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TRIBUTO ECOLÓGICO
Acadêmico: José Renato Nalini
As três esferas da Federação brasileira têm igual responsabilidade na tutela ambiental.

Tributo ecológico

O Brasil tem um dos sistemas tributários mais injustos de todo o planeta. O brasileiro paga muito e recebe pouco. Mais do que a carga fiscal, as obrigações acessórias tiram tempo do contribuinte. Tempo que ele poderia dedicar ao aumento da produtividade, ao descanso, ao lazer. Não. Tem de oferecer esse bem finito – ninguém pode devolver um minuto, uma hora, um dia perdido a quem permaneceu a preencher declarações ou a se justificar perante o Fisco – em detrimento de destinação mais digna e compatível com suas necessidades.

O sistema tributário é também tosco. Castiga os mais pobres. É generoso com os poderosos. O montante arrecadado vai sustentar a máquina crescente de governos perdulários. Enormes estruturas burocráticas e serviços de péssima qualidade. Sem falar no gasto surreal com o sustento de Fundos Partidário e Eleitoral. O cidadão paga para ser ludibriado. É a sensação de muito brasileiro frustrado com a indigência da política profissional praticada no país.

Uma tributação inteligente seria um fator eficiente de redução das desigualdades. E poderia ser uma aliada no combate ao maior perigo que a humanidade enfrenta nesta primeira metade do século 21: o aquecimento global. Ele é que ameaça a vida na Terra, não as pandemias, ou a guerra nuclear, ou a hegemonia de Estados gigantes ou o poder paralelo de enormes conglomerados empresariais cúpidos de lucro e na verdade apátridas. Não se vinculam a qualquer nação.

Diante dos acontecimentos climáticos recentes, o verão escaldante na Europa – o Reno se tornou inavegável – Inglaterra e França tiveram as maiores temperaturas da sua História, nada se compara ao que ocorreu no Paquistão. Ali, as inundações atingiram mais do que um terço do país, mataram quase duas mil pessoas e deixaram milhões de outras em desabrigo. Verdade que a Europa registrou mais de vinte e quatro mil mortes causadas pelo calor só em 2022, ano que ainda não terminou. São dados da OMS – Organização Mundial da Saúde. Os países que mais sofreram perdas foram a Espanha e a Alemanha, a primeira com quatro mil mortes e a segunda com quatro mil e quinhentos óbitos.

Os cultivos europeus se deterioraram nos celeiros e a falta de chuvas provocou incêndios em quantidade e intensidade recorde.

Por isso a advertência do Secretário-Geral da ONU, o português António Guterres. Ele propõe que os países taxem os lucros das empresas de combustíveis fósseis. Esse dinheiro tem de ser redirecionado para pessoas que sofrem com o aumento de custo de energia e comida.

O Brasil engatinha na adoção de tributo ecológico. Fala-se em IPTU verde, mas é uma insignificância, que não estimula o proprietário a reflorestar. Seria necessária uma “sanção positiva”, ou seja, a estipulação de um prêmio para aquele que se propusesse a regenerar uma área exaurida, fazendo com que ela voltasse a ser verde. Esse o remédio disponível para combater o aquecimento global.

As três esferas da Federação brasileira têm igual responsabilidade na tutela ambiental. Por isso, no limite de suas competências e atribuições, município, Estado e União precisam levar a sério a crise climática. Ela continuará a causar mortes e destruição. E um país que tem “orçamento secreto” e usa dinheiro arrecadado de um povo sofrido e exaurido para sustentar reeleições, precisa ser questionado.

O Brasil, que tem mais faculdades de direito do que a soma de todas as outras existentes no restante do mundo, tem condições de despertar nos acadêmicos da ciência jurídica e, principalmente, no grande número daqueles que enfrentam a pós-graduação, a vontade de inovar em matéria tributária. É consenso – um dos raros na República – a urgência de uma reforma tributária. Por que não pensar em “tributação verde”, aquela que se encarregue de uma justiça ecológica: sancionar com ônus compatível aquele que não ajuda a natureza a se recompor ou que causa danos ambientais e sancionar positivamente aquele que atua em sentido contrário?

O número avassalador de dissertações e teses tem de deixar de ser reiteração da mesmice, estéril contribuição para lotar escaninhos de bibliotecas ou para ornamentar o currículo Lates de seus autores, para produzir obras de impacto. E o impacto desejável, neste momento, deve ser na ecologia, para reverter os danos do aquecimento global e tentar refrear a corrida rumo ao caos, encetada por uma sociedade consumista, narcisista e cega. Vamos inovar e criar instrumentos sadios de tributação ecológica?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 19 11 2022



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