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Acadêmico: José Renato Nalini
Abeberar-se nas fontes francesas do conhecimento faz bem à consciência e à alma. Frequentá-las é um prazer gratuito e inebriante.

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O Brasil sempre devotou à França uma profunda admiração. Os brasileiros de elite nos séculos XIX e XX falavam francês e estudavam os clássicos. Nossa vida sempre foi intimamente vinculada com Paris. Era ali que os brasileiros de posses adquiriam residência. O encanto que o iluminismo e a Revolução Francesa produziram na mentalidade dos brasileiros mais ilustres é fenômeno que ninguém desconhece.

Eram francesas as artistas que aqui se apresentavam constantemente e a influência da filosofia da Gália no pensamento tupiniquim dispensaria menção.

Muitos franceses que moldaram a consciência da humanidade não têm tranquilidade. Embora mortos, não podem dormir tranquilos. Cabe aos jovens redescobri-los e haurir de seus ensinamentos, para entender melhor o labirinto da mente humana.

Pense-se, por exemplo, em Charles Péguy (1873-1914). Este notável pensador incursionou pelo socialismo e pelo nacionalismo e converteu-se ao catolicismo antes de morrer. É considerado um dínamo. Sua personalidade apaixonada era um exemplo de multiplicidade e ele não se constrangia quando podia parecer contraditório. Tanto que seus amigos o enxergavam sob diversos prismas. Muito perspicaz, ele tomava cada um deles por confidente de um dos recantos de seu pensamento. A um, reservava a fé; a outro, a arte, a poesia. Também destinava a alguém as agruras de sua vida passional e a outrem os segredos da metafísica. Não misturava os compartimentos e se mantinha intangível.

Não faria mal aos moços brasileiros de 2022 conhecerem um pouco da obra de Péguy, que morreu aos quarenta e um anos. Assim como seria benéfico um mergulho na obra de Raymond Aron (1905-1983), tão atual para estes tempos. Imperdível seu livro "O ópio dos intelectuais".

Muito respeitado pelos políticos brasileiros de alguma intelectualidade, esteve no Brasil e fez conferências bem concorridas. Dizia que os cidadãos, no Estado de direito de índole democrática preservadora do pluralismo - é o que está no nosso pacto federativo - deveriam cultivar três qualidades: respeitar as leis e, sobretudo, a Constituição; nutrir as paixões partidárias, para manter dinâmico o regime e inibir a pretensão à uniformidade. Por fim, não podem levar as paixões partidárias até o limite, em que some a possibilidade de entendimento. Ou seja: as pessoas devem ouvir os argumentos alheios, prestar atenção neles e não hostilizá-los de pronto. Isso extingue o pluralismo e faz com que a democracia desapareça.

Lições atualíssimas e válidas para o Brasil de nossos dias. Pluralismo significa a coexistência de mais de duas formas de se enxergar o mundo. Algo incompatível com a polarização, a existência de dois polos antagônicos e irreconciliáveis, em permanente conflito.

Sabe-se que manter a democracia é um exercício extremamente difícil. O próprio Jean-Paul Sartre (1905-1980), considerado o pai do "existencialismo", ao escrever "O que é um colaborador", aponta as fragilidades da democracia. Para ele, esse regime - que Winston Churchill (1874-1965) afirmou ser o pior sistema do mundo, à exceção de todos os outros, é terreno fecundo para os fascistas. Pois tolera, por sua natureza, todas as opiniões. Por isso defendia a elaboração de leis restritivas, pois não deve existir liberdade contra liberdade.

Já sua companheira de uma vida, Simone de Beauvoir (1908-1986), festejada autora de "O Segundo Sexo", afirmava que a verdade é uma; só o erro é múltiplo. Também dizia "Se você viver tempo suficiente, verá que toda vitória se transforma em derrota."

Mais antigamente, devemos ao francês Charles de Secondat, o Barão de Montesquieu (1689-1755), a melhor formatação dos três poderes estatais. Tanto que subsiste até hoje, inclusive consagrada em nossa Constituição Cidadã de 5.10.1988. Amante da liberdade, procurou defini-la: "A liberdade, esse bem que nos permite desfrutar dos outros bens."

Por último, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), embora suíço - nasceu em Genebra, foi um dos inspiradores da Revolução Francesa de 1789 e legou pensamento denso e instigante. Para ele, "Em estado natural, os homens são iguais: os males só surgiram depois que certos homens resolveram demarcar pedaços de terra, dizendo a si mesmo: Esta terra é minha. E então nasceram os vários graus da desigualdade humana".

Abeberar-se nas fontes francesas do conhecimento faz bem à consciência e à alma. Frequentá-las é um prazer gratuito e inebriante.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
em 1º de dezembro de 2022



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