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O BRASIL E A EDUCAÇÃO DA MULHER
Acadêmico: José Renato Nalini
A tendência a se educar a mulher para o casamento e não para a profissão ou para a carreira ainda persiste em algumas mentalidades conservadoras.

O Brasil e a educação da mulher

Estou lendo “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, de Jean Baptiste Debret (1768-1848), numa tradução de Sergio Milliet. Confesso que admirava Debret por retratar o Brasil do início do século XIX, reproduzindo a natureza, a vida cotidiana e também fatos históricos. Não lera ainda o substancioso relato que elaborou entre 1834 e 1839, que deveria merecer a atenção de todos os brasileiros.

Quando ele aborda a educação das mulheres, diz que nada se fez de positivo para resgatar o atraso em que a Colônia se encontrava. Em 1815, sete anos depois da chegada da Corte Portuguesa, a educação “se restringia, como antigamente, a recitar preces de cor e a calcular de memória, sem saber escrever nem fazer as operações. Somente o trabalho de agulha ocupava seus lazeres, pois os demais cuidados relativos ao lar são entregues sempre às escravas”.

Era uma expressão da vontade dos pais e maridos. Eles “favoreciam essa ignorância a fim de destruir pela raiz os meios de correspondência amorosa. Essa precaução, tão nociva, aliás, ao desenvolvimento da instrução, levou as brasileiras a inventarem uma combinação engenhosa de interpretação simbólica das diferentes flores, construindo uma linguagem de modo que uma simples flor oferecida ou mandada era a expressão de um pensamento ou de uma ordem transmitida, aos quais podiam ligar consequências diversas pela adição de inúmeras outras flores ou de simples folhas de certas ervas convencionadas de antemão”.

Essa “linguagem das flores” era muito interessante. Debret alinha fragmentos do dicionário erótico: rosa significava amor; viola tricolor, amor perfeito (no final, a flor passou a ser conhecida simplesmente como “amor perfeito”), espora – ou esporinha – representava tristeza, em virtude de ter na extremidade inferior uma espécie de ponta recurvada comparável a um espinho; escabiosa exprimia saudade; a alfazema fresca era sinal de ternura e a alfazema seca queria dizer ódio. Interessante que a fruta “cajá”, por causa dessas duas sílabas que poderiam ser lidas de forma autônoma (cá: aqui) e (já: imediatamente), traduzia exatamente isso: venha já, de imediato.

Essa a forma encontrada pelas jovens privilegiadas – as que não eram escravas, mas livres – para dialogar com namorados ou para evidenciar o pensamento que as tomava em determinadas ocasiões. Suavidade, cólera, horário, lugar de encontro, tudo era possível de se transmitir, de acordo com a profusão de flores e de vegetação de que o Brasil era servido.

Evidente que essa pseudo-ciência passou a ser alvo de chacota, a partir do momento em que as mulheres foram alfabetizadas e puderam se comunicar por escrito.

Algo que Debret também observou, principalmente no Rio de Janeiro em que permaneceu a maior parte do tempo, foi o pretexto da religião para que a vida reclusa das moças de família pudesse respirar. Os inúmeros cultos mostravam que havia mais exibicionismo e cultivo do amor próprio do que devoção. Mas sob argumento de que deveriam participar das sessões religiosas, as moças passaram a receber lições de como ler os breviários. O missal, ricamente encadernado, passou a ser um novo acessório aos adornos femininos. Com isso, a jovem, “tornando-se assim orgulhosamente devota, ela despreza o terço que passa para as mãos das velhas beatas”.

Jean-Baptiste Debret integrou a Missão Francesa, providencialmente revolucionária no Brasil, pois os artistas fugiam de Napoleão. Acompanhou o fenômeno da adoção do francês para educar toda a juventude. A literatura francesa era elegante e de bom tom e, após 1820, com o segundo casamento do Imperador com a princesa Amélia de Leuchtenberg, filha do príncipe de Beauharnais, falava-se apenas francês na Corte. O Imperador dava o exemplo e só falava nesse idioma com a mulher.

Com a Independência, em 1822, surgiu a preocupação com a educação de todos os brasileiros, que queriam também ser intelectualmente independentes. Mas a tendência a se educar a mulher para o casamento e não para a profissão ou para a carreira ainda persiste em algumas mentalidades conservadoras. Um longo caminho a ser percorrido, até verdadeira equiparação entre os gêneros.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 31 10 2022



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