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PÁTRIA SEM CHUTEIRA
Acadêmico: Rubens Barbosa
Chegou a hora de dar uma virada no que se passa no futebol brasileiro.

A Copa do Mundo na Rússia e no Catar pouco mobilizou nossa torcida. Havia poucas bandeiras nas ruas e calçadas pintadas. Mesmo depois do início da competição, houve pouca vibração nacional, muito diferente do que ocorria no passado. Até o começo dos jogos, poucos sabiam os nomes dos titulares do time. Mesmo depois da eliminação, apesar da grande decepção, houve muito pouca emoção e repercussão. O Brasil hoje está longe de ser aquela pátria de chuteira, como dizia Nelson Rodrigues.

Uma das muitas razões da falta de interesse e da baixa atenção para a competição mais importante do esporte em que o país é uma das forças no mundo é o distanciamento emocional entre os jogadores da seleção e a torcida, já que a quase totalidade dos convocados joga no exterior. O Brasil se tornou o maior exportador de jogadores de futebol do mundo. Alguns, ainda antes da maioridade são vendidos e começam a atuar no exterior, sem nenhum contato com os clubes daqui. A seleção virou uma verdadeira legião estrangeira.

O Brasil, com a decisão de convocar grandes estrelas que jogam no exterior, perdeu seu estilo de jogo, tão admirado pelos adversários, e se transformou em um time comum, defensivo e burocrático. Os jogadores perderam a característica de improvisação brasileira e como resultado a seleção joga sem estilo e sem exibição de talento, uma das características dos antigos craques nacionais. Deu pena ver a atuação em todos os jogos na Copa do Catar com muita dancinha e pouca garra.

Chegou a hora de dar uma virada no que se passa no futebol brasileiro. Desde a governança da CBF e dos clubes, passando pela organização de um calendário mais racional para os campeonatos regionais, nacional e as competições internacionais, até a política de convocação para a próxima Copa do Mundo, em 2026, tudo parece precisar de um bom freio de arrumação.

Assim como na política, também no futebol estamos carentes de líderes e jogadores que vistam a camisa do Brasil com o verdadeiro respaldo da opinião pública. Os jogadores que atuam no exterior têm salários altíssimos e hoje estão entre os poucos milionários brasileiros. Pensam mais em seus interesses financeiros e comerciais do que nos resultados dos jogos. Com menos incentivos para se empenhar pela pátria que veem de longe e para onde só retornam depois que seus clubes no exterior passam a achar que não valem o quanto pagam.

Apesar da dificuldade de ser implementada, seria muito oportuna a discussão de uma política radical: a partir da disputa da classificação para a Copa de 2026, a convocação deveria limitar-se apenas a jogadores que atuam nos times brasileiros. A seleção nacional deveria ser composta por jogadores de times nacionais para trazer de volta a paixão, a fé e a adesão dos torcedores. Quem se lembrará em 2026 do time que perdeu para Camarões e para a Croácia?

Se ficasse decidido que, em 2026, todos os jogadores convocados para integrar a seleção deveriam estar jogando no Brasil, haveria incentivo aos que atuam por aqui para recuperarmos o estilo e o brilho do futebol brasileiro. Adicionalmente, se empenhariam talvez com mais dedicação e esforço para disputar com as seleções melhor preparadas e ganhar. Haveria ainda, porque não dizer, o interesse individual de atrair a atenção dos clubes do exterior para serem contratados e atuar lá fora. Os negócios milionários seriam adiados para depois da Copa e os atletas teriam interesse em se valorizar com o trabalho na seleção. Quem saísse do país, automaticamente, ficaria fora da convocação.

Com isso, os torcedores se envolveriam e apoiariam os jogadores de seus times que se destacaram nos campeonatos regionais e nacional e foram chamados para atuar na seleção brasileira. Todos saberiam os nomes dos que integrariam a time nacional e o desinteresse e distanciamento entre torcedores e jogadores rapidamente seriam substituídos pela emoção e pela paixão.

A renovação da atual geração seria assim certamente facilitada e os clubes fortalecidos. O trabalho que se iniciará em 2023 deveria ter continuidade nos próximos quatro anos. O importante é definir um critério que começaria a ser aplicado a partir da fase de classificação.

Se nada for feito, vamos repetir o que ocorreu nas últimas copas. Vamos selecionar estrelas que brilham no exterior, mas não são conhecidas no Brasil. Provavelmente, vamos com muito esforço tentar chegar na semifinal e, depois da Copa, voltaremos a lamentar a desorganização de nosso futebol, a falta de profissionalismo dos clubes e a reclamar dos nossos jogadores que atuam no exterior.

Devemos aproveitar o momento e prestigiar os jogadores de grande qualidade que são esquecidos de modo a podermos projetar uma nova geração internacionalmente. Depois, valorizados pelos resultados alcançados, se quiserem poderiam ser contratados para atuar no exterior. Clubes e jogadores ganhariam.

A discussão sobre se o técnico da seleção deveria ser brasileiro ou estrangeiro mostra a falta de foco usual em todas as áreas de nossa sociedade, desde a política, até o futebol, quando estão em jogo decisões importantes com implicações de médio e longo prazo.

A palavra de ordem é prestigiar a prata da casa para, com garra, conquistar o Hexa.




Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 27 de dezembro de 2022.



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