardam nova gestão. Infeliz cidade que matou o seu principal rio.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 18 01 2023



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