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GRACINHA SE FOI
Acadêmico: José Renato Nalini
Para Tom Zé, "Gal era a coisa mais fina, o que havia de mais sofisticado na tropicália. Pensar em Gal me lembra que o meu rosto pode sorrir".

Gracinha se foi

Ninguém esperava que Gal Costa se fosse. Com ela, uma boa parte de nossa memória musical. Conheci-a como "Gracinha", amiga de Gil e Caetano, quando Gilberto Gil era químico industrial da Gessy Lever, companheiro de trabalho e amigo de Gilberto Fraga de Novaes.

Nos anos sessenta ela despontou. Começou a frequentar São Paulo. Participava dos encontros na "Terraza Martini", no Conjunto Nacional. Íamos lá com Mariazinha Congilio, a mulher que mais divulgou Jundiaí enquanto viveu. Criadora da "Pensão Jundiaí", que projetava nossa cidade em São Paulo e espargia bondade. Generosa, projetava as pessoas, não tinha ciúmes. Queria que todos tivessem o seu lugar ao sol.

Gilberto Gil passou alguns fins de semana em Jundiaí, em casa do Giba. Trazia o seu violão. Numas duas vezes trouxe a Gracinha. Quietinha. Reservada. Discreta. Quem diria explodiria depois do contato e influência de João Gilberto e em parceria com Caetano?

Fomos assisti-la no quarto Festival da Record, em 1968, quando cantou "Divino Maravilhoso". Ouvíamos todos os seus discos: "Domingo", de 1967, "Gal Costa", de 1969, em que estava triste porque Gil e Caetano estavam no exílio, "Gal a todo vapor", em 1971, "Índia" em 1973, "Cantar", de 1974, "Gal Tropical", 1979, "Fantasia" 1981, "Minha Voz" de 1982, "Profana", de 1984 e "Recanto", de 2011.

Fazia tempo que não a via em pessoa. Mas continuava a ouvir sua voz. Inconfundível. Quantas vezes ouvi "Baby" em tantas gravações, ao vivo e em estúdio?

Sobre sua partida, o confrade Tom Zé, que vai tomar posse na Academia Paulista de Letras no próximo dia 17 de novembro, assumindo a Cadeira 33, vaga com a partida lamentadíssima de Jô Soares, escreveu na FSP um texto bem tocante: "Pensar em Gal faz meu rosto lembrar que é capaz de sorrir com alegria".


Ele relata que "nos anos 1960, tínhamos duas amigas que estudavam dança e que conheciam Gal Costa. Caetano Veloso foi quem ficou mais interessado e foi lá ver. Ela era sempre simpática, amiga e começamos a cantar nos ensaios para a inauguração do teatro Vila Velha, em Salvador. Nossa turma da tropicália faria ali uma série de shows. Nos ensaios, ouvir a voz de Gal era um deleite, parecia um feitiço – a afinação, o timbre, a maturidade com que ela ouvia os temas e logo falava dele, primeiro nesse universo da bossa-nova. Em 1965, voltamos a cantar todos juntos, eu, ela, Maria Bethânia, Caetano e Gilberto Gil no espetáculo "Arena Canta Bahia", no Teatro de Arena, sob direção de Augusto Boal. Era uma história de retirantes".

Fala sobre o disco "Domingo", que ela fez com Caetano. E conta: "certa vez, quando ela já conhecia João Gilberto, eles cantarolaram juntos "Namorinho de Portão", uma música minha (de Tom Zé) que Gal gravou em 1969. Lembro que ela se interessou pela canção rapidamente. A letra falava de um passado imediato, depois de uma revolução comportamental que, de certa forma, nós contribuímos para que acontecesse".

Para Tom Zé, "Gal era a coisa mais fina, o que havia de mais sofisticado na tropicália. Pensar em Gal me lembra que o meu rosto pode sorrir".

No mesmo dia 9 de novembro morreu Rolando Boldrin, o simpático e fiel guardador do que é mais genuíno em nosso Brasil. Tão amigo de Paulo Bomfim. E Jundiaí perdera, dias antes, D. Margarida Éber Marchi, paradigma de matriarca, viúva do grande jundiaiense Romeu Marchi. Além de meu primo Plínio Lopes Camargo. Aos poucos, vamos enterrando nossas referências e, com isso, também morremos homeopaticamente.


Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião
Em 13 11 2022



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