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UMA ERA DOURADA
Acadêmico: José Renato Nalini
A educação antiga não se resumia à memorização de informações

Uma era dourada

Os velhos gostam de rememorar, começando suas perorações com o indefectível "no meu tempo"... Mas há uma razão de ser. A educação antiga não se resumia à memorização de informações, como a de hoje. Integrava uma série de saberes. As professoras ensinavam postura, modos, polidez, higiene e poesia. Os "festivais" do ensino primário eram apresentação de talentos de todos os alunos: dança, canto, teatro, poesia.

Declamar era uma arte. Lembro-me de ter assistido Margarida e Júlia Lopes de Almeida, convidadas a dizer poesia em noites concorridas, a que todos prestigiavam. Nunca vi alguém declamar com tanta expressão e talento como Tarcísio Germano de Lemos o seu emocionante "Navio Negreiro", e Mariazinha Congílio, a recitar "Máscaras" e "Juca Pirama", de Menotti Del Picchia.

Quem hoje consegue repetir poemas de Castro Alves, o poeta dos escravos e da liberdade? Um baiano que morreu aos 24 anos, que sacudiu a então pacata cidade provinciana de São Paulo, que despertou paixões e viveu um lindo, mas tormentoso romance com a atriz Eugênia Câmara.

Nestes tempos de resgate da contribuição africana para a cultura brasileira, bem fariam as escolas se mostrassem aos alunos a beleza da poética de Antônio Frederico de Castro Alves. Ela é mais eficiente do que a leitura de ensaios, teses e dissertações. Calaria mais fundo na alma infantil e até dos jovens, ainda sensíveis e não contaminados pela rudeza na luta pela sobrevivência.

Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, na fazenda das Cabaceiras, na Bahia. Desde criança, a poesia o inebriou. Todas as matérias ensinadas no primário serviam para esse derivativo de sua talentosa criatividade. Aos dezenove, matriculado no segundo ano jurídico do Recife, já frequentava o teatro Santa Isabel, magnetizado pela travessa arte de Eugênia Câmara. Ela era dez anos mais velha do que ele. Embora tenha morrido aos 37, a crítica cruel já a caricaturava. Tivera amores frustrados e uma filha. Mas era uma bela mulher. Tanto que a paixão arrebatou o poeta. No relato de Pedro Calmon, "aos 19 anos, Castro Alves era um moço guapo e vigoroso, enxuto de carnes, mas de ombros sólidos, pálido, vibrante, loquaz, esplêndido. A sua fisionomia impressionava pela correção dos traços, a larga fronte morena, a cabeleira densa lançada para trás, os olhos rasgados, o nariz grego, o fino bigode levemente dobrado nas guias, os lábios bem desenhados, o queixo romano. Dele podia dizer-se que a natureza conspirara para o fazer perfeito - na estatura, no porte elegante, na altivez sem soberba, na regularidade do semblante, em que se combinavam as heranças de várias raças apolíneas, na flama daquele olhar profundo e suave".

O poeta da liberdade tornou-se cativo de Eugênia. Pregava a libertação dos escravos, mas não conseguiu libertar-se de Eugênia. Ela nunca fora amada com devoção tal. Deixou o Recife e arrastou-o com ela, primeiro para a Bahia, depois para o Rio e para São Paulo. Aqui chegaram em 1868.Matriculou-se Castro na São Francisco e se encantou com o professor José Bonifácio, o moço, que ensinava direito civil pátrio.

Envolveu-se na política, deslumbrou os que o ouviam. Eugênia o deixou. Um dia, a caçar perdizes no Brás, saltou um córrego com a espingarda a tiracolo. A arma detonou, o chumbo se alojou no calcanhar esquerdo. Não se recuperou. Tal acidente e a tuberculose o levaram em 6 de julho de 1871. Sua genialidade se preserva desde então. Ler Castro Alves nos reconduz a uma era dourada.

Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião
Em 18 de setembro de 2022



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