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ESTÉTICA NA CONSTRUÇÃO CIVIL
Acadêmico: José Renato Nalini
A estética já traz em si mesma o conceito “ética”. O bom e o belo são indissociáveis.

Estética na construção civil

Uma das atividades mais importantes que o ser humano pode exercer é edificar. Desde cedo os racionais perceberam que mereciam mais do que cavernas ou se abrigar sob árvores. O teto é uma necessidade essencial e não é suficiente proteja das intempéries, mas que também seja compatível com o ideal da beleza.

A estética já traz em si mesma o conceito “ética”. O bom e o belo são indissociáveis. Não basta morar: é preciso morar bem. Isso conduz à reflexão do que se tem feito nas cidades: a ocupação de qualquer centímetro quadrado, a redução dos espaços, o aproveitamento máximo da capacidade de construção. É preciso deixar lugar para a poesia na arquitetura.

Poesia na arquitetura? Sim. “O útil não é o fim da poesia”, disse Leopardi. Mas a expressão poética tem o universal e válido para todos os povos, em todas as épocas. Penso na potencialidade da arquitetura brasileira, reconhecida internacionalmente como criativa, arrojada, pioneira e, essencialmente bela.

Por que não recorrer a essa usina da qual jorram ideias fabulosas, para redesenhar todos os quadrantes das cidades? Chega de medíocres conjuntos habitacionais que lembram pombais: casinhas todas iguais, encostadas umas às outras, sem um jardim, sem uma horta, sem uma árvore.

O planejamento urbano tem de ser poético, no melhor sentido conceitual desse verbete. Na poesia, a palavra refoge à função descritiva e denotativa mais costumeira, para fixar-se nas potencialidades evocativas dos sons e para ampliar o campo do cognoscível até o surgimento de um mundo imaginário. A cidade pode ser muito mais bonita do que é. O feio tem de ser extirpado. Os espaços ociosos preenchidos por equipamentos urbanísticos afinados com a preocupação climática.

Em recente artigo, um grupo de experientes empreendedores abordou o tema “construção civil” como algo essencial para o Brasil avançar. Reconheceu a “enorme demanda reprimida por obras privadas e públicas – infraestrutura logística urbana e equipamentos públicos são exemplos claros. O déficit habitacional brasileiro é de 7,8 milhões de moradias”. Faltam pequenas obras, aquelas que afetam o cotidiano. E, nisto, a iniciativa privada pode e deve colaborar.

Algo que impactaria São Paulo, fazendo ressurgir aquele glamour que os últimos anos fizeram desaparecer, seria o melhor aproveitamento do centro histórico. A região bem servida por todas as infraestruturas. O processo de revitalização com a destinação inteligente de tantos edifícios abandonados ou ocupados. A restauração de monumentos e a instalação de outros. A indicação de lugares que foram habitados por personalidades de nossa história, de nossa política, de nossa cultura e de nossas artes.

Uma verdadeira megalópole, insensata conurbação superior a vinte milhões de pessoas, sem qualquer possibilidade de se respeitar convencionais limites fronteiriços entre entidades municipais, parece inadministrável. Por isso mesmo é que a iniciativa privada, vencedora a despeito das vicissitudes governamentais – pois o Estado brasileiro parece detestar o empreendimento e estigmatizar o lucro – tem de atuar mais intensamente do que já tem atuado.

Mostrar a responsabilidade social mediante oferta de um plus às licenças e alvarás. Assumindo uma destinação útil a espaços abandonados. Desenfeiando a cidade. Maquiando-a, é certo, mas também penetrando suas entranhas. Uma arquitetura arrojada é capaz de suscitar paixões positivas, pois é uma obra humana que leva em consideração o imenso valor da poesia.

Poesia, no sentido urbanístico, não é apenas rima e métrica. Produzir arquitetura poética, assim como fizeram Ruy Ohtake, Benedito Lima Toledo, Oscar Niemayer, Paulo Mendes da Rocha e tantos outros, é tornar São Paulo mais convivível. Por que as grandes entidades de classe não patrocinam projetos exequíveis, incentivando jovens arquitetos a delinearem a transformação urbanística tão necessária à gente bandeirante?

Tudo se tornará mais fácil, se além do legítimo interesse pelo lucro, houver também a manifestação de uma real preocupação com a estética paulistana. O talento dos jovens profissionais é capaz dessa missão, desde que haja união de esforços e vontade de enxergar aquilo que nossa anestesia ética tem inibido um olhar mais atento.

Todos ganharão se a construção civil dilatar o seu conceito estético para atender a um plano global de ressurreição da cidade de São Paulo, hoje tão deteriorada, vilipendiada, negligenciada e feia.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 10 11 2022



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