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REVOLUÇÕES NO HORIZONTE
Acadêmico: José Renato Nalini
Sabemos o que significaram as revoluções do Velho Mundo – principalmente a inglesa de 1688 e a Francesa de 1789

Revoluções no horizonte

Revolução é um conceito polissêmico e presente em nossa consciência. Sabemos o que significaram as revoluções do Velho Mundo – principalmente a inglesa de 1688 e a Francesa de 1789 – e os nossos movimentos cruentos de 1924, 1930 e 1932, principalmente. Mas falamos constantemente na 4ª Revolução Industrial, na revolução feminina e em outros movimentos assim eufemisticamente chamados.

Pouca gente observa que o Estado de direito de índole democrática instaurado no Brasil em 5 de outubro de 1988 é um modelo engessado, que só mudaria de fato se houvesse uma revolução. Basta pensar que em uma sociedade em profunda mutação, submissa a um inevitável dinamismo, institui-se uma “cláusula pétrea” impeditiva de qualquer rediscussão de temas da maior relevância.

Os modelos devem servir à sociedade, não torná-la imutável, impedi-la de se reformar quando isso for essencial para se aprimorar o convívio. “Uma breve história da igualdade”, livro de Thomas Piketty, é uma leitura interessante para quem pretende levar a sério o objetivo nacional permanente de construção de uma sociedade justa e solidária.

Sociedade justa é aquela que propicia a todos os seus integrantes uma igualdade de condições para atingir a plenitude. Não a mera igualdade formal, esta sim, garantida na Constituição da República. Em relação a isso, o Brasil é um campeão da desigualdade. Sociedade solidária é aquela em que a dor de um único membro torna-se a dor de todos os demais.

Algo aparentemente longínquo nesta fase histórica em que famílias se desentendem, amizades se desfazem, assassínios se cometem, por causa da polarização ideológica.

É muito edificante o discurso da igualdade, presente nas manifestações dos que pretendem estar bem na cena. Na verdade, os que detêm posição privilegiada e confortável tudo fazem para se manter cada vez mais distantes dos excluídos. Para Piketty, “a resistência das elites é uma realidade incontornável nos tempos atuais (com seus bilionários transnacionais mais ricos do que Estados), no mínimo tanto quanto na época da Revolução Francesa. Tal resistência só pode ser vencida por meio de poderosas mobilizações coletivas, e em momentos de crises e tensões. Ainda assim, a ideia de que um consenso espontâneo em relação às instituições justas e emancipadoras e que, para colocá-las em prática, bastaria quebrar as resistências das elites é uma perigosa ilusão”.

Um país que foi o último a abolir a escravidão, o Brasil ostenta um racismo estrutural muito nítido. Abrir as senzalas e mandar os escravos para a rua fez com que eles permanecessem alheios à sociedade. Sem educação, sem moradia, sem emprego. Multiplicaram-se favelas e cortiços. A falta de oportunidades é um legado muito cruel. O negro é a maioria no cárcere, na miséria e na exclusão. Controverte-se a valia e legitimidade das ações afirmativas. Existe considerável resistência à política de cotas, por exemplo.

A questão de gênero ainda permanece. Há desigualdades étnicas e religiosas. Mas um aspecto a ser considerado, quando se acena com revolução no horizonte, é a mais grave ameaça a recair sobre o amanhã da humanidade: as mudanças climáticas.

Somente a má-fé legitima a negativa àquilo que o homem está causando à Terra, com sua insana e ignorante insensatez. Países como os Estados Unidos, Canadá, Europa, Rússia e Japão, que possuem 15 da população mundial, emitem 80 dos gases venenosos causadores do efeito-estufa.

A urgência é mais do que flagrante. Grandes migrações já são realidade, e hoje – além de serem políticas, étnicas e religiosas – são também resultado das mutações ambientais. Água está faltando em muitas partes do globo. E faltará ainda mais. Já se vaticinou que as guerras neste século não seriam motivadas pelo petróleo, mas pela água.

A parte sacrificada pela cupidez dos que destroem matas, poluem águas internas e mares, envenenam o solo com pesticidas e herbicidas proibidos em suas nações de origem, patrocinam o genocídio indígena e a exploração mineral poluente e criminosa, tem todos os motivos para fazer uma revolução. Não a revolução metafórica, mas uma revolução de fato. Sem isso, vai ser difícil enfrentar os desafios que estão mais próximos do que gostaríamos e de que poderíamos imaginar.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 13 10 2022



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